É sempre bom ter em mente que a missão do Pnud no Brasil é a de “contribuir para o combate à pobreza e à desigualdade, o fortalecimento da governança democrática, o crescimento econômico e o desenvolvimento humano e sustentável”.
Por Chico Sant’Anna
Esta semana a opinião pública foi surpreendida por uma notícia captada e divulgada pela conceituada agência inglesa de notícias Reuters. A agência, que se apresenta como mundialmente a maior agência internacional multimídia de notícias, distribuiu aos quatro cantos planeta a notícia, sob o título “Brasília pede ajuda da ONU para concluir estádio”, na sua versão em português. Na nota, amplamente utilizada pela imprensa tradicional e alternativa do Brasil, ela informa que o governo do Distrito Federal, com dificuldades para concluir o estádio Mané Garrincha, a tempo da abertura da Copa das Confederações, Brasília está pedindo ajuda a uma fonte surpreendente: a Organização das Nações Unidas (ONU).
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Segundo a reportagem de Anthony Boadle, o GDF teria feito um convênio com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – Pnud, no valor de R$ 35 milhões, para que o órgão da ONU contratasse serviços e itens como barracas, geradores e câmeras de segurança para o estádio.
A primeira reação da imprensa e de muitos usuários das redes sociais foi no sentido de que o episódio demonstraria cabalmente que as obras do estádio estão fora do cronograma. Entretanto, o significado deste convênio ou convênios é muito mais profundo, e coloca em xeque a licitude das iniciativas da administração Agnelo na execução do Mané Garrincha.
O governo Agnelo Queiroz não reconhece atraso nas obras do estádio, apesar de estarem faltando – na data que escrevo este artigo – apenas 30 dias, segundo o cronograma oficial. A inauguração do Mané Garrincha está prevista para o dia 21 de abril. Segundo informes da imprensa, estariam falando ainda 16% dos serviços, nos quais se insere a totalidade do gramado.
A pressão para que não haja atraso nos serviços tem provocado, inclusive, reação dos trabalhadores. Recentemente, os operários responsáveis pela instalação de vidros paralisaram seus serviços em protesto contra as jornadas extenuantes, de até 14 horas diárias e sem a devida remuneração, segundo relato das lideranças do movimento.
Também a agência de notícias não acredita que as obras estejam em dia. ‘”Com o curto cronograma e a necessidade de focar na conclusão do estádio, o governo do Distrito Federal não conseguiu fazer a compra a tempo por meio de licitação pública”, disse Arnaud Peral, representante-adjunto do Programa da ONU para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil’ – informou a Reuters.
A motivação de pedir socorro ao Pnud estaria, pois, depositada na condição jurídica do organismo internacional que não está sob o julgo das leis brasileiras que exigem licitação pública para a aquisição de equipamentos e contratação de serviços. Já prevendo dificuldades operacionais, o governo federal fez aprovar a medida provisória 527/11 que prevê a flexibilização da Lei das Licitações nº 8.666 para obras da Copa 2014 e da Olimpíada 2016. O novo marco jurídico estabelece o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC para licitações destinadas a obras e serviços relacionados à Copa das Confederações (2013), à Copa do Mundo (2014) e aos Jogos Olímpicos (2016).
Apesar da lei mais simples, Agnelo não foi competente suficiente para planejar a realização das licitações que seriam necessárias e agora se vê premido contra o tempo. Além disso, o Tribunal de Contas do Distrito Federal tem impugnado sucessivamente os editais de licitação elaborados pelo GDF por considerá-los inadequados.
No passado, manobras jurídicas como esta eram muito usadas tendo como conveniados fundações, institutos e Ongs. Mas a Justiça e as autoridades responsáveis pela fiscalização da gestão de recursos públicos combateram esta prática e muitos governantes foram condenados a repor aos cofres públicos os dinheiros usados via estas terceirizações. Em Brasília, há um processo iconográfico que se refere ao convênio entre o Instituto Candango de Solidariedade, que foi durante muitos anos um braço do GDF para contratar mão-de-obra e serviços sem licitação.
