O itinerário é um pouco maior do que o previsto em 2009 e contará com um maior número de estações. Projeto foi elaborado pelo consórcio formado pela Viação Piracicabana – empresa de ônibus em nome de quatro filhos de Nenê Constantino, donos da Gol, e irmãos  das fundadoras da Viação Pioneira – associada à empreiteira Serveng Civilsan – citada na Lava-Jato – e mais outras três empresas. O orçamento prevê gastos, a valores de junho de 2019, da ordem de R$ 2,4 bilhões.

 

Por Chico Sant’Anna

Esquentando os trilhos.

Está saindo do papel. Se o Corona vírus não atrapalhar, dia 27 a secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) apresenta em audiência pública o projeto de implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), no trecho que vai do Aeroporto ao final da Asa Norte, passando pela Avenida W.3 Sul e Norte.

Esse é um projeto que vem sendo acalentado pelo brasiliense desde 2009, é tido como o instrumento fundamental de revitalização da W.3 e solução parcial de um dos graves problemas de mobilidade urbana por que passa Brasília.

Desde a gestão de José Roberto Arruda, o governo do Distrito Federal perdeu inúmeras oportunidades de contar com recursos federais para essa obra. Para a execução do trecho entre o Aeroporto e a Estação Sul do Metrô, bem como para a ampliação em 7 quilômetros da linha do metrô, fazendo-o chegar ao Setor O, da Ceilândia, a Expansão de Samambaia e ao início da Asa Norte, cerca de R$ 1,2 bilhão foram aportados pela União. As verbas chegaram a ser disponibilizadas no Programa de Aceleramento do Crescimento – PAC, no governo Lula, depois no PAC da Mobilidade e por fim, no Legado da Copa, governo Dilma Rousseff, mas nem as gestões de Agnelo Queiroz (PT), Rogério Rosso (na época no PMDB) e Rodrigo Rollemberg (PSB) produziram os projetos técnicos necessários para a liberação dos repasses. Com a chegada do governo Temer e agora o de Bolsonaro, os recursos para esses fins deixaram de existir.

Modelo de negócio

Sem dinheiro, Ibaneis Rocha (MDB) opta, agora, pela privatização via Parceria Público-Privada (PPP) para implementar o sistema. O itinerário é um pouco maior do que o previsto em 2009 e conta com a adoção de um maior número de estações. Cada composição do VLT mediria 45 metros, distribuídos  em sete vagões e seis articulações. A capacidade total é de até 560 passageiros. O equivalente a quatro ônibus articulado, do tipo usado no BRT-Sul.

Projeto

Em 2019, um edital foi lançado para que empresas  apresentassem um projeto técnico e o modelo de negócio, pelo qual a iniciativa privada arcaria pela implantação do sistema e seria sua gestora.

Inicialmente, nove grupos empresariais pediram ao GDF para participar da elaboração de projetos do VLT, cinco foram habilitados, mas, findo o prazo, só o consórcio formado pela Viação Piracicabana – empresa de ônibus em nome de quatro filhos Nenê Constantino e co-fundadores da Gol, e irmãos de duas filhas de Constantino, que figuram como fundadoras da Viação Pioneira -, associada à empreiteira Serveng Civilsan – citada na Lava-Jato – e mais três empresas, apresentaram proposta. E é essa proposta que vai a audiência pública.

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Tecnicamente, ainda não está definido quem vai implantar e operar o sistema. Isso será alvo de uma segunda licitação, mas é grande a vantagem de quem propôs o formato e apresentou o estudo técnico. A licitação terá como valor máximo a importância mensal de R$ 19,9 milhões. Quem apresentar o maior desconto sobre esse valor leva o projeto com a responsabilidade de implantar e gerenciar o sistema. A fiscalização ficaria a cargo da Companhia do Metrô. Esses valores são calculados com base na tarifa existente em 2019, de R$ 3,50, mas talvez venha a se alterar, devido a majoração do transporte coletivo para R$ 3,80. Os valores a serem desembolsados pelo GDF poderão variar também em função da rentabilidade prevista para os instrumentos de receita não tarifária (locação de quiosques, propaganda nos bondes e nas estações, etc.) além do uso de imóveis já existentes ao longo da linha e dos que dela surgirão, em especial no Setor Policia Sul e próximo ao Jardim Zoológico.

