Está faltando inteligência no governo local. Torçamos que os exemplos de Washington, a irmã mais velha, possam mudar esta realidade. Ela tem muito a ensinar à caçula, que anda trilhando por caminhos tortuosos e que não levam a uma melhoria de bem estar social.
Texto e fotos por Chico Sant’Anna
As capitais do Brasil e dos Estados Unidos da América, Brasília e Washington, decidiram ser cidades-irmãs. O parentesco foi formalizado por um convênio assinado entre o GDF e a prefeitura da capital dos Estados Unidos. Os laços familiares foram formalizados no dia 15/3 pelos mandatários das duas cidades.
Cidade irmã é um conceito que tem como objetivo a implementação de relações e mecanismos que permitam o intercâmbio de experiências e conhecimento em nível econômico, social e cultural, por meio dos quais cidades estabelecem laços de cooperação.
Washington e Brasília guardam muitas similitudes. As duas são capitais federais, são cidades planejadas, foram construídas para abrigar essencialmente a máquina pública federal e as representações diplomáticas. Ou seja, tinham como proposta ser capital de nações importantes das Américas. Ambas marcam um novo momento político de seus respectivos países.
Dois séculos separaram o surgimento das duas cidades. Mas o tempo não as fez muito diferentes. Assim, como a proposta de Lúcio Costa para Brasília, o projeto urbanístico de capital norte-americana também é de inspiração da escola francesa de urbanismo. Se Lúcio Costa e Niemeyer eram discípulos de Le Courbusier, Washington foi desenhada pelo arquiteto francês Pierre L’Enfant. Tal qual em Brasília, ele estabeleceu a separação entre os bairros residenciais e comerciais e o setor urbano destinado a abrigar os órgãos da administração pública.

Brasília foi inaugurada após uns quatro anos de construção. No caso dos EUA, a nova capital levou o dobro, oito anos. Data de 1797. As duas cidades estão apoiadas em uma cruz. Em Brasília, no formato de um avião, em Washington se assemelha mais a letra “T”. Na intersecção, ergue-se o Washington Memorial, um obelisco em homenagem ao primeiro presidente dos Estados Unidos e um dos líderes da rebelião contra os ingleses, que levou à independência das então treze colônias britânicas, hoje Estados, situadas na costa Leste do país.
Como um símbolo da união norte-americana, o obelisco é o ponto central de referência. De sua localização central partem três esplanadas que formam o National Mall. Uma delas, leva até a Casa Branca, residência e palácio oficial da presidência da República.
Três esplanadas

Outro eixo, que lembra a Esplanada dos Ministérios, leva à sede do poder legislativo, representado pelo Capitólio, o congresso nacional. A diferença desta alameda em relação à Brasília, é que em vez de estarem instalados os ministérios, este eixo abriga diversas instituições culturais, notadamente, museus como o de História Natural e a National Galery of Arts além de outras instituições mantidas pela conceituada Fundação Smithsonian.
Outro eixo leva o cidadão ao Lincoln Memorial, em cujas imediações se encontram uma série de memoriais e monumentos que não deixam o cidadão norte-americano esquecer-se de sua história e de seu passado, desde a Guerra de Secessão até os embates mais contemporâneos, como os do Meio Oriente.
História e Cultura

Desta forma, o obelisco em homenagem ao pai dos Estados Unidos é o ponto catalisador de todas as energias cívicas, culturais, políticas da cidade. E o interessante, é que tais espaços cívicos, embora formais e cerimoniosos, não excluem o cidadão comum, que pode fazer pic-nic em frente, jogar bola, andar de bicicleta ou de skate.
Diferenças
E é ai que começam as diferenças entre as cidades. O olhar do poder público sobre o bem-estar do seu morador. Washington tem uma população três vezes maior do que Brasília e nem por isso, a cidade sucumbiu ao canto da sereia da especulação imobiliária.

Como nas cidades européias, os prédios residenciais e comerciais são baixos, de poucos andares. Não há arranha-céu, espigão, na capital norte-americana. Os prédios altos e modernosos ficaram de fora dos limites do District of Columbia – o equivalente ao nosso Distrito Federal – como, por exemplo, em Arlington, que fica tão o mais próximo da capital dos EUA, quanto Valparaíso de Goiás de Brasília. A cidade é então agradável, bem arborizada, rica de parques, e largas calçadas onde os moradores podem passear.

A segurança é total. Bem policiada, com guardas nas ruas, e bem sinalizada. Um turista caminha tranquilamente por ela sem o risco de se perder ou da necessidade de portar um GPS. O transporte é bastante eficiente, limpo e pontual. Ônibus e metrô e trem regional funcionam impecavelmente. O transporte público municipal é integrado, ao contrário do de Brasília.

