O Cerrado é um bioma extremamente rico. Já foram catalogadas 12 mil espécies de plantas de diferentes portes. Essas frutas, assim como a pera do cerrado (foto), poderiam estar povoando os gramados do DF e assegurando a proteção da espécie.

Por José Carlos Sigmaringa*

 

Para implantar a cidade, os construtores de Brasília adotaram como prática a remoção total da vegetação existente. Talvez isso seja reflexo da convicção existente à época, fruto da ignorância ambiental, de que o Cerrado era uma vegetação pobre formada apenas por árvores tortas e de casca grossa. Seguindo essa lógica, até mesmo os espaços que seriam destinados às áreas verdes foram terraplanadas, deixando o solo exposto. Por isso, quem viveu aqui nos primeiros tempos tem na memória o barro ou a poeira vermelha dominando a paisagem.

Depois de remover o Cerrado, passou-se a revegetar a cidade para atender ao projeto de Lúcio Costa de construir uma cidade-parque. Para isso, foram introduzidas plantas provenientes de outras regiões do Brasil e do mundo, sem qualquer preocupação em resguardar as características do ecossistema existente.

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As espécies escolhidas já eram utilizadas em outras cidades brasileiras. As mais plantadas, inicialmente, foram a mangueira, a espatódea, a sibipiruna, o cambuí, o jambolão, o abacateiro, a paineira, os ipês, a saboneteira e o pau-ferro. Mas muitas dessas espécies não se adaptaram ao clima e ao solo do Cerrado e, na década de 70, ocorreu uma mortandade de cerca de 50 mil árvores, gerando críticas da opinião pública e dos meios de comunicação. Nessa época se falava na volta da capital para o Rio de Janeiro e uma das justificativas era de que aqui nem as árvores sobreviviam.

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A partir daí, os técnicos do Departamento de Parques e Jardins voltaram os seus olhos para as espécies nativas do Cerrado. Hoje, o DPJ sustenta que 75% das árvores plantadas na cidade são nativas desse bioma. Mas, a variedade de mudas produzidas ainda não contempla algumas árvores das mais bonitas e conhecidas do Cerrado, como a sucupira branca e o vinhático.

O Cerrado é um bioma extremamente rico. Já foram catalogadas 12 mil espécies de plantas de diferentes portes, desde as rasteiras, aos arbustos e as árvores de grande porte. O Cerrado tem uma variedade imensa de flores e arbustos que poderiam ser usados no paisagismo de Brasília. É preciso investir em pesquisas que garantam a produção em viveiro dessas plantas nativas com potencial ornamental.

Outra estratégia pode ser respeitar e preservar a regeneração natural. Uma das características do Cerrado é ser uma floresta de cabeça para baixo. O mesmo tamanho que uma árvore tem para o alto tem para dentro do solo em raízes. Em alguns locais, onde não houve um revolvimento muito grande do solo, pode-se conseguir a regeneração natural. Mas para isso seria preciso mudar a prática de cortar os gramados com máquinas que roçam tudo que encontram pela frente.

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A produção de mudas do DF também não contempla as espécies frutíferas. São dezenas de frutas que crescem no Cerrado e que são praticamente desconhecidas da população. A gabiroba é uma delas. Um pequeno arbusto que produz em abundância uma frutinha muito apreciada. A gabiroba está ameaçada de extinção porque, pelo seu baixo porte, é a mais fácil de ser destruída. Mas existem muitas outras frutas no Cerrado, o araticum, o bacupari-do-Cerrado, a pera do campo, a guapeva, a curriola, a cagaita, o jatobá, o pequi, o baru, a mama cadela, a mangaba, o murici, a cereja do cerrado e o cajuzinho do cerrado.

Essas frutas podiam estar povoando os gramados do DF para que o brasiliense não fique restrito a colher frutas que vieram de outros continentes como a manga e a jaca, praticando e se alimentando da colonização ambiental. Isso, em um país que é tido como o de maior variedade de plantas e animais do planeta.

*José Carlos Sigmaringa é jornalista, chacareiro e ativista ambiental.
Há anos, cata sementes e faz mudas de espécies do cerrado.
Além de plantá-las em seu terreno, também participa de plantios em locais públicos e eventos comunitários.