
Por Chico Sant’Anna
O sistema que entra em operação é ultrapassado em termos de tecnologia de transporte coletivo e, mesmo quando analisado sob a ótica de transporte público em ônibus, também se mostra desatualizado.
Foi com pompa, ao estilo de Odorico Paraguassu, e com direito até a bandeiras vermelhas presas em alguns veículos, que o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz inaugurou recentemente o novo sistema de transporte coletivo do Distrito Federal.
“Novo” é forma de falar. Especialistas no assunto apontam o sistema que entra em operação como ultrapassado em termos de tecnologia de transporte coletivo e, mesmo quando analisado sob a ótica de transporte público em ônibus, também se mostra desatualizado.
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Na verdade, os novos ônibus que estão entrando em operação não são novos. Podem ser de fabricação recente, mas estão baseados em uma tecnologia da década de 1960, já aposentada em vários países. Os ônibus de Agnelo são veículos montados em chassis de caminhão. Por isso, tem o piso elevado, o que prejudica a acessibilidade de quem entra ou sai. Como não há piso rebaixado, os usuários são obrigados a uma ginástica especial para aceder ou deixar os novos ônibus. Em países como França, Alemanha ou Espanha, o assoalho dos ônibus estão no mesmo nível do passeio público o que permite até a um cadeirante entrar e sair sem grandes problemas.
Catracas
Os ônibus trazem, segundo a propaganda oficial, GPS e câmeras de segurança, mas nem todos serão climatizados como acontece em outras localidades que vivenciam temperaturas bem menos agressivas do que as de Brasília.

O ícone deste atraso tecnológico é a persistência das indelicadas roletas. Estamos no século XXI, onde a tecnologia da informação tudo permite. Os bilhetes e cartões informatizados dispensam, inclusive, a construção das caras e cercadas paradas de ônibus do BRT. O controle pode ser feito pelos passes magnéticos sem a necessidade de cercadinhos e currais, como são chamadas pelos usuários as paradas destinadas à integração. O sistema permite o acompanhamento em tempo real do volume de passageiros e da receita.
Mas o GDF preferiu manter nos veículos os caixas e as roletas que colocam em risco de assalto os cobradores e que afunilam a travessia dos passageiros, trazendo desconforto, principalmente, para os mais gordinhos, idosos e crianças e quem embarca com sacolas. Em qualquer lugar onde o transporte coletivo é eficiente as roletas não mais existem. Os espaços internos são grandes e os leitores de cartões magnéticos monitoram o pagamento da viagem. A fiscalização dos penetras é feita por fiscais que supervisionam as linhas diuturnamente.

Isso concede mais comodidade a todos. Em locais da Europa, como a Alemanha, o usuário é estimulado a comprar cartões mensais, válidos para múltiplas viagens e, em alguns casos, com direito a levar acompanhante gratuitamente. A proposta é retirar os carros individuais das ruas e potencializar o uso dos ônibus. Além disso, o passageiro pode comprar a preços reduzidos bilhetes anuais e pagar mensalmente pelo seu uso. Para o sistema, é uma garantia de receita e de passageiros.
Poluição
Não são apenas o piso elevado e uso de desconfortáveis catracas que insere os “novos” ônibus de Agnelo no mundo do tecnologicamente superados. Eles também são ambientalmente impróprios. Operam com poluentes motores a óleo diesel. O GDF alega que os ônibus terão motores com menor nível de emissão de poluentes na atmosfera, por utilizarem diesel do tipo S 50. Trata-se de um combustível de menor teor de enxofre – 50 ppm = partículas por milhão. Entretanto, como o diesel é um derivado da destilação do petróleo bruto, constituído basicamente por hidrocarbonetos, seu grau de poluição é muito grande. Na Europa, o S 50 nem mais é comercializado. Lá o combustível usado é o S-10, de teor de enxofre de apenas 10 ppm.

Mesmo com um diesel de melhor qualidade que o nacional, em diversos países ele é vetado no transporte coletivo que funciona a base de gás, energia elétrica ou, como na Espanha, o biodiesel. O biodiesel, produzido a partir do processamento de algumas espécies agrícolas como a colza (canola) e o gira-sol, não emite enxofre, e sua lubricidade é extremamente elevada.
Nem mesmo o uso de motores elétricos, a exemplo do que já acontece em São Paulo e da experiência chinesa que Agnelo foi conhecer do outro lado do planeta, foi considerada. A definição dos novos ônibus da Capital Federal não foi alvo de uma preocupação ambiental. Eles consumirão derivado de petróleo.
E bom registrar, que as partículas emitidas pelos veículos são os principais elementos da poluição ambiental verificada em Brasília. De janeiro a setembro de 2012, o Instituto Brasília Ambiental fez 37 medições em Taguatinga, em frente à Praça do Relógio. Destas, 24 excederam o limite máximo diário (240 µg/m³), estabelecido pela Comissão Nacional do Meio-ambiente. Todas as 37 medições ultrapassaram o padrão primário (80 µg/ m³), o que, segundo os técnicos, pode gerar graves prejuízos à saúde da população exposta.