O meio principal é o metrô e o trem. Osônibus funcionam apenas de forma complementar, alimentando de passageiros os modais principais e ampliando a capilaridade do sistema. Para combater a poluição, os ônibus são movidos a gas natural e não com óleo diesel, como acontece em Brasília.
Além disso, a cidade investe muito em boas e seguras ciclovias e ciclo-faixas. É grande a quantidade de bicicletários para o estacionamento de bikes particulares, bem como a oferta de bicicleta pública para aluguel. Outra opção, muito apreciada pelos turistas, são as patinetes motorizadas.

Tudo isso, contribui para diminuir o impacto do trânsito de veículos particulares que, embora intenso, está longe de lembrar os engarrafamentos do Eixo Monumental, da Ponte do Bragueto ou de nossas estradas parques. Por outro lado, a cobrança de estacionamento no centro da cidade, desestimula os motoristas a tirar o carro da garagem.
Turismo como fonte de econômia

Como cidade administrativa, Washington não possui parque industrial e seu comércio está longe de se assemelhar aos de Nova York ou da Florida. Por isso, a cidade investe muito no turismo, em especial no turismo cívico. Além do aspecto econômico, é uma forma da sociedade norte-americana manter viva a memória e a história nacionais, além é claro do patriotismo, muito cultuado pelos Estados Unidos.
A opção pelo turismo evita, ainda, agressões ao projeto urbanístico e ajuda a manter a qualidade ambiental da cidade.
Por onde se caminha, é possível encontrar estudantes provenientes de diversos estados da federação norte-americana, bem como veteranos de guerra conhecendo ou revisitando sua própria história.
As escolas organizam sistematicamente excursões para que seus estudantes conheçam a sua capital. Universitários também podem usufruir de curtas temporadas como page – uma espécie de estagio que ajuda a conhecer o funcionamento do poder Legislativo. Tais idéias já poderiam ser copiadas por Brasília.
Os monumentos estão impecavelmente cuidados, não são danificados ou alvo de vândalos, como acontece em Brasília. Aqui, os Orixás da Prainha, e os bustos de personalidades internacionais, como Salvador Allende, do Chile, e Miguel Hidalgo, do México, Simon Bolivar, da Colômbia e outros integrantes da Alameda dos Prórceres foram destruídos. Pior, em ambos os casos se suspeita de intolerância religiosa e política.
A Alameda dos Prórceres, importante à reflexão sobre os Diretitos Humanos, embora seja visível da sala do governador no Palácio do Buriti, é alvo de tanto desleixo da sociedade e das autoridades públicas, que nem a administração regional de Brasília sabe informar quantos bustos estavam expostos originalmente na praça nem como ou quando foram destruídos.

Em Washington, os estudantes, ao lado dos turistas estrangeiros movimentam a economia, o que dispensa a necessidade da cidade estar dotada de fábricas e outros projetos megalomaníacos, que só contribuem para mudar a proposta urbana e prejudicam a qualidade de vida de seus moradores.

A cidade é impecavelmente limpa. Não falta banheiro público aos populares. As calçadas e passeios públicos sem buracos e adaptadas à acessibilidade. Por onde se passa existem coletores de lixos já adaptados para a coleta seletiva. Mesmo aquele lixo que é jogado fora pelo transeunte já vai pr-e-triado para a reciclagem.
Apesar de metrópole, ainda guarda o tempero de cidades pequenas, onde o morador coloca a abóbora cortada em forma de máscara no dia das bruxas, o Halloween Day. Um toque do interior.
Cooperação Brasília-Washington

