Passados três governadores, o maior centro de Saúde da cidade continua abandonado, quase que totalmente demolido, e agora corre o risco de virar estacionamento de hospital privado. O Gama continua sem Pronto Atendimento Infantil em seu Hospital Regional, que é alvo da cobiça da especulação imobiliária. Cerca de 100 mil gamense dependem exclusivamente do SUS, cada vez mais precarizado na cidade.

 

Por Chico Sant’Anna

Era uma quinta-feira ensolarada, 26 de maio de 2016. Brasília já experimentava o fim das chuvas e um sol escaldante tomava conta do céu do Gama. Mesmo assim, todos foram até lá: o governador, com sua entourage, o secretário de Saúde, todo sorridente, o administrador Regional do Gama e o combativo Conselho Comunitário da Saúde. Todos felizes, afinal, depois de um ano de intensa obras, que custaram ao contribuinte R$ 3.273.791,53 – financiados pela Caixa Econômica, é bom que se diga – finalmente, o Centro de Saúde nº 8 do Gama, localizado na Área Especial nº 17, no lado Oeste do Setor Central do Gama, estava sendo entregue novinho em folha à população, feliz por poder contar com mais equipamento de Saúde, em especial a assistência primária, tão importante para evitar males mais graves. Hoje, passados quatro anos, o Centro é peça fundamental nas ações básicas de saúde na cidade, em especial no combate à Pandemia.

Como seria bom se a abertura desse texto retratasse a realidade. Como bem sabe a população do Gama, tudo acima não passa de uma triste ficção. O Centro de Saúde nº 8 do Gama, outrora unidade de saúde do Inamps, criada em 1973, é hoje sinônimo de abandono da saúde pública na cidade e o imóvel corre o risco de virar estacionamento de um hospital privado, conforme denunciou o advogado Juan Ricthelly.

Segundo a comunidade do Gama, a empreiteira chegou a receber R$ 600 mil para erguer o novo Centro de Saúde, mas abandonou a obra, deixando tudo demolido. Foto Blog Gama Livre.

Com dimensões superiores aos tradicionais Centros de Saúde da rede pública do DF, o nº 8 poderia muito bem ser adaptado para atuar como uma policlínica, reduzindo a pressão por demanda de atendimento no Hospital Regional do Gama. Quando em funcionamento, propiciava à população gamense atendimentos centrados no cuidado integral à Saúde, sendo referência na oferta de práticas complementares em saúde, como acupuntura, homeopatia, psiquiatria, psicologia, odontologia completa, tratamento da diabetes e acompanhamento e desenvolvimento infantil, além de centro regional de distribuição de medicamentos controlados.

Ali também foi base para diversas equipes do Programa Saúde da Família, que tiveram que atuar a partir do estádio Bezerrão.

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Em 2014, foi lançada a licitação da reforma ainda no governo Agnelo Queiroz, para que fosse reformado. Milhares de pessoas eram ali atendidas. O centro foi fechado em maio de 2015 e totalmente demolido, até o telhado lhe foi retirado, tudo na expectativa de novas instalações. Entretanto, passou o governo Agnelo, veio o de Rollemberg e agora o de Ibaneis e a população da cidade do Gama, de quase 150 mil habitantes, até hoje não viu um tijolo novo sequer ser assentado naquela unidade de Saúde.

Segundo o Fórum Comunitário e de Entidades do Gama, existe uma permanente postura de abandono do Gama pelas autoridades do GDF. Foto Blog Gama Livre.

De Agnelo a Ibaneis

Informações da comunidade dão conta de que a construtora selecionada pra erguer o novo Centro chegou a receber valores da ordem de R$ 600 mil, a valores da época. Procurado por esse blog, o ex-governador Rodrigo Rollemberg, que assumiu em 2015, disse que a empresa abandonou a obra e nenhuma das outras empresas participantes da licitação concordou em assumir os trabalhos. Além disso, informou que o projeto elaborado no governo anterior teve que ser refeito e submetido novamente à Caixa Econômica, ente financiador. Disse Rollemberg que no final de seu governo tudo estava resolvido e que o governador Ibaneis poderia ter feito nova licitação já nos primeiros dias de governo. E que cabe ao atual governo explicar o motivo de isso não ter ocorrido.

Quando em funcionamento, propiciava à população gamense atendimentos centrados cuidado integral à Saúde, sendo referência na oferta de práticas complementares em saúde, como acupuntura, psiquiatria, psicologia, odontologia completa e acompanhamento e desenvolvimento infantil. Foto Blog Gama Livre.

Em 27 de outubro, em visita ao Gama, o Governador Ibaneis Rocha, ao ser questionado sobre a reforma do CS N° 08, afirmou que pretende ceder o terreno para que o Hospital Maria Auxiliadora o use como estacionamento e firmar parceria Público Privada para construção em outro local. Essa suposta solução traz mais um problema para quem mora no Gama. Segundo informa o Blog Gama Livre, o terreno apontado para receber a nova unidade de saúde está destinado para abrigar a primeira creche pública daquela cidade satélite, a ser construída com recursos do FNDE. À Rede Globo, a secretaria afirmou desconhecer qualquer proposta de cessão de do terreno ao Hospital Maria Auxiliadora, que revela ser a proposta algo não pensado tecnicamente e fruto de decisão pessoal de Ibaneis.

