Marcola: o risco mora do lado de fora, apontam os especialistas em Segurança Pública. 

 

Por Chico Sant’Anna

 

O GDF está certo ao se opor à presença no Distrito Federal do líder do PCC, Marcos Willians Camacho, o Marcola, líder do PCC. Com ele, já estão em Brasília dez integrantes do Primeiro Comando da Capital, que tocou o terror em São Paulo.

O patrocinador dessa infeliz ideia de trazê-lo para a Penitenciária Federal de Brasília é o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Cabeça dura foi categórico ao Correio Braziliense ao dizer que “não vai voltar atrás”.

Com a presença de tantos líderes do PCC, a cidade conta com o maior número de “chefões” reclusos da principal facção criminosa do país. Não dá nem pra dizer que o PCC criou uma filial no DF. O mais certo seria dizer que ele trouxe a matriz para cá e com apoio do governo Federal.

Dentre outros, estão por aqui, além de Marcola, Claudio Barbará da Silva, o Barbará; Patric Velinton Salomão, o Forjado; e Pedro Luiz da Silva Moraes, o Chacal. Todos considerados “violentos” pelo Ministério Público de São Paulo.

Cidade Diferenciada

A vinda desses criminosos indesejáveis para a Capital Federal é vista como um erro básico de segurança pública.

Ela coloca em risco não só a segurança da população local, mas em especial o status de capital da República da cidade.

Por aqui, além de visitas de chefes de Estados, temos como residentes diplomatas do mundo inteiro, representantes de organizações internacionais e mesmo autoridades federais.

Quase todas vivenciam a cidade como se fossem cidadãos comuns, sem grandes aparatos de segurança. Isso sem falar nas reuniões internacionais de cúpula que movimentam a economia local, como foram a Cimeira dos Brics, a da fundação da Unila e o Encontro América do Sul Países-Árabes.

Publicada originalmente na coluna BRASÍLIA, POR CHICO SANT’ANNA, no semanário Brasília Capital.

Até mesmo o futuro econômico do Mané Garrincha e do Autódromo de Brasília ficam fragilizados se o PCC resolver agir por aqui.

Quando o PCC ou o Comando Vermelho se derem conta dessa realidade, com certeza irão mirar pessoas do alto escalão.

O que fará o ministro Moro quando um diplomata norte-americano ou europeu for sequestrado? E quando um deputado ou senador for alvo do PCC? Vai chamar a CIA ou o FBI?

Uma vez implantado o crime organizado numa cidade do porte e do perfil de Brasília, com mais de três milhões de habitantes, cortar suas raízes se torna quase impossível.

Por isso mesmo, capitais como Washington, Paris ou Madri não possuem penitenciárias de alta segurança.

Brasília não precisa de iniciativas como essa do ministro Moro. Melhor seria transformar a Penitenciária Federal em uma escola, mas não a do crime.

Penitenciária Federal de Segurança máxima de Brasília.

Passeio turístico

Descrentes desses riscos, Moro e o Ministério Público patrocinaram à imprensa um passeio turístico pelas dependências da Penitenciária Federal.

Tentaram convencer que a presença de Marcola em Brasília não gera riscos e que a unidade prisional, localizada a menos de dez quilômetros da Praça dos Três Poderes, é Padrão Fifa.

Para os moradores de Brasília, a qualidade da segurança pública já vem decaindo. Isso se deve em parte à crise econômica, que gerou mais de 300 mil desempregados.

De outro lado, o anúncio, pelo governo Temer e agora por Bolsonaro, de uma brutal reforma da Previdência, aterrorizou milhares de policiais que pediram precocemente aposentadoria. Preservavam seus direitos previdenciários.

Hoje, na Polícia Militar há um déficit de 7.300 policiais e na Civil, cerca de três mil vagas estão sem ser preenchidas.

Assim, a chegada ao DF desses líderes do crime organizado se dá num momento de fragilização da segurança pública local. Falta gente e falta estrutura. Até viaturas estão escassas.