Washington investe nas peculiaridades de seu povo. Conta com um bairro oriental e outro negro. Restaurantes e casas de espetáculos marcam estas localidades. A cidade é conhecida pela culinária, confeitarias e seus cafés.
Sua Universidade, a de George Washington, é outra referência internacional de ensino e pesquisa. Atrai alunos estrangeiros de todo o mundo, são cerca de 25 mil jovens de mais de 140 países diferentes, que injetam recursos na economia local além de contribuir para uma produção acadêmico-científica de referência internacional. A universidade é famosa pela sua atuação no campo da pesquisa e desenvolvimento, além de ser um grande berço da consciência político social do país.
A cooperação Brasília-Washington pode ser bastante positiva para a capital federal, mas isso vai depender da postura de nossos governantes locais. É necessário mudar o comportamento de “tudo fazer” para agradar a indústria da especulação imobiliária, da postura de ocupar os espaços verdes, de fechar os olhos aos puxadinhos e assemelhados, de insistir em tecnologias antigas de transporte coletivo, priorizando o ônibus no lugar do metrô e de outras opções de transporte sobre trilhos; de apostar na industrialização do Distrito Federal e não na sua transformação em um pólo cultural, com museus, teatros, cinemas. Se esta postura não mudar, pouca coisa vai adiantar.
E pra começar, para demonstrar um novo olhar sobre Brasília, o governo Agnelo Queiroz já poderia tomar determinadas iniciativas, independentemente da consultoria norte-americana.
Poderia, por exemplo, recuperar a Museu de Artes de Brasília – MAB, abandonado, jogado às traças. Poderia vitalizar o Memorial dos Povos Indígenas, dando a dignida que os povos das florestas merecem. Poderia insistir com organismos, como o Banco Central, de colocarem suas obras de artes –o BC é proprietário de um dos maiores acervos de Portinari – em exposição pública e permanente. Poderia recuperar o Pólo de Cinema e tornar mais efetiva a produção cinematográfica da cidade, como fizeram Paulínia no interior de São Paulo e o Rio de Janeiro. Poderia dar um basta nas iniciativas que afetam o tombamento do Plano Piloto, maior riqueza turística da cidade.
São mudanças a que custo acreditar, infelizmente, que venham a acontecer, pois esta turma sucumbe à especulação imobiliária, em muitos casos, empreiteiras financiadoras de campanha. Ela ainda não entendeu que Brasília, tombada pela Unesco como patrimônio da humanidade, se equipara à Acrópole, da Grécia, às Pirâmides do Egito e tantas outras belezas mundiais. Basta uma política inteligente de atração turística para que tenhamos uma avalanche de turistas estrangeiros passeando por aqui, injetando muito mais dinheiro na economia local e gerando muito mais emprego, do que a mudança de gabarito do Plano Piloto, ou da ocupação das áreas verdes do Park Way.
Está faltando inteligência no governo local. Torçamos que os exemplos de Washington, a irmã mais velha, possam mudar esta realidade. Ela tem muito a ensinar à caçula, que anda trilhando por caminhos tortuosos e que não levam a uma melhoria de bem estar social.
Recentemente, escrevi uma crônica dando meu ponto de vista das constantes e repetidas afirmações de que Brasília e Washington, DC não são municípios, eis o link da crônica em minha página do Facebook para quem desejar dar uma conferida: https://www.facebook.com/SavioChristiDesenhistaDivulgacao/posts/1413182902033793.
Juntamente à crônica, estão duas composições musicais em inglês e espanhol, respectivamente, uma dizendo que brasileiros e americanos são irmãos e a outra dizendo a importância da paz e união mundiais, além de outra crônica, esta dizendo que Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush não foram presidentes totalmente ruins afinal.
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Mano Chico, vim lhe dar os parabéns por seu trabalho e convidá-lo a acessar minha página de divulgação, eis o endereço → http://www.facebook.com/SavioChristiDesenhistaDivulgacao.
Bom, abraços e até mais então!
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Só no tocante ao turismo cívico, Brasilia tem um conjunto histórico muito enxuto quando comparado ao de Washington. Brasilia não possui um grande museu sobre a história brasileira, ou a instituições importantes como o Exército, Marinha, ou memoriais sobre momentos históricos do país, como a Guerra do Paraguai ou a participação brasileira na 2º Guerra, ou mesmo a pessoas importantes, como Duque de Caxias, D. Pedro II, Bonifácio e o próprio Getúlio Vargas e a República Velha. Assim como carece de monumentos como um Obelisco de Washington ou um Arco do Triunfo de Paris. Washington foi feita para espelhar o patriotismo americano, Brasilia tinha como objetivo sucumbir a história brasileira e fundar uma nova corrente patriótica baseada em novos valores, artificiais e estranhos ao povo brasileiro, talvez ai esteja cerne do desinteresse do povo a sua capital. Isso poderia ser resolvido se deixassem de lado essa percepção equivocada e muito restrita da década de 50 e 60, e construíssem museus, memoriais e monumentos dedicados a história brasileira e dedicados a refletir o orgulho pelo país.
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Vc tem razão sobre a falta de espaços culturais, museus no DF. Eu falo isso no texto. Qto a falta de espaços culturais militares, a culpa é um pouco da própria Forças Armadas. A Marinha, por exemplo, possuia um enorme terreno para esse fim às margens do Eixo Monumental.
Preferiu permutar com uma empreiteira, numa polêmica transação que resultou na Quadra 500 di Sudoeste.
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Você lembrou bem. Entretanto, a biblioteca demonstrativa é de responsabilidade daquele ministro que não gosta de crianças especiais na mesma sala de aula das demais.
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