
O que não é possível entender é porque a Agência Nacional da Aviação Civil não confisca as autorizações de vôos internacionais que não estão sendo operadas e as repassa a outras empresas interessadas.
Por Chico Sant’Anna
No imaginário social da humanidade existem várias lendas que fazem referências a maldições. Há, por exemplo, a maldição de Montezuma, lançada pelos astecas contra Hernán Cortez e os demais invasores espanhóis. Todos seriam dizimados vítimas de um surto violento de diarréia. Há ainda a maldição de Tutankamon. Grande parte dos pesquisadores e aventureiros que violaram a tumba do mais jovem faraó da história veio a falecer por um mal provocado por fungos até então desconhecido. Embora seja bem mais jovem que as pirâmides egípcias e astecas, o aeroporto internacional Juscelino Kubitschek de Brasília poderia entrar na relação das maldições existentes no planeta.
Desde sua inauguração, o aeroporto de Brasília leva o adjetivo internacional. Mas vôo internacional é o que ele menos abriga. Apesar de ser o terceiro maior aeroporto do Brasil em movimento de passageiros e esteja localizado em posição geograficamente estratégica, quer seja em relação ao Brasil, quer seja em relação à América do Sul –permitindo abrigar o que no jargão técnico chamam de HUB (um pólo de redistribuição de passageiros e vôos) -, as empresas aéreas relutam em operar a partir da Capital Federal rumo a outras nações.
Poder-se-ia até dizer que aquelas que ousaram contrariar os astros e realizar vôos internacionais foram vítimas de uma praga rogada: a Maldição do Aeroporto JK. Praticamente todas as companhias aéreas quebraram ou estão mal das pernas. Ou seria mal das asas?
Senão, vejamos.
Responsável por realizar o primeiro voo internacional a Brasília, em 1957, na década de 1970, a imponente Pan American chegou a operar, com seus boeings 707, o trecho Brasília – Miami. A também norte-americana Braniff International realizou vôos charters chegando e partindo de Brasília os seus DC-9 decorados com pinturas psicodélicas. O destino das duas foi um só: a falência.

A Transbrasil não teve sorte diferente. Desejosa em transformar o Planalto Central em sua base de operação, construiu uma imponente sede nas imediações do aeroporto. Promoveu o romântico vôo Brasília Amsterdam, com escala, na ida, em Fortaleza e, na volta, uma paradinha na capital internacional da valsa: Viena. Por meio dela, também era possível ir de Washington, capital do maior país da América do Norte, direto a capital do maior país da América do Sul. Os dois vôos desapareceram e da Transbrasil só restaram esqueletos de aeronaves nos pátios do aeroporto. Destino amaldiçoado também teve a Vasp, que compartilhou com a belga Sabena a ligação com Bruxelas. Ambas faliram.

Quando ainda era a principal companhia aérea do Brasil, a Varig chegou a operar dois vôos internacionais a partir do JK.
O primeiro interconectava as duas cidades politicamente mais importantes do Mercosul: Buenos Aires e Brasília. O segundo colocava numa mesma rota a Cidade do México, Manaus e nossa Capital. Mas nem as energias astecas foram fortes para que a empresa resistisse à maldição candanga. A Gol, que a arrematou, não mais operou essa freqüências, mas foi só anunciar o desejo de ligar o Distrito Federal a Rosário, na Argentina, com uma escala em Florianópolis, para começar a apresentar maus resultados operacionais. Teve até que vender uma parcela de seu capital para a norte-americana Delta.

A mais recente vítima foi a uruguaia Pluna. Até 4 de julho, era possível ir direto a Montevidéu em apenas três horas e saborear no Mercado do Porto uma bela carne grelhada acompanhada de um típico vinho tinto da uva Tanat. Como suas correligionárias, foi obrigada a lançar um SOS, obrigando agora o brasiliense a enfrentar uma maratona de oito horas de vôos e esperas em São Paulo, Rio ou Porto Alegre para realizar o mesmo trajeto.
