A ampliação da EPIA Sul, para introdução do BRT, em 2014, já se mostra insuficiente para o fluxo de carros. BRT não conseguiu atrair os motoristas que trafegam em veículos particulares. Foto de Chico Sant’Anna.

Em 2017, o brasiliense gastou, em média, 20% a mais do seu tempo retido em engarrafamentos. O trânsito de Brasília reteve os motoristas por 97 horas além do necessário. É como se o brasiliense tivesse ficado quatro dias preso dentro de seu veículo.

 

Por Chico Sant’Anna

 

Concebida com grandes ruas e avenidas, Brasília – quem diria? -, entupiu suas artérias aos 58 anos de idade e hoje é a décima cidade sul-americana mais engarrafada, segundo a empresa de gestão de GPS TomTom, que monitora o fluxo de trânsito no mundo inteiro. Por meio da pesquisa TomTom Traffic Index, ela mede engarrafamentos em 390 cidades de 48 países. Ela mensura o que  chama de “tempo extra de viagem”. As campeãs de engarrafamento na América do Sul são, pela ordem, Rio de Janeiro, Santiago, no Chile; e Buenos Aires, na Argentina.

A pesquisa afere apenas o tempo em transporte individual. Outros modais não são contabilizados. No caso de Brasília, não são levados em conta os engarrafamentos do Entorno. Isto pode tornar a espera ainda maior. Cinco outras cidades brasileiras estão na lista mais crítica: Salvador, Recife, Fortaleza, São Paulo e Belo Horizonte. Porto Alegre, Brasília e Curitiba – pela ordem -, abrem a relação de cidades que estão com o sinal amarelo aceso.

Se no passado diziam que a Capital Federal havia sido projetada para seres dotados de cabeça, tronco e rodas, em 2017, com uma frota de 1.716.406 veículos registrados no DF, as rodas travaram. O brasiliense gastou, em média, 20% a mais do seu tempo retido em engarrafamentos. A perda de tempo chegou a 35% nos horários de pico matutinos e a 50%, nos vespertinos. Em 2017, o trânsito reteve os motoristas por 97 horas além do necessário. É como se o motorista tivesse ficado quatro preso dentro de seu veículo.

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E a cada ano a demora aumenta. Em 2016, o tempo preso no trânsito nos horários de pico era 10% e 5% menor pela manhã e tarde, respectivamente. “A cidade projetada por Lúcio Costa pode se transformar num previsível inferno viário”, vaticina o urbanista e professor na UnB, Frederico Flósculo.

A Estrada Parque Núcleo Bandeirante é a campeã de retardamento. A EPTG; a EPDB (no trecho que vai do Balão do Aeroporto à Floricultura do Núcleo Bandeirante); a EPIA Norte, próximo à Água Mineral; a EPIA Sul, próximo ao Catetinho; a EPIG, e diversos pontos da EPCT (DF-001) também são gargalos críticos. Há diferença também dentre os dias da semana. Pela manhã, os engarrafamentos são mais intensos as segundas e terças-feiras. À tarde, as quintas e sextas-feiras são os dias mais intricados.

Publicada originalmente na coluna BRASÍLIA, POR CHICO SANT’ANNA, no semanário Brasília Capital.

Pouco investimento

Essa realidade do trânsito no DF decorre da falta de investimentos em transporte público. Embora tenha sido incluída no PAC do Crescimento em 2007, no PAC da Copa em 2009 e no PAC da Mobilidade em 2014, Brasília não soube usar os recursos e perdeu a oportunidade de expandir a linha do metrô e de implantar o Veiculo Leve sobre Trilhos (VLT). Arruda, Rosso, Agnelo e Rollemberg perderam o bonde da oportunidade e, de legado, deixaram engarrafamentos.

Rodoviarismo

Nessa década, a frota de carros particulares triplicou no DF. Agora, o GDF conseguiu da União a quarta parte dos recursos ofertados no passado. Dos quase R$ 1,2 bilhão, receberá R$ 276 milhões, o que só dá para fazer 3,6 km de linha do metrô, mais duas estações em Samambaia e modernização da existente linha 1. Se não houver novas frustrações, em 2021 essas duas novas estações estarão operando.

