
Por Chico Sant’Anna
Celina Leão (PPS), Wasny de Roure (PT), Joe Vale (PDT) e Professor Israel (PV) estão juntos.
Calma! Não é nenhuma articulação de chapa para conquistar a presidência da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Mas é uma iniciativa que vai incomodar Rodrigo Rollemberg. Trata-se de uma homenagem ao ex-presidente João Goulart, que será agraciado com o título Cidadão Honorário de Brasília, no próximo dia 14.
Perguntarão alguns menos afeitos a História: mas o que Jango fez por Brasília para ganhar tal distinção?
Primeiro é importante lembrar que João Goulart foi eleito vice-presidente de Juscelino Kubitscheck e de Jânio Quadros. À época, a eleição não era por chapa, votava-se separadamente num candidato a presidente e noutro a vice.
Jango talvez tenha sido o presidente que teve a vida mais enraizada em Brasília, a ponto de seus filhos estudarem na escola pública da SQS 108 Sul e na Escola Parque.
Os especialistas da História Política do Brasil lembram que quando JK decidiu construir Brasília, enfrentou uma grande oposição, principalmente no Rio de Janeiro, que não queria perder a condição de capital federal e de São Paulo, onde a oligarquia agroindustrial era contrária à ideia. Jango, então vice-presidente de JK, era o líder máximo do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e foi graças ao seu empenho que os trabalhadores e o movimento sindical decidiram apoiar a proposta de construir Brasília.
Mas só isso?! Indagarão outros contrários a homenagem. O que de concreto Jango fez por Brasília?
É importante lembrar que apesar de o mandato de João Goulart enquanto presidente do Brasil ter sido curto. Ele assumiu em meio a uma crise institucional com a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961. Em 2 de setembro de 1961, o parlamentarismo era aprovado. Jango tomou posse na presidência seis dias depois, mas com Tancredo Neves, então do PSD de Minas Gerais, como primeiro-ministro.

Mesmo em meios a tantas turbulências, Jango foi responsável pela criação de uma das maiores instituições do Distrito Federal: a Universidade de Brasília. A lei que autorizou a fundação da UnB foi assinada pelo presidente João Goulart em 15 dezembro de 1961, que designou Darcy Ribeiro o seu primeiro reitor.
As obras tiveram início com a construção do Instituto Central de Ciências – ICC, o Minhocão, e do Auditório Dois Candangos, palco da inauguração – e início das aulas – em 1962, ainda com Jango no poder.
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Resposta a Rollemberg
A concessão do título de Cidadão Honorário a João Goulart foi iniciativa da então presidente da CLDF, Celina Leão, e relatado pelo Professor Israel. A aprovação foi por unanimidade. Faltava definir a data e com apoio de Joe Vale e Wasny de Roure os 40 anos da morte – ainda nebulosa – do ex-presidente serão marcados pela outorga do título.
Na prática, é uma resposta do parlamento local ao governador Rodrigo Rollemberg . Ele revogou a concessão de uma área na parte Oeste do Eixo Monumental para a construção do Memorial da Liberdade e Democracia. Projetado por Oscar Niemeyer, o local seria um centro de estudos que abrigaria a biblioteca e os documentos de Jango e já havia uma proposta de receber também a documentação recolhida pela Comissão Nacional da Verdade sobre o período da Ditadura Militar.

A área do Memorial foi inicialmente concedida na gestão de Joaquim Roriz e referendada por Agnelo Queiroz. Estava tudo pronto pra começar a obra quando Rodrigo embargou, revogou a concessão da área e inviabilizou a obra.
Orçada em R$ 19 milhões, dos quais R$ 1,3 milhão em impostos para o DF e sem um centavo sequer do GDF – os recursos viriam de emendas federais e patrocinadores – a obra geraria, segundo dados do Sinduscon-DF, cerca de 700 empregos diretos e indiretos. Teria a capacidade de movimentar a estagnada construção civil candanga. Depois de pronto, geraria outras dezenas de empregos permanentes e de qualidade, abrindo mercado para bibliotecários, museólogos, educadores, pesquisadores, cientistas políticos, filósofos, funcionários administrativos, guias turísticos, recepcionistas, profissionais de conservação e manutenção. Ou seja, emprego para diversos níveis de qualificação profissional.
Se Rollemberg não tivesse ficado amedrontado com as forças conservadoras da cidade, hoje Brasília já contaria com um espaço cultural aberto gratuitamente à população – preenchendo o lugar dos diversos espaços culturais atualmente fechados, dentre eles o Teatro Nacional -, dotado de auditório multiuso para 120 lugares, capaz de abrigar festivais de vídeo e de cinema.
Externamente, um anfiteatro ao ar livre para acolher ações culturais de dança, música, dramaturgia; uma praça pública com redes wi-fi aberta à população, um parque de esculturas com a missão de receber exposições de artes plásticas, tudo ornado com Ipês amarelos e roxos, além de espelhos d’água com ninfeias azuis a colorir as águas, contemplaria.

Paris – Washington
Como as principais capitais do mundo, Brasília precisa apoiar seu desenvolvimento econômico em atividades ambientalmente sustentáveis como Cultura e Turismo. Washington possui memoriais que homenageiam líderes políticos de Thomas Jefferson a Richard Nixon, passando por Martin Luther King. Paris vai da Família Real a François Mitterand, passando por Napoleão e De Gaulle.
Não se trata aqui de considerar se foram bons ou maus líderes. Tiveram importante papel na história de cada nação. E é isso que o Memorial da Liberdade e Democracia representa, além, é claro, de constituir um novo espaço para pesquisadores, turistas e para que a sociedade conheça a história de seus pais. Bom para a economia e bom para a cidadania.
Ao agraciar Jango, a CLDF dá um recado a Rollemberg. Um tapa com luva de pelica.
Se JK e Jango tiveram a coragem de dar início juntos a utopia chamada Brasília, não cabe aos atuais e futuros governadores serem medrosos politicamente. A História registrará o papel de cada um.