Com a recente crise financeira européia, a lusitana TAP, que opera seis freqüências semanais conectando Brasília a Lisboa, também não anda bem das asas. Já falam em privatização da empresa, mas por enquanto, o Brasil parece estar sendo a tábua de salvação para Portugal. Os brasileiros, mesmo com a alta do dólar, formam o segundo maior contingente de turistas estrangeiros em terras de além mar. Só perdem para os irlandeses e estão à frente de franceses, alemães e italianos. Por isso mesmo, a empresa tem multiplicado suas rotas, partindo de quase todas capitais do País.
Reflexos no turismo
Todos sabem que Brasília tem uma elevada renda per capita e viajar é um dos principais esportes candangos. Quando todos estes vôos estavam em operação, aos brasilienses era concedido o conforto de não ter que ir ao Rio de Janeiro ou São Paulo – andar para trás, como reclamavam muitos passageiros, esperando demoradas e aborrecidas conexões. Encurtava a viagem também para viajantes do Centro-Oeste e até da Região Norte, também carente em viagens internacionais diretas.
É de se ressaltar, contudo, que este conforto sempre teve, e ainda tem, um custo, pois mesmo sendo Brasília mais próxima dos Estados Unidos ou da Europa, as empresas cobram tarifas mais salgadas do que as praticadas a partir de São Paulo ou Rio de Janeiro.
Não são só as energias negativas emanadas desta suposta Maldição do Aeroporto JK que privam o brasiliense de desfrutar dos vôos internacionais diretos e o obriga a vôos cansativos, demorados e caros. A cobiça e a cartelização do setor aeroviário contribuem em muito para isso. Tomemos os reflexos da recente incorporação da brasileira TAM pela chilena Lan, criando a Latam. Um dos primeiros resultados negativos foi o fechamento do vôo Brasília Lima, até então operado pela Lan. Em outubro de 2010, era possível visitar a capital peruana por apenas R$ 420,00 – ida e volta – ou Cusco, por R$ 590,00.
O fim da operação praticamente dobrou o preço da viagem e beneficiou a TAM, que passou a absorver na conexão até São Paulo os turistas do Centro-Oeste que querem conhecer as belezas incas. O que poderia ser feito em apenas quatro horas de vôo, agora leva quase que um dia inteiro. Isso quando não se é obrigado a ir de véspera para São Paulo e pagar um pernoite. Os vôos Guarulhos-Lima costumam decolar bem cedo pela manhã.

Caminho semelhante está trilhando a Transportes Aéreos Centro-americanos – TACA, de propriedade do mesmo grupo da Avianca brasileira e colombiana. Interessada em criar uma alternativa de vôos para os Estados Unidos via Colômbia, ela decidiu substituir a rota Brasília-Lima – sempre bem suprida de passageiros – por Brasília-Bogotá.
Nesta oligopolização do setor aéreo, quem também perde muito é a economia regional, já que todo o turismo do Centro-Oeste brasileiro é afetado. Ir agora de Lima ao Pantanal, por exemplo, é mais caro e demorado do que do Peru à Europa. Brasília, que busca se firmar enquanto destino turístico internacional, vê a tarefa ficar, a cada dia, mais difícil. Os uruguaios, por exemplo, já eram o segundo maior contingente de turistas estrangeiros a visitar à Capital Federal. Tudo graças à conexão com a capital platense, que agora deixa de existir com a saída de cena da Pluna. Certamente, os hotéis e restaurantes brasilienses vão sentir falta da turma do chimarrão.
O quadro brasiliense atual é bastante modesto. Longe de se transformar num portão internacional de entrada de turistas. Além dos vôos da TAP, a cidade ainda conta com vôos para Atlanta e Miami operados, respectivamente, pela Delta e pela American Airlines. A TAM ainda opera para Miami, mas não são conhecidos os planos chilenos da Latam em manter a rota. Além disso, o brasiliense ainda pode viajar pela Copa Airlines, para a Cidade do Panamá, com conexões para a América Central e Caribe, e pela Taca, para Bogotá.
