Mirar em alternativas à internet para o ensino à distância é fundamental. Até porque, no novo normal, as escolas não voltarão a ser lotadas como antes. É fundamental, pois, que olhemos para os Meios de Comunicação de Massa. Até porque, eles não estão assim tão na pré-história.
Por Chico Sant’Anna*
Publicado originalmente no Correio Braziliense, edição de 01-07-2020
Falar em Meios de Comunicação de Massa em pleno século XXI, tempos de web-plataformas, aplicativos, redes sociais, pode parecer um papo meio sobre pré-história das tecnologias da informação. Evoluímos muito nas últimas décadas, mas a evolução não foi socializada para todos e muitos ainda vivem um profundo apartheid tecnológico e, consequentemente, social.
O isolamento imposto pela Covid-19 escancarou essa dura realidade, nem sempre perceptível à sociedade brasileira e mesmo àqueles que têm por missão pensar a universalização do ensino e do acesso aos meios digitais. Parcela majoritária da população não dispõem de computadores, tabletes ou notebooks. Mesmo dentre aqueles que dispõem desses aparelhos muitos não contam com banda larga, o que permitiria o acesso às modernas ferramentas de ensino à distância. Nas camadas sociais mais desprotegidas, o que salva é o telefone celular, com o wi-fi emprestado do vizinho ou dos raros provedores públicos existentes. Mas está tudo fechado e não dá pra concluir um ano letivo pegando carona no wi-fi alheio ou mesmo consumindo créditos da telefonia pré-paga. E não são só os mais carentes que sofrem com a internet. Mesmo em áreas economicamente mais fartas, a reclusão social e o intenso uso da internet revelaram a má qualidade do serviço prestado pelas operadoras no Brasil.
Seria o momento então de se cobrar o que foi feito com os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), instituído por meio da Lei 9.998/2000. Passados dez anos, estamos longe da sonhada universalização.
Mas a conversa aqui é outra.
Como assegurar de forma rápida educação a milhões de jovens sem acesso às escolas? Num cenário em que nem todos tem computador, devemos nos aperceber que quase todos tem rádio e televisão. O Brasil possui larga tradição de ensino à distância via rádio e TV. Só para citar exemplos mais recentes, tivemos na TV, o Telecurso 2º Grau e no Rádio, o Projeto Minerva, que ocupava meia hora de transmissão a partir das 20 horas para educar adultos.
Tudo foi deixado de lado com o discurso fácil da informática. Na era Collor, trocaram o projeto Minerva por inserções institucionais do Ministério da Educação, em rádio e TV. O Telecurso migrou para a Internet. Deveríamos retomar com urgência essas experiências. O momento é de encontrar soluções que assegurem o aprendizado universal.
Não seria difícil tarefa, nem mesmo aqui em Brasília. O Governo do Distrito Federal possui a Rádio Cultura FM, que poderia transmitir os conteúdos necessários aos estudantes em diferentes horários e até em rede com uma trintena de rádios comunitárias operando nas cidades-satélites. A tecnologia da TV Digital permitiu o milagre dos peixes: a chamada multiprogramação. Um canal vira quatro. TVs Senado, Câmara, Justiça e Brasil se valem desse recurso tradicionalmente. Os canais legislativos o usam para transmitir mais de uma comissão ao mesmo tempo. Como não há sessões das comissões, esses canais, agora ociosos, poderiam mediante acordo ou convênio, transmitir na Capital Federal aulas para diferentes níveis. Detalhe: me refiro a canais abertos, sem custo de assinatura. No segmento da TV Paga, a Câmara Legislativa já operou um canal. O GDF tem direito a um canal destinado a Cultura. Esses também seriam recursos que ajudariam a superar as desigualdades de quem não tem acesso à informática. Até mesmo a Universidade de Brasília, que opera a TV –UnB, canal na TV a Cabo, poderia focar o ensino, nesse momento. Disciplinas que não dependem de laboratórios pode, ser ministradas tranquilamente. Também poderia se pensar em suplementos pedagógicos encartados em jornais, notadamente os de distribuição gratuita.
Em nível nacional, não seria muito diferente. A Rádio Mec e emissoras da EBC deveriam se dedicar ao ensino. Não seria difícil desenvolver o savoir-faire para produzir os conteúdos necessários. Seria mais fácil, caso o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, não tivesse rompido o contrato que garantia a TV Escola no ar. Hoje, ela já poderia estar operando a todo vapor, até preparando alunos para o Enem. Mas há como recuperar o tempo e as decisões equivocadas. Dispomos em Brasília, seja na secretaria de Educação – que já operou um estúdio de TV – seja na UnB ou em outros centros do país, da expertise e de gente com gana de fazer.
Mirar em alternativas à internet para o ensino à distância é fundamental. Até porque, no novo normal, as escolas não voltarão a ser lotadas como antes. É fundamental, pois, que olhemos para os Meios de Comunicação de Massa. Até porque, eles não estão assim tão na pré-história.
*Jornalista e Doutor em Ciências da Informação e Comunicação pela Universidade de Rennes 1 – França
Muito boa sua proposta Chico. Ela viabiliza a solução para um problema real. Ocorre que a segregação social continua, havendo ou não internet.
Trabalhei um período no Ministério do Meio Ambiente, antes dos bárbaros chegarem, e um dirigente viu na TV ou no gibi que a impressão de livros significa umas tantas árvores. Aí decidiu: “não se imprime mais nada”. Sua côrte, a turma do poder no MMA, obedeceu calada, e até acrescentou argumentos. Não adiantou nada eu ponderar que os ribeirinhos da Amazônia não tinham internet, ou que o povo do sertão idem, ou que aqui mesmo em Brasília a internet cara impede seu acesso. A elite decidiu que as informações seriam para os do seu nível – pobre que se ferre. Em alguns lugares somente 30% das pessoas têm internet. Aqui em Brasília 10 mega de internet custa rs 100 reais.
A solução? Aumentar o acesso à banda larga e usar as mídias estatais/educativas/comunitárias existentes.
Você está certo. Mas Ibaneis vai ter ouvidos para ouvir?
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A “essência” do Ensino à Distância é extremamente pragmática. Nunca é o Plano A para uma política de educação. Mas é um poderoso plano B que deve ser discutido e aplicado com muita inteligência. Educação de verdade começa em casa, e a Escola é continuidade da casa e da comunidade. Na Universidade eu convoco as mães e os pais de meus alunos para encontros de final de curso, para que elas JULGUEM os trabalhos. Sem sua presença, jamais seremos uma comunidade, especialmente na Universidade. O problema é equilibrar as novas ferramentas com as mais desejadas presenças.
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