Especialista em mobilidade urbana, Paulo Cesar Marques, da Universidade de Brasília, analisa que o trânsito no DF se deteriora paulatinamente em consequência da opção pelas soluções rodoviaristas. Desde o governo Arruda, o GDF opta pelos ônibus modelo BRT. Muito dinheiro foi investido na adaptação da EPTG e da EPIA e, agora, na Saída Norte. Assim mesmo, os BRTs operam precariamente, ou nem operam, como é o caso de Taguatinga. Rollemberg preferiu dar início ao seu próprio BRT, a concluir os dos seus antecessores. Investe milhões na saída Norte, cujo sistema de BRT certamente não ficará concluído no atual governo. Analistas veem no sistema do Trevo de Triagem Norte- TTN mais um estimulo a tirar os carros das garagens.

Pela manhã, os engarrafamentos são mais intensos as segundas e terças-feiras. À tarde, as quintas e sextas-feiras são os dias mais intricados. Foto de Chico Sant’Anna

Desses três corredores, o BRT Sul (Santa Maria – Gama-Plano Piloto) é o único operante, embora ainda possua estações fechadas e falte a perna da rota que liga a Floricultura do Núcleo Bandeirante à estação Sul do metrô, passando pela Candangolância. Quando projetado, o GDF prometia que ele transportaria, nos horários de pico, 20 mil passageiros/hora. Está longe disso. Hoje, o BRT do Gama, em suas três diferentes linhas, faz diariamente 199 viagens e transporta 11,9 mil passageiros/dia. De Santa Maria, partem diariamente 256 viagens, em três diferentes linhas. São 27,7 mil passageiros/dia. Embora grandioso, o volume de passageiros não é o projetado e a estrutura de transporte não conseguiu atrair para os ônibus pessoas que usam veículos particulares. Resultado, diariamente, às 4h30 da manhã e às 16h, a EPIA, que se transforma em BR-40, começa a engarrafar. Em alguns dias, a velocidade média cai para 5 km por hora. De nada adiantou a construção de uma nova faixa de trânsito e da via exclusiva dos BRTs.

Pouco se investiu em metrô, VLT e em trem regional. “É uma política que agrava o problema da saturação do sistema viário em vez de resolvê-lo. A saída é a priorização do transporte coletivo e a adição de medidas restritivas ao uso do automóvel e, em longo prazo, políticas que reduzam a necessidade de viagens” – diz Paulo César. “Sempre centralizaram os recursos em serviços de ônibus e entregaram a um grupo restrito de empresários, que, por sua vez, sempre bloquearam a ideia de transporte público de massa que sirva ao conjunto da população e integre estruturalmente todos os bairros da cidade. Até os dias de hoje, o metrô de Brasília reflete esse desequilíbrio. No Plano Piloto, o metrô passa na terra de ninguém (Eixão), em vez de passar em uma via realmente congestionada, onde seria muito mais necessário e útil, como é a W.3” –  salienta Flósculo.

Flósculo também entende que o planejamento urbanístico de Brasília não ajuda. “Poucas vias interligam dezenas de bairros de forma totalmente desequilibrada, pois o centro do sistema econômico e social é o grande e elitista bairro do Plano Piloto. Outro fator que se agrava, desde os anos 90, é o crescimento de áreas urbanas ocupadas irregularmente por grilagem associada ao crescimento vertical de bairros como Águas Claras, que está contaminando Taguatinga Ceilândia Vicente Pires e o Guará. Tudo sem o menor cálculo do impacto viário dessa imensa frente de construção civil que impõe com a maior facilidade as suas prioridades a esses governantes de merda”.

Colocar Brasília nos trilhos devem ser mais do que uma palavra de ordem para recuperar à cidade. Deve ser uma opção doravante dos investimentos em mobilidade urbana. Caso contrário, nesse campeonato sul-americano de engarrafamentos, Brasília logo, logo estará no G-4 da imobilidade urbana.