O que não é possível entender é porque a Agência Nacional da Aviação Civil não confisca as autorizações de vôos internacionais que não estão sendo operadas e as repassa a outras empresas interessadas. Talvez esta postura seja mais um reflexo da Maldição do Aeroporto JK. Praga ou não, a postura da Anac apenas contribui ao monopólio da aviação civil no Brasil e favorece o cartel das empresas deixando aos passageiros oriundos do Centro-Oeste apenas o direito de praguejar aos quatro cantos.
Gostei muito da materia. É lastimavel não termos mais voo para o exterior. Seja por maldição, por descaso ou falta de interesse. Temos demanda, mas talvez falte vontade.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Por estas e por outras é que eu viajo de jegue… ela vai pra onde eu mando.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Muito bom. Faltou outra atingida pela maldição. Transbrasil. Tinha BSB-Orlando-Nova Iorque. Já fiz a VASP BSB-Bélgica. TAP – BSB-Lisboa-etc. Já fiz Delta- BSB-Atlanta (avião apertado). De qualquer forma, é outra coisa, sair de lá da Europa, desembarcar direto no JK e ir trabalhar, final de férias. Um abraço.
CurtirCurtido por 1 pessoa
O que dizem acerca da recente rota da Emirates BSB Tokyo-Haneda?
CurtirCurtido por 1 pessoa
Não tenho informações sobre esta rota. Caso você tenha mais detalhes, gostaria de receber
CurtirCurtir
Discordo do rótulo atribuído ao Aeroporto Jk de “maldição”. Esta situação só acontece motivada pela falta de interesse em examinar e analisar outros aeroportos. É uma forma danosa de destruir ou manchar o magnifico trabalho de JK em construir Brasília. Que se tornou sombra para as demais cidades como Rio de Janeiro e São Paulo principalmente. O senhor Chico Sant’Ana poderia dirigir sua força para a construção e não para a destruição. Falar mal do Aeroporto é falar mal de Brasília. Lamento!
CurtirCurtir
Caro João Batista
Longe de mim falar mal de Brasília. Para aqui me mudei ainda bebê, em 1958. Não troco está cidade por nada.
Entretanto não podemos fechar os olhos à realidade.
Quando trazemos os fatos à tona é no sentido de fazer a cidade crescer ficar cada vez melhor.
CurtirCurtir
Quando me refiro a maldição, não me refiro ao empreendimento Aeroporto que pode ser uma baseado desenvolvimento econômico da Capital. Me refiro a má sorte das empresas que ali5operaram vôos internacionais.
CurtirCurtir
Ótima Matéria , e infelizmente a maldição continua e outros voos continuam sendo cancelados .Agora o da Airfrance no tão festejado Brasilia -Paris. Acredito que o lobby para concentrar os voos em Gru e Gig seja muito fortes junto a falta de comprometimento dos gorvenos de Brasilia também contribui.
Sempre que abrem novos võos internacionais , é uma alegria imensa e ja fiz quase todos . O que mais me deixou triste foi O Bsb -Lima .Viajei 3 vezes e todos estavam lotados , realmente não entendo o porque do fechamento dessa rota assim como Bsb-Bogota . Via muita gente de Goiania , Mato grosso , nesse voo.
Logicamente que Brasilia ainda não é uma cidade que desperta tanto interesse de turistas estrangeiros , ate porque falta muito para incrementar o turismo interno .Como sempre a Falta investimento , e poderiamos ter parcerias com outros destinos muito procurados como o Pantanal , chapada diamantina , cidades historicas de goias , Minas , ,Bahia Para nos transformar em HUB , seria a solução se tivessemos trens ligando Bsb – Goiania -Mato Grosso ,,BH , E talvez seriamos como Frankfurt , onde recebem voos de todo o mundo e de la partem trens para varias partes da Europa . .Mas isso é um sonho que não veremos nem nos próximos 50 anos.
CurtirCurtir