Rodas versus trilhos
Cidades como São Paulo e Porto Alegre decidiram investir em novos modais na área de transporte. São Paulo, além de ter vitalizado seu ônibus elétricos – os trólebus – está construindo um monotrilho – um metrô suspenso – interligando o aeroporto de Congonhas ao Morumbi. Porto Alegre decidiu resgatar o aeromovel para interligar o aeroporto Salgado Filho e a estação do Trensurb, um trem suburbano dos gaúchos. Trata-se de uma invenção do engenheiro local, Oskar Coester; Aos 74 anos de idade e após lutar durante 35 anos contra o lobby dos donos de ônibus, finalmente verá sua criação operar. O aeromovel gaúcho é formado por vagões independentes, com capacidade para 150 passageiros, movidos a ar comprimido. A velocidade média permitirá percorrer um quilômetro em 90 segundos. O projeto desta primeira linha custará R$ 37,8 milhões, R$ 12 milhões a menos do que as obras que destruíram o Balão do Aeroporto para criar uma via expressa de ônibus.
Ao optar pelo sistema de ônibus BRT, Agnelo repete o mesmo erro cometido pelo Brasil nos anos 1950. Na época, o Brasil desistiu do transporte ferroviário e investiu em rodovias, carros de passeio, ônibus e caminhões. Quase um século depois, o Brasil ainda vive as dificuldades estruturais geradas por este modelo.
Em Brasília, Agnelo ignorou projetos pré-existentes que previam o uso de metrô e de trem para atender comunidades mais distantes, como Gama e Santa Maria. No caso do Aeroporto, abandonou também a opção do VLT. Uma composição tradicional de metrô ou de trem regional é capaz de transportar o equivalente a dez ônibus articulados.

