
“Só o valor do Condomínio Quintas do Alvorada seria suficiente para construir dez hospitais para 60 mil habitantes, cada um. Está se roubando muito da população”, afirma a presidente da Agefis, Bruna Pinheiro.
Dois dos maiores problemas por que passa o Distrito Federal na atualidade não existiriam se aqui não houvesse historicamente a cultura e a prática da ocupação selvagem e criminosa de terras públicas.
A crise hídrica tem relação direta com o descontrole da grilagem selvagem do território e o roubo (isso mesmo: roubo!) de patrimônio da sociedade em forma de terras públicas, que representa um prejuízo de bilhões de reais ao Estado.
Segundo a própria xerife das terras, Bruna Pinheiro, presidente da Agefis, apenas o valor potencial do condomínio Privê Quintas do Alvorada (1.792 lotes) seria capaz de construir dez hospitais.
“Aquele parcelamento tem um valor de R$ 300 milhões. A construção de um hospital para uma comunidade de 60 mil pessoas custa cerca de R$ 15 milhões. Que você gaste outros R$ 15 milhões para equipar e contratar profissionais. Só o Quintas do Alvorada seria suficiente para dez hospitais desse porte. Está se roubando muito da população”, explica ela.
Vicente Pires: tragédia poderia ser muito maior
A recente queda de um prédio em construção em Vicente Pires é a demonstração cabal da falência da capacidade do Poder Público de coibir o malfeito. Segundo a Agefis, quem grilou originalmente a Colônia Agrícola Vicente Pires são os mesmos que hoje fazem a “grilagem vertical”.
Morreu uma pessoa – o técnico em edificações Agmar Silva –, mas o dano poderia ser muito maior. Informações apontam que o dono do imóvel já tinha sua locação apalavrada com uma tradicional universidade privada. Quantos universitários poderiam ter morrido, se a queda acontecesse após a ocupação? Como uma escola se instala em prédios erguidos ilegalmente?
A Agefis informa que a profissional dita responsável pela obra tem mais de 2 mil projetos em seu nome. Isto leva à suposição de uma prática de venda de assinatura de Responsável Técnico.
Então, para quê servem o CREA, o CAU e o CRECI, se não exercem sua função fiscalizadora? Afinal, são autarquias federais que têm a missão legal de “verificar, orientar e fiscalizar o exercício profissional para defender a sociedade das práticas ilegais”.
Mas viraram cartórios. Limitam-se a receber taxas de registros. Quantos engenheiros, arquitetos, corretores de imóveis tiveram os registros profissionais revogados por executar obras sobre terras ilegalmente obtidas ou de comercializarem os imóveis ali erguidos?
Que Justiça é essa, que com liminares e outros artifícios jurídicos protege a grilagem, dando tempo para que condomínios se consolidem para que a lei do jeitinho, oficialmente denominada regularização (do que é irregular), possa entrar em ação?

Estado ineficiente
Vicente Pires é um ícone da falta de ação, quiçá conivência, das estruturas que o contribuinte custeia. Erguida na beira da EPTG, em frente à casa oficial do governador, a cidade é um monumento à ineficiência do Estado. Por que será que nenhum governador teve a iniciativa de coibir essa grilagem de terra?
Como uma região rural, de propriedade dos governos federal e distrital se transforma em poucos anos numa cidade de 60 mil habitantes e ninguém é preso, obrigado a ressarcir os cofres públicos, indenizar a sociedade. Onde está a fiscalização a cartórios de registros de imóveis que emitiram documentos e escrituras para dar ar de legalidade à ação de grileiros. Quantos donos de cartórios foram punidos ao longo dessas décadas?
Onde está o GDF que desde a década de 1980 faz vistas grossas e que deixou áreas enormes se transformarem em aglomerados residenciais, sem planejamento urbano, sem prever vias, escolas, unidades de saúde para atender a população?
Onde estão as estruturas policiais? Por que a ação fiscalizadora do Estado é pulverizada e não integrada com plenos poderes para todos os fiscais, sejam do Ibram, da Adasa, da Polícia ou da Agefis? Um fracionamento corporativo que impede a eficiência da ação do Estado.

