
Balanços policiais mostram que aves são as mais confiscadas na região. Registros falhos escondem o tamanho do problema e complicam o combate ao comércio ilegal.
Por Aldem Bourscheit
As polícias Civil, Militar e Rodoviária Federal apreenderam milhares de animais vivos ou mortos entre janeiro de 2016 e junho de 2020 em várias regiões do Distrito Federal (DF), mostram dados recebidos por este blog por meio da Lei de Acesso à Informação*.
A grande maioria (82%) dos quase 4.300 animais confiscados pela Polícia Civil foi de aves, seguidas por peixes (16%), répteis (1%) e mamíferos (1%). As cidades com mais apreensões no período foram Ceilândia, Planaltina e Brasília, na região central e próximo a divisas com Goiás no oeste e nordeste do DF. As capturas não são discriminadas por espécies.
Este mês foram encontradas 32 cobras, tubarões e lagartos em apartamentos, fazendas e vias públicas do Distrito Federal. Os animais são naturais da Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado, mas também dos Estados Unidos, Oceania, Ásia, África e Oriente Médio. Traficantes e criadores irregulares foram multados em mais de R$ 300 mil.
Aves também foram as mais confiscadas pela Polícia Rodoviária Federal no DF, somando 344 animais desde 2016, ou 97% das apreensões no período. Quantidades de peixes e mamíferos foram mínimas. Não há registros para répteis. As espécies incluíam canários, papa-capim, azulão, galo-da-campina, sabiá, trinca-ferro, paca e tatu. Cobras, aves e jabutis também foram recolhidos em rodovias federais na região.
Já a Polícia Militar contou que houve “muito mais de 10.000 atendimentos a ocorrências envolvendo animais” no Distrito Federal desde o início de 2016, mas a entidade não atendeu a nosso pedido de informações alegando entraves técnicos e falta de pessoal para consolidar os dados sobre apreensões.
“O Sistema (..) não possibilita a inclusão do nome das espécies em campo próprio, nem a busca por espécies e quanto mais por Classes de animais. Devido à ausência de ferramenta informatizada específica na busca de informações (…) muito provavelmente empenharia um policial militar quase que exclusivamente para a consolidação de tais informações durante um período muito longo de tempo, que abrangeria inúmeras semanas ou até mesmo meses. Tendo em vista o reduzido efetivo das unidades policiais militares, isso seria impraticável nos dias atuais”, respondeu.

Ponta do iceberg
Acadêmicos e membros de ONGs dedicadas ao combate ao tráfico de animais consultados pelo Conect@ analisam que as apreensões levantadas junto às polícias são a ponta do iceberg do comércio ilegal de animais selvagens no Distrito Federal. Ou seja, a quantidade de animais nativos e exóticos circulando na região nas mãos de criminosos pode ser explosivamente maior.
Também apontam que falhas no registro e na análise das amostragens, bem como a falta de troca de informações entre agências dificulta um agir com mais inteligência contra o tráfico. Sem discriminar espécies, por exemplo, é impossível determinar regiões de origem dos animais e melhor estimar rotas e meios usados pelos meliantes.
“Os dados são a ponta de um iceberg do tamanho do Himalaia. Há muitas outras rodovias, ferrovias e vias fluviais que são usadas pelos criminosos mas não aparecem nos mapas de rotas de tráfico. Agentes não capacitados e registros falhos dificultam a geração de dados de inteligência para melhor operar no delito e a tomada de medidas para reabilitação e reintrodução dos animais na natureza. Estamos tateando no escuro em um espaço sobre o qual somos absurdamente ignorantes”, ressaltou Reuber Brandão, do Laboratório de Fauna e Unidades de Conservação da Universidade de Brasília (UnB).
O caótico cenário do Distrito Federal é semelhante ao pintado na última semana por um relatório da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional e das ONGs Traffic e União Internacional para Conservação da Natureza. Focado no tráfico de animais da Amazônia e no comércio ilegal de aves no país, mostra que o crime está fora de controle. Enquanto isso, apreensões se acumulam no noticiário.
Na terça-feira (28/7), 1.459 jabutis e 17 aves foram apreendidos em Leopoldina (MG). Rumavam no porta-malas de um carro de passeio da Bahia ao Rio de Janeiro, onde seriam vendidos no interior do estado. Alguns estavam mortos. Os sobreviventes foram encaminhados para reabilitação ou zoológicos. Traficantes foram multados e conduzidos à Polícia Civil. Mas a legislação brasileira não leva ninguém para a cadeia por comércio ilegal de animais.
“E há agravantes sérios. Se o criminoso é pego com animais vivos, é tráfico. Se é pego com animais mortos, é caça. E para a caça existem inúmeros atenuantes. Não é à toa que, quando uma fiscalização entra em uma feira, a primeira coisa que os vendedores ilegais fazem é matar os animais, para que o flagrante seja caracterizado como caça e não como tráfico”, revelou Brandão, da UnB.

A pesquisa do Governo dos Estados Unidos e ONGs mostra que mercados nacional e internacional são ávidos por aves de canto e papagaios brasileiros. Cerca de 400 tipos de aves – uma em cada cinco espécies nativas – são vítimas de traficantes. O comércio criminoso também flui desde países vizinhos, sempre abastecendo colecionadores, criadores e concursos de canto – ilegais no Brasil.

“O combate ao comércio ilegal de aves de canto está indissociavelmente ligado à necessidade de um controle rigoroso dos criadouros legais para impedir a “lavagem” de aves selvagens capturadas ilegalmente. As autoridades estimam que, até 2015, um total de cerca de 3 milhões de aves foram registradas através de práticas fraudulentas, a fim de fazer a “lavagem” de aves selvagens ou comercializadas ilegalmente”, ressalta o relatório.
Para reduzir o tráfico de animais silvestres no Brasil, o documento sugere ações como a construção de uma estratégia nacional de combate ao crime, aprimorar a coleta e a partilha de dados entre agências públicas, fortalecer a legislação sobre crimes ambientais e investir em infraestrutura e tecnologia para melhor identificar e conduzir apreensões de animais selvagens.
Saiba mais sobre o tráfico de vida selvagem em:
Animais da Amazônia abastecem tráfico internacional, denuncia relatório
Brasil: la ruta ilícita de un pez en peligro de extinción
300 grupos de WhatsApp estão ligados ao tráfico de animais em todo o país
* Fizemos os pedidos via Lei de Acesso à Informação para garantir o recebimento dos dados em quantidade e qualidade mínimas, inclusive após uma negativa de seu envio direto pela Assessoria de Imprensa da Polícia Civil no Distrito Federal.
Parabéns pelo artigo, Chico! Um assunto importantíssimo, que tem muitas implicações para a ciência, meio ambiente e economia! Pouquíssimo conhecido por isso a importância de sua contribuição
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Obrigado Celeste, mas os méritos são do Aldem Bourscheit
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