Mulher de codinome feiticeira fazia as intermediações das propinas com autoridades e fiscais do governo. Primeiro pagamento, segundo investigações dos Estados Unidos, teria ocorrido em 2009, na gestão de José Roberto Arruda
Por Chico Sant’Anna
O Walmart Brasil fez um acordo com organismos governamentais dos Estados Unidos, pelo qual pagará US$ 282 milhões, cerca R$ 1,080 bilhão, pela cotação de 25 de junho; para trancar um processo que apura práticas de corrupção fora daquele país. As atividades investigadas focaram México, China e Índia. Esse acordo trata diretamente, dentre outras unidades, das instalações do supermercado em Brasília. Do montante total, caberá a WMT Brasília o pagamento de uma parcela de U$ 724.898,00 (equivalentes a R$ 2,776 milhões).
Em 2012, o Departamento de Justiça (equivalente ao ministério da Justiça no Brasil), a receita federal estadunidense e o Federal Bureau of Investigation – FBI abriram investigações contra as iniciativas do grupo varejista no exterior. A suspeita era de que, dentre outras irregularidades mundo a fora, o grupo teria pago 500 mil dólares em propinas para se instalar na Capital Federal. O período foco da investigação, 2009 a 2012, corresponde ao final do governo de José Roberto Arruda, ao governo de transição de Rogério Rosso e ao governo de Agnelo Queiroz. As informações tornadas públicas à época não detalharam se as irregularidades ocorreram apenas na gestão de Arruda ou se prolongaram nos demais governos. O Walmart sempre negou, mas agora preferiu fazer um acordo, semelhante aos acordos de leniência firmado por empreiteiras no âmbito da Lava-Jato.
O Walmart cresceu rápido no Brasil. São 471 lojas físicas, com nove bandeiras (denominações) diferentes, com lojas em 203 municípios, nas quatro Regiões do País. Em 2018, era considerado o terceiro maior grupo de varejo no Brasil, com 258 unidades e 70 mil empregados. A empresa não informou seu faturamento daquele ano, mas em 2016 foram R$ 29,4 bilhões.
Feiticeira
Apesar da sua importância econômica, a imprensa brasileira nunca deu muita evidência a esse caso, embora tenha sido noticiado pelo Wall Street Journal, o jornal dos homens de negócio dos Estados Unidos, e transmitido para o mundo inteiro pela agência francesa de notícias France Press. À época, os dois noticiários informavam que investigadores federais concentravam suas investigações em um montante de US$ 500 mil, cerca de R$ 1,85 milhões, na cotação de então; pagos a uma mulher, supostamente contratada pela Walmart, para servir de intermediária junto a autoridades governamentais no Distrito Federal.

Os americanos não informaram o nome, mas apontaram que o apelido dela dentro do Walmart Brasil era “sorceress”, feiticeira, em português. Internamente, a denominação designava a forma milagrosa e ágil pela qual as permissões de construção eram concedidas. Também está envolvida na história uma empreiteira, cujo nome não foi revelado, responsável por construir no Brasil oito lojas da rede a um custo de US$ 52 milhões. A feiticeira teria sido contratada pela construtora por recomendação da Walmart Brasil. E, em 2009, governo Arruda, por meio dela, “pagamentos impróprios” teriam sido feitos a “inspetores governamentais” e autoridades candangas para acelerar a regularização das lojas.
Essa mulher, não foi identificada nas reportagens, mas já teria ocupado cargo no GDF e teria atuado entre 2009 e 2012, para que o Walmart obtivesse licenças para construir e operar em dois pontos da Capital Federal. As reportagens norte-americana não clarificaram se tais licenças eram alvarás de construção, alvarás de funcionamento, ou ambos.
Multa e confissão
No processo de investigação, a subsidiária no Brasil se confessou culpada por ter burlado leis federais norte-americanas, segundo o New York Times. Ela teria violado as leis que regulam os procedimentos anticorrupção. A WMT Brasília confessou também não ter mantido registros contábeis na forma exigida pela lei. Assim, o grupo acordou pagar ao Departamento de Justiça, pelas implicações criminais, cerca de US$ 138 milhões, e à Securities and Exchange Comission (SEC), órgão regulador do mercado financeiro, outros US$ 144 milhões. A multa negociada pela empresa é muito menor do que os valores que chegaram a ser debatidos para a formulação do acordo em 2016, ainda no governo Barack Obama. Na época, segundo registros do jornal The New York Times, os procuradores exigiam uma multa de US$ 600 milhões. Os valores também ficaram bem abaixo dos US$ 1,78 bilhão cobrados da Petrobrás em investigação de corrupção nos EUA.
Controladoria-Geral do DF
Procurada pela coluna, o Controlador-Geral do DF do Governo do Distrito Federal, Aldemário Araújo, disse que no passado a Controladoria realizou várias ações de controle abrangendo o caso e que seria necessário verificar a conclusão de cada relatório para poder avaliar desdobramentos do caso. Informou ainda, que por parte das autoridades locais não houve qualquer acordo de leniência com o grupo econômico.
Atacarejo
Depois de passar por um processo de baixo desempenho, em 2018 a Walmart vendeu 80% do seu controle acionário ao Fundo Advent Global, que, segundo a agência de notícias Reuters, pretende transformar as lojas de baixo desempenho da rede em estabelecimentos de atacarejo. Não está claro qual será o destino das lojas de Brasília.