O arranjo jurídico atual com este organismo internacional, segundo especialistas em contas públicas, colocaria o Pnud numa triste situação de “laranja” do Governo do Distrito Federal. É sempre bom ter em mente que a missão do Pnud no Brasil, segundo o próprio organismo, é a de “contribuir para o combate à pobreza e à desigualdade, o fortalecimento da governança democrática, o crescimento econômico e o desenvolvimento humano e sustentável”. Não consta, portanto, em nenhum momento, as tarefas de locação, intermediação de equipamentos e serviços.
Mesmo que legalmente o arranjo jurídico possa estar coberto juridicamente, moralmente é inaceitável, pois como dito antes, ele busca unicamente contornar exigências da moralidade na gestão dos recursos públicos, exigências que o Congresso Nacional já havia flexibilizado.
O pior de tudo é que, segundo o porta-voz da entidade em Nova York, Boaz Paldi, os R$ 35 milhões podem não ser suficientes para toda a demanda do GDF e um reforço de caixa, com mais verbas oriundas do governo do Distrito Federal, se faça necessário.
Posição do GDF
Em nota oficial, o GDF nega irregularidades e afirma que:
– está em processo de assinatura de dois convênios com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para o fornecimento de estruturas temporárias pedidas pela FIFA a todas as cidades-sede. Elas ficarão ao redor do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha durante a Copa das Confederações, em junho de 2013, e a Copa do Mundo, em 2014. O valor total do contrato, que engloba os eventos de 2013 e de 2014, é de R$ 34 milhões.
Ainda segundo a nota, “as estruturas temporárias serão usadas, por exemplo, para a recepção de convidados e suporte à cobertura pela imprensa. O convênio garantirá ainda equipamentos essenciais aos eventos, como o fornecimento de geradores e mobiliário provisório.”
Mesmo em se tratando de estruturas provisórias, são questionáveis a necessidade de tais equipamentos e a forma de sua contratação. É de se estranhar que um estádio especialmente projetado para sediar dois campeonatos mundiais e que almeja estar entre os melhores e maiores do Brasil, não tenha previsto em suas instalações “estruturas para a recepção de convidados e suporte à cobertura pela imprensa”. Pelo visto, o novo Mané Garrincha vai se valer de um antigo DNA candango que são os puxadinhos irregulares.
Poder-se-ia dizer que a FIFA exigiu tais equipamentos de última hora – o que já seria estranho, pois há um caderno de exigências, conhecido há mais de quatro anos. Entretanto, os equipamentos e serviços que estão sendo contratados via Pnud, também serão usados em 2014, o que daria muito tempo para o GDF fazer as licitações que se façam necessárias.
Todo o arranjo entre o órgão das Nações Unidas e o GDF estaria a demonstrar claramente a posição de “laranja” do primeiro conveniado, com o intuito de burlar as leis brasileiras e sabe se até, se tal prática não poderá resultar em benefícios a apadrinhados. Não se sabe também se isto representará economia aos cofres públicos, nem quanto o Pnud irá cobrar de pedágio para ser laranja do GDF. E quem irá fiscalizar? O Tribunal de Contas do Distrito Federal e o Tribunal de Contas da União não possuem competência sobre as Nações Unidas.
Contratação de consultores
O GDF informa que esta prática não é nova. De fato não o é, infelizmente. Todo final de semana é possível ver nos classificados anúncios de contratação de “consultores” por este ou aquele órgão da ONU, mas que na verdade irão trabalhar em ministérios do governo Federal ou em outras organizações públicas. Na maioria das vezes, a tarefa que se deseja ser executada em nada tem a ver com consultoria, na essência do termo.