Veja aqui vídeo produzido em 2018 por esse jornalista.
Desde então, nada mudou, mesmo com a ascensão de um novo governo.

 

A notícia de transformar o Centro de Saúde em estacionamento irritou ainda mais os moradores do Gama. O Fórum Comunitário e de Entidades do Gama se mobiliza para que a comunidade saia em defesa do Posto de Saúde nº8. Um Manifesto em Defesa do Posto de Saúde nº 8 e uma petição, com mais de duas mil assinaturas, se encontram na internet. Para o advogado Por Juan Ricthelly, “é lamentável que uma medida tão descabida seja tomada sem ouvir a comunidade e o que a mesma pensa sobre ela.”

Em nota oficial, o Diretório do PCdoB-DF daquela satélite, partido que integra o governo Ibaneis, denunciou que “não há interesse público nessa transação. Apenas interesse privado por parte do Hospital, e interesse oculto por parte de alguns. Somente a reconstrução do Posto N° 8 é revestido de moralidade”.

Em artigo, Ricthelly, ressalta que no lugar de defender a reforma do Centro de Saúde, o distrital Daniel Donizet  (PL), “aquele mesmo que enterrou a CPI da Pandemia” e que se diz representante do Gama, apoie a transformação da Unidade de Saúde em estacionamento.  

Abandono da Saúde

Segundo o Fórum, existe uma permanente postura de abandono do Gama pelas autoridades do GDF. “No nosso Gama, é assim: abandonado Cine Itapuã, do Hospital Regional do Gama, o Estádio Bezerrão, a Prainha, o Parque Ecológico do Gama e, obviamente, o Centro de Saúde nº 8, pois cada um desses espaços representa um aspecto de como a comunidade se relaciona com o meio em que vive, conectando a sua realidade local com a saúde, em uma perspectiva de que esta não compreende apenas a ausência de doença, mas abrange a cultura, o esporte, o lazer, o meio ambiente e todo o fazer político que constitui a existência popular em um território.”

A Cidade, que recebe uma pressão de demanda de moradores do Entorno Sul, é atual campeã em Dengue. Os dados da Pandemia mostram que mais de 11 mil moradores foram infectados pelo Covid19, sendo que 240 morreram vítima do mal. Aproximadamente 70% dos 150 mil moradores do Gama dependem do SUS, segundo estudo da Codeplan. Entretanto a cidade está cada vez mais perdendo serviços de saúde pública. O Saúde em Casa, implantado no final dos anos 90 foi extinto. O Pronto Atendimento Infantil – PAI, que existia no Hospital Regional do Gama foi fechado no governo Rollemberg. As crianças que precisam ser atendidas com urgências têm que ser levadas pra Santa Maria. A UPA do Setor Leste, prometida no governo de Agnelo Queiroz, só agora, faltando dois anos para o governo Ibaneis acabar, está sendo construída. Sabe-se lá quando estará funcionando plenamente.

Dessa forma, o texto de abertura desse artigo, nada mais é do que uma peça ficcional. Um sonho daqueles que alegrariam a sofrida população do Gama. Três campanhas eleitorais, três promessas de candidatos, três governadores eleitos e nenhum cumpriu a sua palavra. O pior é que agora, Ibaneis Rocha ameaça ceder ao canto especulativo da pressão imobiliária.

O Centro de Saúde nº 8 está localizado em área nobre do Gama (vide seta amarela), altamente cobiçada pela especulação imobiliária.

Especulação Imobiliária

Parece que virou moda nesse governo ceder imóveis públicos para a iniciativa privada. As instalações de Saúde Pública no Gama são antigas. Como muitas outras unidades de saúde no DF, estão sucateadas e necessitam de reformas de fundo. Os governos relutam em fazer tais obras e, ao mesmo tempo, cresce o olho gordo sobre as locais desses imóveis por parte da indústria da especulação imobiliária.
A proposta de permutar o terreno do Centro de Saúde nº 8 com uma grande rede hospitalar, para que esse sirva de estacionamento, não é a única. Desde o governo Agnelo Queiroz, e passando pela gestão Rollemberg, circula em setores do GDF e da indústria imobiliária a ideia de trocar o valioso terreno do Hospital para dar lugar a mais um empreendimento residencial – dos muitos que estão surgindo no Gama. Em troca, seria construído um novo hospital em área externa à cidade, o que torna o acesso difícil a muitos.

Executivo e Legislativo, nos últimos dez anos, não tem levado a sério a questão da Saúde Pública na cidade. Terceirizações, privatizações, alternativas mirabolantes apenas reforçam que só existe uma caminho sério para o Sistema Único de Saúde: é o Poder Público assumir sua responsabilidade constitucional e executar os serviços que lhe foram conferidos.