
Consumo d’água pelo agronegócio agrava crise hídrica no DF. 1,3 trilhão de litros d’água só para os grãos.
Por Chico Sant’Anna.
A timidez de São Pedro em fazer chover em Brasília, numa época que tradicionalmente é marcada por pancadas intensas, certamente levará ao racionamento do abastecimento d’água. Muito se analisa o consumo urbano, o desperdício na lavagem de carros, calçadas, no não reaproveitamento d’água. Mas a área rural também tem uma forte dose de responsabilidade pela crise hídrica por que passamos. O perfil de nosso agronegócio não condiz com o potencial hídrico do DF, alerta o ambientalista Eugênio Giovenardi. Aqui se cria até búfalos, animais cujo habitat tradicional está mais afeito ao Pantanal ou a Ilha do Marajó, onde há água em abundância. Detalhe: com apoio oficial do governo.
“Há evidências de que o perfil da produção agropecuária brasiliense não condiz com o potencial hídrico. O critério básico da ecologia da produção é o equilíbrio entre a oferta de bens naturais e o uso deles, de maneira que a regeneração dos ecossistemas do bioma permitam o reuso. Se um produto tira do solo l.000 litros de água e repõe 10, logo se formará a base do deserto” – salienta o ambientalista.

O tema parece ser tabu em áreas do GDF. Procuradas, a secretaria de Meio-Ambiente e a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal preferiram não emitir opinião. Remeteram o tema para a secretaria de Agricultura. Como se coubesse a essa pasta gerir o consumo d’água no Distrito Federal ou mesmo a preservação de nascentes.
A questão não se trata apenas no fato de a lavoura e de a pecuária contribuírem para retirar a vegetação normal do cerrado, dando lugar ao plantio e a criação de animais. A questão é se um território tão pequeno como o do Distrito Federal e com carências de recursos hídricos deve potencializar em demasia o agronegócio.
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Entre 1994 e 2005, a área plantada no Distrito Federal aumentou 49,2%, passando de 84 mil hectares para 125.313 ha. A zona rural produtiva abrange quase 69% das terras do quadrilátero. Comparativamente aos demais estados brasileiros, o DF, embora seja bem menor, tem o quinto maior Produto Interno Bruto agrícola do Brasil (mais de R$ 300 milhões). E para esta performance é necessária muito água.

Pegada hídrica
Os cultivos de soja, milho, trigo, feijão e sorgo se destacam entre as culturas candangas. A produção de frangos, hortaliças e frutas, como pimentão, morango e goiaba, também estão em evidência.
A produção agrícola consome muito mais água do quem um cidadão comum pode imaginar. O indicador da quantidade de água utilizada para produzir determinado produto é chamado tecnicamente por pegada hídrica. Para calculá-la, são considerados os usos diretos e indiretos durante toda a cadeia produtiva.
Quem olha pra uma inocente folha de alface, não sabe que para se produzir um quilo dessa hortaliça são consumidos 240 litros d’água. Um quilo de tomate absorve 200 litros. E aquele tradicional franguinho é outro beberrão. Para cada quilo, se gasta 4.325 litros d’água.
Irrigação de grãos bebe 1,3 trilhão de litros d’água
A pegada hídrica para se produzir um quilo de soja é de 2.210 litros d’água. Já para o trigo, 1.300 litros. O milho requer um pouco menos: 900 litros.
A produção candanga de grãos em 2014/2015 foi de 882,7 mil toneladas. A Capital se notabiliza pela produção de soja, trigo e de milho. Se considerarmos um consumo médio de 1.470 litros por quilo para a produção desses três grãos, temos um consumo d’água inimaginável: cerca de 1,3 trilhão de litros d’água, grande parte retirada sem qualquer controle ou pagamento dos córregos, nascentes e poços.
A Adasa não informou quanto se gasta na produção agrícola do Distrito Federal, mas a Agência Nacional de Águas (ANA) assegura que a irrigação é em disparado a maior usuária de água no Brasil. De cada cem litros d’água consumidos no país, 72 correspondem à agricultura irrigada, 11 à produção animal e 1 às demais atividades rurais. Ou seja, de cada cem litros, 84 são consumidos pelo agronegócio.

O secretário de Agricultura do DF, José Guilherme Leal, afirma que a atividade agropecuária está plenamente adaptada ao meio do DF e que não há motivos para se preocupar no período chuvoso. “O balanço entre necessidade hídrica das culturas e a disponibilidade de água no período chuvoso ainda é favorável, pois a lâmina média total precipitada no DF, que na última safra ficou abaixo dos 1.000 mm, ainda é suficiente para a produção de grãos, que requer uma lâmina máxima aproximada de 450 mm/ciclo de cultivo“ – explica ele.
Para José Guilherme Leal, o setor agrícola candango, em especial grãos e hortaliças, possui rotinas produtivas baseadas na disponibilidade hídrica que possibilitou o estabelecimento da produção, no caso de grãos, em três safras anuais – safra de sequeiro, que corresponde aos plantios das chuvas, safrinha e a safra irrigada.
Mas na estiagem, como a atual, a conversa é outra. “As condições, que ora se apresentam, infligem grande alteração principalmente na condução dos cultivos de safrinha e irrigado, porém, antes de se questionar a adequação da produção agropecuária às condições de disponibilidade hídrica no DF, deve-se discutir as estratégias de produção possíveis de serem implementadas nas atuais circunstâncias.”