Deixou raízes: PLD

Marcola já teve uma temporada em Brasília. Foi curta, no início dos anos 2.000, mas nem por isso deixou de influenciar o mundo do crime candango.

Na época, o governo paulista pediu que o GDF abrigasse o líder da facção na Papuda. Erroneamente, ele foi recolhido às instalações regulares da penitenciária em local comum aos demais detentos.

“Com isso, o estrago se iniciou, nascia uma escola do crime. Os bandidos daqui criaram coragem para formar uma espécie de partido do crime no DF, assim como São Paulo e Rio de Janeiro. Enfim, foi criada uma facção local chamada Paz, Liberdade e Direitos – PLD. Isso tudo em menos de um ano. Mas conseguimos desmantelar e conter o avanço de uma nova cultura criminosa” – comenta um delegado da Polícia Civil.
Risco mora ao lado

A PCDF possui um arquivo com milhares de nomes de membros do PCC em todo o Brasil e todos identificados com sua posição hierárquica. Embora ela tenha se adiantado ao risco e criado a Cecor – Coordenação Especial de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado, o risco existe, é grande e não está na área interna aos muros da Papuda Federal. O risco está exatamente do lado de fora.

É notório que juntamente com a transferência de um detento desse porte – o que não dizer de dez -, se transferirão todo o seu entourage. É a assessoria jurídica, é a família, esquema de segurança para proteger a família – mantido pelas próprias gangues -, e, por fim, o sistema financeiro que custeia toda essa estrutura e que se baseia, obviamente, em novos crimes que possam garantir o sustento e o conforto desse entourage.

O fato é concreto, a Inteligência da PCDF já percebeu que bandidos ligados a Marcola negociam casas, terrenos e até postos de gasolina para se estabelecerem no DF.

Exportados da Maré

A presença dessas facções vem crescendo no Planalto Central desde a ocupação do Complexo da Maré — maior conjunto de favelas da cidade do Rio de Janeiro — pelas Forças Armadas, em abril de 2014. O objetivo era dar mais segurança durante a Copa do Mundo, mas provocou um êxodo de integrantes do crime organizado para outras localidades do País, inclusive para cá.

Em novembro de 2018, divulgamos aqui o informe repassado pelo então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, ao então recém-eleito governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Alertava o ministro que as duas maiores organizações criminosas do Brasil, PCC e CV, contariam no interior de Goiás com, pelo menos, 1.500 integrantes e uma boa estrutura financeira.

Policiais do Distrito Federal reconhecem que eles estão logo ali, nos municípios goianos do Entorno. Desde o início de 2017, o ministério da Justiça mantém tropas da Força Nacional em Luziânia. Em Goiás, o PCC contaria com mil integrantes. Já o Comando Vermelho teria 500 pessoas. Em abril de 2018, a PCDF executou 18 mandatos de prisão no Entorno, em especial nas cidades de Novo Gama e Águas Lindas, para desbaratar a criação de uma célula que articularia as ações criminosas do PCC em Brasília. Prisões já foram feitas também em Luziânia, Valparaíso e Céu Azul.

Coincidência ou consequência, o certo é que Brasília vivencia hoje uma sofisticação dos crimes. O uso de dinamites e explosivos passou a ser mais frequente. Marginais se valem de armas de grande porte, como fuzis – privativos das Forças Armadas. E, mais recentemente, sem qualquer cerimônia, assaltaram os caixas eletrônicos instalados no Hotel Royal Tulip Brasília, a menos de 800 metros do Palácio da Alvorada.

“É grande a possibilidade de haver envolvimento dessa facção, mas pode ser um ato isolado de quadrilhas especializadas nesse tipo de roubo.” – diz o delegado. Parece até um recado ao governo Federal.

A marginalidade local ainda não tem a sofisticação nem o grau de violência do crime organizado, por isso a importância de não incentivar a vinda de facções como o PCC e o CV.

Por sinal, Penitenciárias Federais de Alta segurança são instaladas no mundo todo em pequenas localidades. Cidades de baixa população, onde o controle e a segurança se tornam mais baratas e eficazes.