O projeto seria implantado em três etapas. A primeira interligando a Asa Sul e Norte, a segunda o Aeroporto à Estação Sul do Metrô e a terceira ligando a W.3 Norte a Epia.

Etapas

O projeto elaborado pelo consórcio tem em sua primeira fase a ligação da estação garagem, nas imediações da Hípica, ao Terminal da Asa Norte, a ser edificado nas imediações da antiga sede da Câmara Legislativa do DF. A segunda fase ligará o aeroporto ao Terminal da Asa Sul, onde será possível a integração com o metrô e linhas de ônibus. Nesse trajeto, é proposta uma estação de integração com o BRT Sul, nas imediações do Balão do Aeroporto e outra na porta do Jardim Zoológico. A parada no Jardim Zoológico tende a fortalecer o número de passageiros nos feriados e fins de semana, diminuindo a ociosidade. Uma terceira fase, na Asa Norte, compreende a ligação das vias W.3 e Epia Norte.

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O GDF almeja licitar ainda esse ano, para que em 2022, época de eleições, a etapa um já esteja em operação, transportando cerca de 103 mil passageiros/dia. A partir de 2024, entraria em operação a etapa 2, agregando mais 20 mil passageiros/dia. É previsto um crescimento permanente de demanda, chegando, em 2049, nas duas etapas juntas, a 208 mil passageiros/dia – o dobro do que o metrô transporte hoje.

Custos

O orçamento prevê gastos, a valores de junho de 2019, da ordem de R$ 2,4 bilhões, sendo R$ 852 milhões para os gastos com as obras de instalação e R$ 664 milhões nos equipamentos rodantes, os bondes propriamente ditos. Todos os bondes serão dotados de sistema internos de câmera de segurança

Prevê-se transformar o canteiro central, hoje utilizado por estacionamento, em algumas quadras, em um grande calçadão, de 7 km de extensão de cada lado do Plano Piloto. Nele, além das estações das estações do VLT, seriam instalados quiosques para bancas de jornais, lanches, pequenas conveniências, bicicletários.

Ramblas do Cerrado

A palavra Rambla tem origem no árabe, significa leito do rio seco, mas o vínculo maior é com Las Ramblas, de Barcelona, na Catalunha. Trata-se de uma avenida larga e longa, com grande movimentação de pedestres, que liga a Praça da Catalunha ao Porto Velho, na Cidade Velha. Brasília agora poderá contar com a sua Ramblas. Prevê-se transformar o canteiro central, hoje utilizado por estacionamento, em algumas quadras, em um grande calçadão, de 7 km de extensão de cada lado do Plano Piloto. Nele, além das estações das estações do VLT, seriam instalados quiosques para bancas de jornais, lanches, pequenas conveniências, bicicletários. A receita da locação de alguns desses equipamentos se destinariam ao custeio do sistema do VLT. Embora queira atrair grande volume de pessoas para nela circular, não está prevista a instalação de banheiros públicos, nem mesmo nas Estações.

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Bicicletários deverão ser instalados nas estações e propõe-se a construção de novas ciclovias, fazendo a ligação transversal da Avenida W.3 às Superquadras até o Eixo L (o Eixinho de cima). Já em relação as quadras 700 e 900, onde há residências e muitas escolas, a Semob avaliou que não ficou claro a solução proposta, no que se refere a passeios públicos e ciclovias. É possível que algumas passagens subterrâneas a W.3 seja construídas.

A ideia é usar a terceira faixa da esquerda – em ambos os sentidos da W.3 – como leito dos bondes. Afirmam que não haveria corte de árvores. Foto de Tony Winston/Agência Brasília.

