
Conheci Minnie Sardinha em meados da década de 1980. Na ocasião, ela estava envolvida num projeto de popularização da tecelagem em Brasília, denominado Redimunho. A idéia era a preservação das técnicas centenárias.
Em 1954, a artista, aos 8 anos de idade, chega ao Brasil com sua mãe vinda de Portugal. Minnie buscou tirar das tecelagens seu caráter de utilitarismo e elevá-las à condição de artes plásticas. A iniciativa deu certo e ela ganhou espaço em bienais e salões Brasil à fora.
Filha de Dona Candida Sardinha, tecedeira tradicional portuguesa da Ilha da Madeira, ministrou cursos de tecelagem no Espaço Cultural da 308 Sul, hoje Espaço Renato Russo. Ao lado de sua mãe, ela é vista como responsável pela difusão no Distrito Federal eno Entorno da tecelagem de forma doméstica. É responsável pela iniciação de várias tecelãs atuantes em Brasília e em Unaí e até já virou tema de tese de doutorado em Antropologia na Universidade de Brasília. A marca de seus trabalhos é o Repasso, fruto de uma pesquisa das técnicas de tecelagens no interior de Minas e de Goiás. Os repassos são os desenhos realizados no tear, a partir de uma série de combinações nas pisadas e linhas enfiadas nos liços. É tradição das tecelãs guardar estes repassos e repassá-los às filhas e amigas. As tecelãs ao batizarem um repasso criado, utiliza elementos de sua própria realidade, como por exemplo: olho de boi, altar, cordão de frade
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Minnie cresceu em meio às artes. O artista plástico Rubem Valentim, certa vez, se referiu à artista como: “capaz de transpor a solução planiforme das tapeçarias e de investigar, através do corpo humano, na proposta de trajes, o quanto os padrões pesquisados por ela poderiam atingir e render em novos valores plásticos“.

Agora, aos 72 anos, ela prepara uma nova exposição. Assume uma nova trajetória. Não mais de tecelagens, mas sim de pinturas. Minnie não tece mais há cerca de vinte anos. Segundo a antropóloga Ana Izaura Pina Rodrigues, há um certo mistério que envolve o rompimento da artista com a tecelagem.
Minnie guarda esse mistério quando indagada da tecelagem.
As pessoas que têm acompanhado a minha trajetória artística costumam sempre questionar porque deixei a tecelagem. Que pena, seu trabalho era tão lindo!!!! Viver é a melhor coisa que pode acontecer ao ser humano. Tenho feito isso com muita intensidade. Sempre tive uma vida repleta de mudanças externas e internas. A criatividade tem feito parte de mim até agora, com meus 72 anos.

Candida Sardinha (minha mãe) vem para o Brasil e se interessa pelos trançados da cestaria indígena que foram adaptados ao tear europeu pelos jesuítas quando cá chegaram . Teria sido esse um motivo da minha paixão pelos povos indígenas? Será que, só nestes últimos anos, consegui entender toda a ligação com os Donos da Nação? Estaria eu, buscando outra manifestação artística diferente? Mais uma vez a mudança porém, desta vez, saquei que tudo é mesma coisa.
Mas se o tear ficou de lado e as telas ganharam espaço em seu atelier, o espirito de buscar inspirações em nossas origens não mudou. As novas obras que lembram pictogrifos dos nossos mais antigos ancestrais. A artista diz que sempre adorou pintar. Jamais freqüentou escolas formais de arte, que, para ela, “nesses lugares não se ensina arte, e sim a técnica de como usar determinado material”. Autodidata, foi observando os processos e a obra de outros artistas e experimentando materiais, que estiveram ao seu alcance, que a ela desenvolveu técnicas e linguagem próprias, que lhe renderam notoriedade.

O Início da Arte
A mais nova exposição: O Início da Arte expõem ao público, pela primeira vez, a nova fase de produção artística de Minnie Saldanha, a pintura. A mostra traz os telas onde os traços e símbolos indígenas se fazem marcadamente presentes. Quem aprecia seus trabalhos pode se sentir transportado às pinturas ruprestes de nossos ancestrais.
Os temas também são uma viagem às origens do povos originais do Brasil. Uma imersão através da cultura dos “donos da nação”, forma como Minnie se refere aos povos indígenas. A artista viveu por mais de 2 anos em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e, ao longo dos últimos oito anos, matem estreita relação com vários povos, em especial com os Barés, também no Amazonas.

Minie vivencia o que ela denomina “momento de transição”. Uma etapa que a faz recordar de sua mãe ao chegar ao Brasil. “Ela se encantou pelos traços da cestaria indígena e levou para a tecelagem. Será este, o motivo da minha paixão pelos povos indígenas? Estaria eu, na busca por uma manifestação e representação artística diferente? Uma mudança! Só que “saquei” que tudo é mesma coisa. Talvez mais um despertar em meio à minha trajetória”, indaga a artista.
Serviço:
Exposição: O Início da Arte.
Local: Galeria Athos Bulcão. Via N 2 Norte, Anexo do Teatro Nacional Cláudio Santoro, Térreo.
Período: Abertura, 03 de Março de 2016, ás 19:30. A mostra permanecerá aberta até o dia 30, diariamente das 10h às 20h .