Regras válidas para a área tombada do Plano Piloto poderão ser alteradas com o novo PDOT. Foto de Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Conforme esse blog já antecipou, em julho de 2019, proprietários de salas e até mesmo prédios inteiros nos Setores Comercial e Bancário Sul pressionam para poder transformar seus imóveis em residências. Como são antigos, necessitariam de muito investimento para se adequarem às tecnologias demandadas pelos novos negócios. Para receberem moradores, bastaria uma rápida maquiagem e, rapidamente, uma sala viraria quitinete, ou um piso de prédio, se tornaria numa residência familiar.

 

Por Chico Sant’Anna

Embora o isolamento social ainda seja recomendado pelo governador Ibaneis Rocha, a secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação deu início ao processo de elaboração, debate e aprovação do novo Plano de Ordenamento Territorial (PDOT). Esse novo regramento vai prevalecer de 2020 a 2030, regulando o ordenamento territorial a expansão e o desenvolvimento urbano em todas as 31 Regiões Administrativas, inclusive o Plano Piloto.

Para o professor de Urbanismo da Universidade de Brasília – UnB, Frederico Flósculo, embora o PDOT deva ter como premissas fundamentais a ocupação ordenada do solo, de forma “acirradamente sustentável”, não é de se estranhar que o governo venha propor mudanças no uso do solo, com a finalidade de “aumentar a densidade de população e de serviços na já congestionada – ou melhor, congestionadora – área central de Brasília.” “Sustentabilidade não é, nem de longe, a premissa de planejamento do Distrito Federal desde o primeiro PDOT, de 1993” – salienta.

Na história do Distrito Federal, tradicionalmente as leis que regulam o uso do solo tem sido alvo de grandes pressões imobiliárias e de interesses econômicos. Foi, por exemplo, em 1996, na gestão de Cristovam Buarque à frente do GDF, que a Câmara Legislativa deu um presentão ao então deputado distrital Luiz Estevão de Oliveira. Uma emenda de autoria do deputado Benício Tavares transformou de rural em urbana terras da Fazenda Santa Prisca, de propriedade de Estevão. Cristovam não vetou a alteração. A região vai permitir um aglomerado urbano para um milhão de habitantes – três vezes mais do que o Plano Piloto – e por isso recebeu a alcunha de OKlândia. Em 2012, no governo Agnelo, tentou-se reverter a autorização, mas a CLDF não concordou e ainda ampliou esse mecanismo para duas outras áreas então públicas em Sobradinho: Nova Petrópolis e Nova Colina. Embora as áreas pertencessem à União, a ação de grileiros e especuladores fez com que dois anos depois, em 2014, sem qualquer planejamento urbano, as duas localidades já possuíssem mais de mil residências erguidas e habitadas. Hoje, em dia, há casas sendo vendidas na Nova Colina por até R$ 1 milhão.

Flósculo lembra que desde o primeiro PDOT, em 1993, na gestão de Joaquim Roriz, ele tem sido implementado para fins inadequados. “Em 93, o PDOT de Roriz preparou o DF para regularizar grilagens e ampliar assentamentos”. O PDOT, terá que seguir as balizas da Lei de Uso e Ocupação do Solo – Luos e da Lei de Zoneamento Ecológico e Econômico – ZEE, recém aprovadas, mesmo assim, a realidade de comunidades poderão ser plenamente alteradas. Áreas rurais poderão virar urbanas, áreas onde só cabem casas poderão passar a abrigar comércio ou mesmo edifícios. O acadêmico considera que o ZEE aprovado em 2018 é frágil e que o futuro da sustentabilidade do DF está em risco. A nova regulamentação, pode inclusive introduzir novas normas – como a destinação de uso – de setores na área tombada do Plano Piloto.

São grandes as pressões por parte da especulação imobiliária para que sejam flexibilizadas as normas criadas no projeto de Lúcio Costa. Foto de Geraldo Magela/Agência Senado.

Área Tombada

Conforme essa coluna já antecipou, em julho de 2019, proprietários de salas e até mesmo prédios inteiros nos Setores Comercial e Bancário Sul pressionam para poder transformar seus imóveis em residências. Como são antigos, necessitariam de muito investimento para se adequarem às novas tecnologias demandadas pelos novos negócios. Para receberem moradores, bastaria uma rápida maquiagem e, rapidamente, uma sala viraria quitinete, ou um piso de prédio, se tornaria numa residência familiar. A conta pesada ficaria, mais uma vez, para o GDF. Como já salientou o diretor do Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU, Daniel Mangabeira, abrir essas áreas para moradia implica em uma nova arquitetura para aquele espaço. Calçadas, estacionamentos, jardins, vias, teriam que ser repensadas, como também a infraestrutura local, dentre elas, uma bem cara, o redimensionamento da rede de esgoto para uma população permanente, 24 horas por dia, sete dias por semana, e não apenas de trabalhadores que dão expediente das 8 às 18 horas. “A especulação imobiliária sempre ganha de goleada, Ainda esperamos o primeiro Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília – PPCUB. É ele o instrumento correto para a preservação do Patrimônio Cultural da Humanidade. Mas ainda não existe” – afirma Flósculo.