É uma clara burla a lei que exige concurso público para a seleção e contratação de empregados pelo Poder Público, mesmo que para contratos provisórios ou por tempo determinado. Sobre tais contratados não se recolhe as obrigações sociais, como INSS, FGTS, nem mesmo o imposto de renda. Em muitos casos não há º salário, férias, nem o abono de férias. E pior, não existe nenhuma transparência na seleção destas centenas de pessoas. Editais enigmáticos são publicados na imprensa, obrigando que o interessado tenha que acessar a internet para ter mais detalhes, os prazos são curtos e não há informação sobre os critérios de seleção e remuneração.
É lamentável que a Organização das Nações Unidas, que prega a transparência dos feitos públicos e o combate a corrupção mundialmente se sujeite a uma manobra deste tipo
… PEDE AO ” BRIC ” kkkkkk
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No dia 29/3/2013, Sexta-feira de Santa, o governo do Distrito Federal enviou a nota abaixo, contestando os argumentos do artigo acima.
Nota de esclarecimento
Brasília, 29 de março de 2013 – Em relação à publicação “Estaria o GDF usando a ONU como “laranja”?”, publicada no último dia 24 no portal Brasília 247, o Governo do Distrito Federal esclarece, novamente, que:
– É equivocada a afirmação de que o convênio coloca em xeque a licitude das iniciativas do GDF. Todos os gastos públicos são rigorosamente fiscalizados pelos órgãos de controle, independentemente do modelo de contratação. O Tribunal de Contas do DF realiza auditorias permanentes nos contratos elaborados pelo GDF com foco na Copa das Confederações e na Copa do Mundo de 2014.
– Com a ONU, o GDF seguirá formato adotado anteriormente pelo governo federal em eventos como a Rio+20, quando a organização forneceu estrutura semelhante para a conferência internacional. O convênio que será assinado, via Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é para o fornecimento de itens de uso provisório, pedidos pela FIFA a todas as cidades-sede, exclusivamente durante os jogos da Copa das Confederações, em junho de 2013, e da Copa do Mundo, em 2014. O modelo escolhido pelo GDF para os jogos de 2013 e de 2014 representa, inclusive, uma economia de aproximadamente R$ 15 milhões em relação aos valores estimados por outras cidades-sede para o mesmo serviço.
– O Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha é uma arena projetada para receber múltiplos eventos e pode ter a estrutura provisória de recepção, nas áreas externas, adequada às necessidades de cada evento, o que não possui qualquer relação com a concepção arquitetônica e nem com as obras ou aquisições de caráter definitivo. Não se pode, portanto, falar em aquisição de produtos de forma definitiva uma demanda pontual da FIFA.
– A ONU, via PNUD, possui experiência na realização de grandes eventos, além de agir com responsabilidade e credibilidade. Portanto, seguindo as determinações do governador Agnelo Queiroz, o GDF buscou eficiência e transparência na contratação de itens para atender à necessidade específica dos eventos de 2013 e de 2014, como equipamentos de informática, geradores e mobiliário provisório. Além de reduzir custos e acelerar os processos, esses convênios proporcionam a troca de experiências, que ficará como legado para o Distrito Federal.
– O acordo firmado com a ONU não tem qualquer relação com as obras do Estádio, que estão dentro do cronograma e alcançaram 94% de execução. Ou seja, o percentual correto dos serviços que serão executados até o dia 21 de abril é de 6% e não 16%, conforme mencionado.
– Em relação às condições de trabalho dos operários do Estádio, o GDF informa que o movimento mencionado, dos trabalhadores que atuam na instalação de vidros, foi pontual, nas primeiras horas do dia e em seguida foi solucionado após o diálogo administrativo com os envolvidos, sem prejuízo.
– Portanto, estão erradas as informações veiculadas pela Reuters Brasil e reproduzidas pelo Brasília 247 de que o GDF pediu ajuda para a conclusão do Estádio Nacional. O convênio firmado com o PNUD não tem qualquer relação com as obras do Estádio, que estão dentro do cronograma, e sim com as estruturas temporárias para uso exclusivo nos eventos.
Coordenadora-Chefe de Comunicação para a Copa, Samanta Sallum:
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