Em termos de infraestrutura, o grileiro fatura e joga no colo do contribuinte o ônus de custear todos os serviços. “Sol Nascente, na Ceilândia, é um exemplo: energia, redes de água pluvial, ônibus, saúde, educação… Em poucos anos uma cidade de 92 mil habitantes nasceu e coube ao Estado providenciar tudo. Fosse um parcelamento legal de terras, grande parte dessas despesas seria de quem parcelou”. Na leitura de Bruna Pinheiro, essa é uma prática que tem consolidado uma inversão de valores. “O certo vira errado e o errado vira certo. Crianças e jovens estão crescendo com esses valores”.
O meio ambiente e o planejamento urbano e social de Brasília são as grandes vítimas. E a população é que é penalizada. Mas é um prejuízo socialmente desigual. Enquanto sofrem mais os moradores das cidades – muitos desprovidos de caixa d’água -, vários dos condomínios irregulares abrem poços artesianos, retiram ilegalmente água do subsolo e passam em brancas nuvens o problema da falta d’água.
Paciência no limite
A população, contudo, está se cansando de tanta malandragem, de um lado, e omissão por parte de alguns atores públicos, de outro. Pesquisa da Codeplan, de abril deste ano, indica que 27% dos entrevistados atribuem os problemas hídricos do DF à ocupação desordenada do território gerada pela grilagem.
A lotação dos hospitais é vista como o segundo maior problema (25%) decorrente desse caos. E clamam por ações mais enérgicas do Estado. Quase a metade, 48%, entende que é preciso reprimir e punir os atores das grilagens, 26% pedem a prisão dos grileiros e 22% cobram ênfase no combate às invasões.
A maior virtude de Brasília é hoje a sua maior mazela: as áreas públicas. Como são “públicas”, todos se acham donos. Daí a ilegalidade tem se tornado um pulo só!
Lembro-me quando não havia nenhum lote ocupado onde hoje há aquele imenso comércio em frente à ESAF, no atual bairro Jatdim Botânico, um amigo me falou: estão vendendo uns lotes muito baratos em frente da Esaf, vamos compra? Eu ponderei, ali não é área de lotes regularizados, se comprar, em pouco tempo serão reatomados, não vou entrar nessa!
Não comprei. O amigo comprou. Em pouco tempo vendeu com enorme lucro.
Eu, feliz com minhas convicções, hoje me lembro: Assim é Brasília e o mundo. Me lembra muito a velha “lei de Gérson”!!!! Eu me recuso a obedecer esta lei!
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Os parcelamentos irregulares mataram muitas nascentes e enriqueceram muita gente. Com relação à regularização, primeiro, ninguém poderia comprar mais de um imóvel. Agora, pode. Depois, não poderia ter outro imóvel. Agora pode. Depois, iriam cobrar o valor real do terreno. Agora, paga-se um quarto do valor. E, por fim, não se sabe a título de que e quais os critérios para contemplação para o uso da área, surgem inúmeros quiosques de mau gosto ou, no mínimo, de gosto duvidoso, por todos os lados, a contragosto dos moradores das áreas. E começa a favelização das áreas, em desrespeito aos moradores. Aí, fica aquela sensação de que a gente é otário por não estar participando dessas farras todas. E vivo está o pensamento do Rui Barbosa: de tanto ver triunfarem as nulidades… o homem de bem chega a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto. Obs: não estou falando de quem adquiriu somente a casa própria para morar.
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Não há dúvida que o crescimento populacional, com ampliação e criação de novas cidades, vem destruindo nascentes ao mesmo tempo que aumenta o consumo de água. Na visão de quem mora na Brasília legal, a do Plano Piloto, dos lagos, do Parkway, do Sudoeste, o melhor seria que essas novas cidades não existissem. Aonde iria a população de Ceilândia, Sol Nascente, Samambaia e tantas outras?
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Gilson creio que o que falta e faltou foi planejamento urbano e ação do Estado. Sem isso, as pessoas se viram e vão morar onde se mostra possível, independentemente dos impactos ambientais e da falta de estruturas públicas como Saúde e Educação.
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