Leia também:  

Ex-secretário de Gestão Territorial e Habitação, Thiago de Andrade, reconhece a possibilidade do PDOT tratar do Plano Piloto, mas salienta que, até hoje, as versões anteriores do PDOT não trataram de usos para lotes específicos. “O PDOT-2009 trouxe coeficientes de aproveitamento (potenciais construtivos dos lotes), mas era uma realidade anterior à Luos, e deve-se também manter essa prerrogativa restrita ao PPCUB, como prevê a organização do sistema de planejamento urbano previsto na Lei Orgânica. Ou seja, poderia se inaugurar a discussão em tese, para ser efetivada no PPCUB” – afirma Thiago Andrade. Já para a ex-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, secção DF, Helena Zanella, só o PPCUB tem legitimidade para alterar qualquer regra vigente na área tombada de Brasília.

Internet

Um portal oficial do PDOT foi criado e vídeos ilustrativos estão sendo disseminados pela Seduh, por meio das redes sociais, alertando à população que a “participação é fundamental” e que oficinas, reuniões e audiências públicas serão realizadas. A dúvida que fica é como assegurar a participação comunitária, se eventos com mais de cem pessoas ainda continuam proibidos e aglomerações não são recomendadas.

Nos vídeos, a Seduh, em discurso bonito, diz que o PDOT se faz necessário para orientar a ocupação do solo e “construir cidades sustentáveis, funcionais e propícias ao desenvolvimento econômico”. E que a lei determina que a cada dez anos o PDOT seja atualizado e que esse prazo venceu em 2019, embora alterações tenham sido feitas em 2012.

Urbanistas

A arquiteta e urbanista, Tânia Battella, estranha que nesses vídeos a Seduh informe que desde 2019 já elabora uma nova versão do PDOT/DF sem que tenha ocorrido debates prévios ou consultas às comunidades. “Devemos cobrar a divulgação do que foi produzido até agora, conforme a legislação determina” – alerta ela.

José Carlos Coutinho, professor de arquitetura e urbanismo da UnB, considera um “absurdo” levar a frente nesse momento um projeto como esse. “Não é o momento. Não há nenhuma urgência que justifique que isso se faça neste momento, em que o livre debate está prejudicado. A menos que se deseje fazê-lo, exatamente, de portas fechadas…!”. Posição semelhante tem o urbanista pertencente ao coletivo Urbanistas por Brasília, Cristiano de Sousa: “o momento é inadequado para iniciativas tão importantes como alteração de uma norma geral de ocupação do território. Independente de tecnologias não presenciais para realização de Audiências Públicas ou algo do tipo, estamos vivendo um momento de extrema instabilidade, em vários sentidos, e a revisão do PDOT pode esperar. Isso para não comentar nada quanto à legalidade, pois não tenho informação se essa revisão obedece os prazos definidos em lei.”

“Parecem que se espelharam no conselho do ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, que recomendou aproveitar que todos estão focados na Pandemia para passar as leis de interesse do governo. Se se esperou até agora, que se espere um pouco mais” – disse Coutinho.

Thiago de Andrade discorda, e salienta que é necessária uma série de trabalhos internos de organização dos estudos, da formulação e da conceituação geral de um novo plano diretor, que não podem parar por causa da pandemia, uma vez que o governo deve se manter ativo. Mas acredita que um processo de construção e consulta coletivas não é viável nesse estágio de adaptação ao contexto da pandemia.

O professor de arquitetura e urbanismo, Geraldo Nogueira Batista, da Universidade de Brasília, aponta a discussão para um outro Norte. “A elaboração do PDOT deveria ser feita a partir de um conjunto/núcleo de respostas que fossem dadas a questões relativas à que cidade queremos viver. Questões relativas à concentração/densidade versus espraiamento das áreas urbanas, mobilidade (caminhabilidade, uso de bicicletas, transporte público etc.), relação saúde/urbanismo, dentre outras outras. Instrumentos como a LUOS e o zoneamento do uso dos solos teriam que necessariamente ter uma relação orgânica e indissociável com as propostas do PDOT. A minha esperança , sonho seria melhor dizer, é que uma dia o PDOT seja visto não como uma proposta de determinada administração governamental, mas como um conjunto de metas e diretrizes da sociedade ou pelo menos da maior parte da população que aqui vive.

Audiências virtuais

O temor de lideranças comunitárias do DF é que a Seduh siga o exemplo da Secretaria de Mobilidade Urbana e se limite a fazer audiências virtuais transmitidas pela internet. No caso do VLT, a participação comunitária foi mínima e a experiência está sob a mira do Ministério Público, por provocação do distrital Reginaldo Veras (PDT). Para ele, a live realizada pela Semob como audiência pública foi uma “farsa” e não permitiu a efetiva participação dos brasilienses.

Instada a se posicionar, a assessoria do governador Ibaneis Rocha, não deu retorno às consultas.