A linha de pensamento é, mais ou menos, a mesma do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Distrito Federal – FAPE-DF, o deputado distrital Joe Valle (PDT). Ele reconhece que a produção de alimentos implica em interferência ambiental. Mas ressalta: “qualquer produção de alimentos dentro do DF traz resultados no sentido de abastecer a cidade e é feita de uma forma que se esmera pela questão tecnológica e essa tecnologia quer dizer economia de água. Podemos trabalhar métodos de irrigação totalmente diferenciados, que consumirão menor quantidade de água, reciclando o máximo possível.”
Monocultura é antiecológica
Na produção de grãos, o DF tem as melhores taxas de produtividade do Brasil. O desempenho do trigo irrigado, por exemplo, é de 5,7 toneladas por hectare, ultrapassando o Rio Grande do Sul, tradicional produtor do grão, que colhe, em média, 1,8 tonelada por hectare.
Essa produção de grãos, quase toda, destinada à exportação e não para o abastecimento dos brasilienses, é defendida por Vale. Não é o que pensa o ambientalista Eugênio Giovernardi. Para ele, diante do perfil hídrico do Distrito Federal, seria mais adequado substituir os grãos pela produção de frutas, a partir do plantio de árvores de diferentes espécimes, e de ervas medicinais. “Isso permitiria a coexistência da produção agrícola com o uso parcimonioso d’água.”
Ele explica que monoculturas, como o plantio de soja e milho, são antiecológicas. “Elas desertificam a terra e atraem doenças que exigem corretivos, agrotóxicos.” Ele vê como necessário para a preservação das fontes hídricas um freio à ampliação das fronteiras agrícolas e pecuárias, favorecendo o reflorestamento dos ecossistemas do DF. Além disso, propõe intercalar corredores vegetais em áreas de produção de grãos e criação de animais para captar águas das chuvas e favorecer a recarga dos aquíferos. Seriam faixas de vegetação nativa ou plantio de árvores nas áreas de plantio de grãos ou de pastagens.

Búfalos: “loucura exótica” no cerrado
Tanto a secretaria de Agricultura, quanto a FAPE-DF não veem problemas no perfil agropecuário do Distrito Federal. Nem mesmo a criação de búfalos, concentrada na Ceilândia e Brazlândia. O que é considerado “loucura exótica” pelo ambientalista Eugênio Giovernardi, é publicizado com ufanismo pelo GDF. São menos de mil cabeças, mas os informes oficiais fazem questão de frisar que “a produção local ultrapassa as do Piauí, Sergipe e Roraima”.
No Amapá, bem mais rico em água do que o DF, estudo científico, realizado pela Embrapa e pela Universidade Federal do Amapá, apontou que a introdução dos búfalos trouxe sérios problemas ambientais. Na ilha Maracá-Jipióca, onde existem 641 animais, verificou-se compactação do solo, destruição da vegetação natural, erosão e assoreamento de córregos, além de afetar a qualidade da água. Mesmo assim, o secretário de Agricultura do DF garante que “há mais de uma década que a criação de búfalos se comprovou ser viável no Distrito Federal”.
A secretaria de Agricultura garante que vem adotando medidas para garantir o uso sustentável da água na agricultura. Uma delas é uma espécie de revezamento do uso da água. “Os irrigantes se organizam e estabelecem turnos de retirada de água, a fim de eliminar o rebaixamento do nível nos seus cursos, pois o efeito negativo da irrigação sobre os mananciais é a alta taxa de retirada de água ou vazão aduzida.”

Joe Vale diz que é necessária a integração maior entre a cidade e o campo e evitar a competição quando o tema é consumo d’água. Mas não deixa de alfinetar quem mora nas áreas urbanas. “O produtor quando está fazendo o uso de água ou produzindo grãos, ele está usando a água para produzir alimentos, ele transforma a água em alimento, enquanto o uso urbano transforma a água em água suja.”
Eugênio Giovernardi se contrapõe e diz que o uso descontrolável da água na agricultura é nocivo. “Só temos uma fonte segura, mas irregular de água que é a chuva. Não há meio termo em matéria de água. Aumentar o preço da água não resolve o abastecimento democrático e igualitário. Temos que reflorestar cada metro quadrado do DF.”
E sabemos que no Brasil o agronegócio produz basicamente para exportação. Agrava a crise hídrica em nosso país, beneficiando praticamente um pequenino grupo de pessoas que comandam o agronegócio.
“Setor imprescindível para o abastecimento mundial de alimentos, a irrigação é o insumo que mais desperdiça outro recurso essencial à vida: a água. A Organização das Nações Unidas (ONU) revela que aproximadamente 70% de toda a água disponível no mundo – que já não é muita – é utilizada para irrigação. No Brasil, esse índice chega a 72%.” (http://www.ebc.com.br/noticias/internacional/2013/03/agricultura-e-quem-mais-gasta-agua-no-brasil-e-no-mundo)
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Li seu texto sobre agronegócio. Do agronegócio ao pequeno produtor todos estão em déficit com a água. O essencial é a captação e a recarga dos aquíferos, ato que pouquíssimos agricultores fazem.
Vale insistir. Os que produzem alimentos acham que, por isso, são os benfeitores da humanidade e nem se lembram que os bens do planeta são limitados.
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