Árvores e fios

Uma velha polêmica sobre a implantação do VLT, se acatada essa proposta, deverá desaparecer. No passado, cogitou-se usar a lateral das quadras 700 para instalar as vias. A proximidade com as casas e a necessidade de se retirar as árvores ali plantadas incomodava muita gente, principalmente os ambientalistas. A ideia, agora, é usar a terceira faixa da esquerda – em ambos os sentidos – como leito dos bondes. Afirmam que não haveria corte de árvores. A avenida passaria a contar com apenas duas faixas em cada lado, mas os ônibus deixariam de por lá circular.

A retirada da circulação dos ônibus na W.3 deixa dúvidas junto aos técnicos da Semob quanto ao impacto financeiro na queda da receita do sistema de ônibus e quanto aos reflexos sobre o trânsito de veículos e nas moradias adjacentes. Foto de Gabriel Jabur/Agência Brasília

Essa proposta levantou duas dúvidas ainda a serem sanadas pelos técnicos da Semob: o impacto financeiro na queda da receita do sistema de ônibus, com a retirada das linhas da W.3, e quanto aos reflexos sobre o trânsito de veículos e nas moradias adjacentes. Ali, como é sabido, é um dos trechos mais rentáveis do sistema de ônibus, pois o pinga-pinga de passageiros é muito grande. Quem vier de fora do Plano de ônibus terá que fazer a baldeação na estação Sul ou Norte. Quanto ao trânsito, acreditamos que haverá pouca interferência, pois hoje com a faixa exclusiva dos ônibus, os carros só tem a disponível duas faixas de rolamento.

Uma nova polêmica, contudo, vai surgir, devendo inclusive contar com a oposição do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan. Os VLTs são veículos elétricos. O projeto prevê o uso de eletrificação aérea (catenária) e não subterrânea. Aos longo de todo esse trajeto, haveria uma rede elétrica aérea de quase 33 quilômetros. A eletrificação aérea é bem mais barata do que a enterrada, entretanto, o projetistas alegam que a medida se faz necessária face aos constantes alagamentos que ocorrem na Asa Norte. Sem sombra de dúvida, esse é um ponto bastante negativo na proposta.

Outra polêmica possível é o destino das atuais bancas de jornais e serviços existentes na W.3, algumas delas inclusive possuíam banheiros públicos. Com o projeto de implantação de quiosques por parte da operadora do VLT e dos projetos de revitalização da W.3, o GDF admite que algumas dessas bancas poderão deixar de existir ou serem remanejadas.

A instalação de quiosques no calçadão central – na Ramblas – poderá implicar na remoção de bancas de jornais e serviços hoje existentes na W.3. Projeto sugere usar a receita desses equipamentos para reduzir custos do VLT.

Revitalização

O projeto estima que a implantação do VLT dará novo impulso comercial a W.3, avaliando que o crescimento da abertura de novas lojas será da ordem de 30%, gerando nesses estabelecimentos 72.500 novos empregos. Cifra elevada, considerando que o desemprego no DF ultrapassa a casa das 300 mil pessoas. Para o GDF, isso deverá representar uma receita maior em impostos da ordem de R$ 58,5 milhões/ano. O consórcio ainda aponta como vantagens econômicas para o poder público a redução de gastos na recuperação das vias – principalmente na faixa dos ônibus – redução de despesas da rede de Saúde com um menor número de acidentes de trânsito. Não menciona a melhoria na qualidade do ar, o que também deve trazer benefícios à rede pública.

Publicada igualmente na coluna BRASÍLIA, POR CHICO SANT’ANNA, no semanário Brasília Capital.

O próximo passo, depois da audiência pública, é a submissão do projeto à avaliação do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Antes disso, entretanto, os estudos devem ser revistos para incorporar as sugestões recebidas na Audiência e Consultas Públicas. Estima-se que o envio ao TCDF ocorra entre 30 e 60 dias após o término da Consulta Pública, dependendo da quantidade de sugestões recebidas. Contados a partir do início das obras, serão necessários trinta meses para início da operação comercial.