Oficialmente, pelo projeto do GDF, o BRT – Santa Maria – Gama – Plano Piloto que está com suas obras atrasadas em pelo menos um ano, deverá transportar 20 mil passageiros por hora, nos períodos de pique.
Há quem diga que este quantitativo de passageiros está subestimado ou, então, não promoverá a migração de pessoas que usam seus carros particulares. Desta forma, o BRT não aliviaria o fluxo intenso de carros que vem do Entorno Sul para Brasília e o trânsito continuaria tão intenso, quanto o é atualmente.
Considerando como certas as estimativas do GDF, técnicos em transportes questionam a opção de tecnologia feita em favor dos ônibus. Eles fazem uma conta bem simples: 20 mil passageiros por hora, transportados em ônibus que carregam 150 pessoas, implicaria na circulação de 133 coletivos a cada 60 minutos. Em outras palavras, um ônibus a cada 45 segundos, desempenho impensável. Mesmo que fosse factível, 133 coletivos com 15 metros de comprimento, cada um, circulando a cada 45 segundos resultariam numa fila de 1.995 metros. Uma tripa de ônibus com quase dois quilômetros de extensão que ao circular pelo Eixo Rodoviário implicaria em ocupar a terça parte da via. Só este cálculo simples demonstra que seria necessário algo equivalente a uma composição de metrô ou de trem
Embora com grandezas diferentes, o raciocínio também pode ser aplicado para o Veículo Leve sobre Trilhos, que ligaria o Aeroporto JK ao final da Asa Norte, passando pela Avenida W.3. Tanto o VLT, quanto a ampliação da linha 1 do metrô no sentido da Asa Norte, de um lado, e de Ceilândia e Samambaia, de outro, foram colocadas em segundo plano, embora contassem com recursos federais do PACs da Copa e da Mobilidade.
Que motivos teriam levado o GDF a abdicar de um tipo de transporte mais rápido, mais eficiente e menos poluente?
As respostas são alvo de múltiplas especulações.
Há quem diga que foi pressão das montadoras de ônibus e dos companheiros sindicalistas metalúrgicos do ABC paulista, que viram na aquisição de milhares de ônibus uma garantia de vendas e de emprego. Fenômeno semelhante – troca de VLT por ônibus – teria ocorrido em outras sedes da Copa do Mundo de Futebol.
Há quem diga que foi a opção por fazer algo rápido, que desse resultado ainda na administração petista para garantir a reeleição.
Há quem diga que foi pressão dos empresários do transporte coletivo do Distrito Federal. Metrô e VLT representam o fortalecimento do transporte público e estatal e menos dinheiro no caixa daqueles que operam os sucateados ônibus há décadas.
Nem mesmo a Transportes Coletivos de Brasília, estatal do GDF, pôde participar das licitações definidoras das operadores das cinco regiões (denominadas bacias). Salvo umas 50 linhas deficitárias que ficaram a cargo da TCB, tudo ficou para a iniciativa privada.
Embora até aqui a Viplan de Wagner Canhedo esteja sendo excluída da operação do transporte coletivo, o grupo de Nenê Constantino estaria ganhando o direito de explorar com exclusividade linhas em três quartos do Distrito Federal pelos próximos 20 anos. Além disso, segundo rumores que correm na cidade, Constantino seria camufladamente um dos donos da São José, operadora de uma das cinco bacias. Se a informação for verdadeira, o dono da Gol passaria a ser, praticamente, o único operador do transporte na Capital Federal.
As especulações são muitas. Os boatos que correm pelos corredores do Planalto Central, e pelas redes sociais. O Ministério Público, que investiga a lisura da licitação.poderá trazer luz a este bilionário imbróglio.
Independentemente do resultado, o certo é que os brasilienses estão perdendo uma grande oportunidade de possuir um transporte coletivo de qualidade e continuarão submetidos a um sistema de transporte desumano, ineficiente e tecnologicamente superado.
Cumprimento-o pela excelente matéria sobre o que poderia ser os transportes públicos, em Brasília. Enquanto a população usuária sofre, diariamente, nos mais antiquados ônibus pagando uma das tarifas mais caras do Brasil, opções razoáveis lhes são negadas pelo dirigente do DF.
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CONCORDO PLENAMENTE COM TUDO QUE FOI PUBLICADO NESSE ARTIGO , O TRANSPORTE PÚBLICO DO DF ESTÁ UNS VINTE ANOS ATRÁS EM TERMOS DE TECNOLOGIA . NA ALEMANHA , OS ÔNIBUS RODAM COM HIDROGÊNIO , UM COMBUSTÍVEL ECOLOGICAMENTE CORRETO COM POLUIÇÃO ZERO. AGORA VAI TENTAR EXPLICAR O CUSTO BENEFICIO DESSA TECNOLOGIA PRO AGNELO, ELE NÃO VAI ENTENDER NUNCA. E OS QUE MAIS SOFREM SÃO OS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS E OS IDOSOS.
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PARA DE ESCREVER EM CAIXA ALTA!
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Muito bom o texto quando refere a experiências de sucesso em outras cidades com o uso de transportes menos poluentes e mais eficientes. No entanto, expressões como “especulações são muitas”, “boatos que correm”, “rumores que correm na cidade” e “há quem diga” enfraquecem a reportagem. Um bom jornalista, no mínimo procuraria as fontes oficiais para saber qual a resposta do governo. Sabemos que o GDF daria respostas vagas e vazias, e aí entraria o repórter investigativo, que ao invés de ficar fazendo especulações — coisa que qualquer um pode fazer numa mesa de bar — poderia trazer mais luz sobre o tema. Porque se dependermos de Correio Braziliense, Jornal da Comunidade e outros que dependem da farta verba oficial pra sobreviver, não vamos ficar sabendo de nada nunca.
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Caro Rodrigo Janker
Aceito com tranquilidade suas observações. Lembro contudo que este é um blog feito por uma única pessoa que não tem o blog como atividade empregatícia nem econômica. Meu objetivo aqui é tão somente trazer temas para o debate público, temas que como você registrou, a imprensa local não aborda.
Mas tentarei ser o mais fiel aos fatos, como você pede.
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Ótima matéria e ótima visão de quem já rodou o mundo e observa as grandes diferenças a custos menores. O problema aqui é a política paternalista de manipulação!!! A população que tem “nada” de opções em transporte p~ublico, que só pega ônibus quebrado, lotado e atrasado, quando recebe um novinho e cheiroso em pintura e não tem conhecimento do mundo lá fora, acaba por aceitar o que parece “novo”. E aí grande amigo Chico, a dominação destas muitas pessoas se faz fácil. A maioria nunca vai saber o que é transporte de primeiro mundo para comparar e voltar às ruas. Estratégia de manipulação essa do GDF. E graças a você e a poucos bons observadores e profissionais do jornalismo conseguem informar com decência e verdade. Agora é multiplicar a sua matéria para toda Brasília e principalmente para as satélites. Estou me dispondo a produzir material informativo para distribuição nas nossas satélites para que os verdadeiros usuários conheçam a verdade que está lá fora. grande abraço!!
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Penso que o governador quer utilizar o fato como um colírio para os olhos do povo. Depois que o tempo passar e a poeira subir (a época da seca chegou) ficará claro que isso não resolve em quase nada o problema: os ônibus quebrarão menos por serem novos e talvez tenham uma frequência maior – e ficará nisso.
Político quer resposta rápida e nada de compromisso com projeto de longo prazo porque ele começa mas quem inaugura é o sucessor.
Em termos de locomoção urbana, Brasília logo ficará totalmente inviável.
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Ônibus articulado, popularmente chamado de ônibus-sanfona, é um veículo do transporte coletivo que possuí um reboque traseiro, cujo acesso é feito por um sistema de “sanfona”. O primeiro ônibus articulado fabricado no Brasil foi produzido por volta de 1978, sendo o modelo um Scania B111 com carroceria CAIO Gabriela. Na mesma época, foram introduzidos também ônibus rodoviários articulados, que foram testados por grandes empresas como a Viação Garcia e Auto Viação Catarinense; entretanto, o resultado dos testes não foi satisfatório e o conceito do ônibus rodoviário articulado foi abandonado no Brasil.
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Excelente texto!!! O novo sistema já começa velho. Viva a política burra do curto prazo!
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Os “novos ônibus” de Brasília tem toda a pinta que foram reformados.
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