O problema da terra no DF é crônico. Condomínios ilegais brotaram por todos os cantos. Invasões chiques e de pobres também. A diferença fica no trato desses casos. Ele não é igual para todos. A cada ano que passa, as disparidades sociais no Distrito Federal aumentam – e isso são os próprios números oficiais que atestam – sem que haja políticas sociais efetivas para que se reverta esse quadro.

Por Chico Sant’Anna

A política do governo Ibaneis Rocha para quem ocupa terras naõ tem equidade diante das diferentes camadas sociais. Ela se vale mesmo de dois pesos e duas medidas. Se não, vejamos: a população de Brasília se depara, na atualidade, com duas realidades bem distintas. Nos nobres bairros do Lago Sul e Lago Norte, como se fora Papai Noel, o governo acena com a outorga de áreas verdes públicas aos proprietários dos lotes lindeiros. Já na área rural de Sobradinho, envia tropas policiais para dar segurança a remoção de instalações elétricas bancadas por cerca de 450 famílias trabalhadores urbanos e rurais, sem-terra, que montaram o acampamento Nelson Mandela, localizado na região Administrativa de Sobradinho, distante 23 quilômetros do centro da Capital Federal.

No Lago Sul e Norte, as diversas gestões que passaram pelo GDF fizeram vistas grossas para a ocupação riche que por décadas ocupa áreas públicas e que relutaram com todas as forças e recursos políticos e jurídicos contra a desobstrução da Orla do Lago Sul, determinada pela Justiça e implementada na gestão Rollemberg.

Agora, diante de nova determinação judicial que manda desocupar áreas de passagens de pedestres e de serviços das concessionárias de água, luz e telefonia, o que faz o GDF? Tenta em instâncias superiores anular a decisão já transitada em julgado e, pela mão do Executivo, elabora às pressas um projeto de lei que reduz de 891 para 64 as faixas de pedestres e ainda outorga a preços módicos – embora moradores do Lago Sul e Norte rejeitem os valores – a área pública aos donos de lotes. Em média, cada lote deverá ganhar cerca de 50% a mais de sua área original.

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Já em Sobradinho, nas proximidades da Rota do Cavalo, a decisão foi enviar dezenas de policiais militares e civis, tropa de choque e até helicóptero para retirar um mínimo de conforto – importante nesses tempos de Pandemia – que é a energia que garante luz e o bombeamento d’água para os barracos dos trabalhadores. Houve uso de gás de pimenta, disparo de balas de borracha. Quatro pessoas feridas, sendo uma criança e uma senhora que teve um ataque cardíaco diante de tanta brutalidade.

Há três anos, existem conversações entre o GDF e as lideranças do Acampamento Nelson Mandela, mas sem chegar a termo. Durante as ações policiais foram retirados o transformador, um poste padrão e a fiação elétrica, avaliados em mais de R$ 12 mil, arrecadados com muita dificuldade pelos moradores. Tudo isso foi confiscado pela Companhia Energética de Brasília –Ceb, embora não fosse de propriedade dela.

Sem diálogo

A comunidade do Nelson Mandela procurou novamente o GDF, a direção da Ceb e parlamentares, mas até o momento não foi dada uma solução ao problema, que está colocando em risco de contaminação centenas de pessoas, que seguem sem água e eletricidade. Até a primeira dama, Mayara Noronha, titular da secretaria de Assistência Social foi procurada, mas nenhuma solução foi apresentada.
Para os moradores do Lago Sul e Norte, mesmo contrariando recomendação do Ministério Público, a secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação realizou consulta pública, via internet, e se disponibilizou a debater a flexibilização dos valores da outorga e, se necessário, dilatação do prazo para debate e análise da proposta governamental.

A questão da terra no Distrito Federal é um problema crônico. Condomínios ilegais brotaram por todos os cantos. Invasões chiques e de pobres também. A diferença fica no trato desses casos. O tratamento é desigual. As conclusões sobre as consequências dessa dualidade no trato dos cidadãos brasilienses, ficam a critério de cada leitor e eleitor. O certo, contudo, é que a cada ano que passa, as disparidades sociais no Distrito Federal aumentam – e isso são os próprios números oficiais que atestam – sem que haja políticas sociais efetivas para que se reverta esse quadro.

Nelson Mandela é símbolo de resistência, persistência e esperança. Torçamos todos para que a esperança de uma Brasília mais igual, ideário de quem a projetou e de quem a sonhou, como Dom Bosco, possa se materializar e que o leite e o mel, que a profecia do cura previu para o Planalto Central, possa jorrar para todos.