Da mesma maneira que se apartam os diferentes cômodos em uma casa, o uso da região pode se tornar mais ordenado e mais ajustado às limitações naturais de recursos.
Por Aldem Bourscheit*
Primeira mulher a ganhar um Nobel de Economia, a norte americana Elinor Ostrom (1933-2012) pesquisou em vários países exemplos de comunidades bem-sucedidas no uso e na preservação dos chamados “bens comuns”, como florestas, pastagens, águas e solos produtivos. Tais grupos aprenderam a cooperar para prosperar, em vez de apenas competirem entre si.
Desta maneira, Ostrom descobriu que arranjos de grupos sociais podem ser tão ou mais benéficos à economia e ao meio ambiente quanto a gestão governamental ou privada. Assim, também refutou a chamada “tragédia dos comuns”, prática corriqueira onde interesses individuais se sobrepõem aos coletivos, levando quase sempre à dilapidação de bens públicos ou de recursos naturais escassos.
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No mundo todo, medidas têm sido tomadas para manter patrimônios coletivos. Uma delas é o estabelecimento de parques nacionais e outros tipos de Unidades de Conservação. Praticamente todos os países usam esse modelo, destinado a proteger paisagens, animais e plantas nativos e os serviços que nos oferecem, como regulação do clima, espaços para turismo e lazer e, recurso cada vez mais estratégico, as fontes de água.
Todavia, reservas ambientais isoladamente não darão conta da gigantesca tarefa de manter as bases ecológicas que garantirão alimentos, água e energia para uma população global crescente e, ainda, sob altos índices de desigualdade social. As medidas que levarão sustentabilidade ao desenvolvimento econômico precisam avançar solidamente sobre os territórios. No Distrito Federal (DF), que já perdeu sete em cada dez hectares de Cerrado nativo, algumas ações vêm sendo adotadas neste sentido.
PDOT (Plano Diretor de Ordenamento Territorial), Luos (Lei Complementar de Uso e Ocupação do Solo) e ZEE (Zoneamento Ecológico-Econômico) devem apontar quais parcelas do território são mais aptas para atividades econômicas, produtivas, ecológicas ou de moradia. Assim, da mesma maneira que se apartam os diferentes cômodos em uma casa, o uso da região pode se tornar mais ordenado e mais ajustado às limitações naturais de recursos.

Outra medida relevante em curso é a retomada dos esforços pela implantação da Reserva da Biosfera do Cerrado, estabelecida por lei distrital ainda em 1994. Distribuído em mais de 600 reservas em uma centena de países, tal modelo foi desenvolvido pelas Nações Unidas como uma ferramenta para que os setores público, acadêmico, privado e social se dediquem a gerar práticas e conhecimentos que mantenham a biodiversidade, o crescimento econômico e o bem-estar das pessoas.
Assim como em outras regiões do planeta, a Reserva da Biosfera do Cerrado no Distrito Federal tem em seu coração áreas protegidas. Na região, são Unidades de Conservação ricas em recursos hídricos, como o Parque Nacional de Brasília, a Estação Ecológica de Águas Emendadas e o Jardim Botânico de Brasília. Juntos, o Parque Nacional de Brasília e a vizinha Reserva Biológica da Contagem respondem por um terço da água que chega às torneiras do DF.
Por valores como esses que, especialmente ao redor dos núcleos da Reserva da Biosfera, desenvolvimento econômico, crescimento urbano e conservação da natureza devem ser harmonizados, evitando inclusive que essas áreas sejam isoladas entre si e dos ambientes que as rodeiam. Afinal, isso comprometeria seu papel de seguir beneficiando o conjunto da população, de manter nascentes, animais e plantas nativos, e de nos fortalecer frente às mudanças do clima.
Além disso, cada Reserva da Biosfera é um espaço concreto para geração, difusão e troca de conhecimentos sobre desenvolvimento temperado com sustentabilidade e também para a capacitação e a promoção de boas práticas produtivas. Isso torna a Reserva da Biosfera no DF uma potencial geradora de modelos para todo o Cerrado, a serem compartilhados por uma rede qualificada de instituições e autoridades públicas, privadas, acadêmicas e não governamentais.
Para tanto, é fundamental que a Reserva da Biosfera seja capaz de gerar e de articular grupos dedicados a cooperar de forma permanente e organizada, mas também de conectar a população às limitações e potencialidades da região onde vive. Desta maneira, será possível influenciar positivamente o uso do território no Distrito Federal, fomentar o respeito à legislação e construir comprometimento político, econômico e social em torno de um futuro comum, mais seguro e com sustentabilidade real.
*Jornalista; Especialista em Meio Ambiente, Economia e Sociedade;
Mestrando em Desenvolvimento Sustentável pelo Fórum Latino Americano de Ciências Ambientais.
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