Comunicado oficial de que a oferta de ações para a venda já foi publicado. Não se sabe, ainda, qual parcela do BRB, que tem um valor de mercado duas vezes superior à CEB, o GDF pretende abrir mão, mas ela pode ultrapassar a um quarto das açoes. Hoje, o GDF possui 75,44% das ações ordinárias, com direito a voto, e 96,85% das ações preferenciais, somando 80,33%, do total. Há também especulações de que ações repassadas em 2017 ao Iprev-DF poderiam entrar na venda.

Por Chico Sant’Anna

A porteira da privatização parece ter sido efetivamente aberta em Brasília pelo governador Ibaneis Rocha. Ele que havia jurado de pés juntos na capanha eleitoral que não venderia estatais do DF. Bem, depois de privatizar a Ceb, de anunciar a privatização da Caesb e do Metrô, chegou a vez da mão de Ibaneis agir sobre o Banco de Brasília – BRB. Enquanto todos estavam concentrados na alegria do Natal, o Conselho de Administração do Banco, cujos nomes contam com a simpatia do governador, autorizou o início dos estudos visando a realização de “follow-on”. Esse complexo nome esconde no economês a informação de que o BRB vai colocar à venda ações e o perfil do controle acionário da empresa pode mudar. Em outras palavras, o Governo do Distrito Federal, principal acionista do Banco, decidiu passar para a iniciativa privada parte de seu patrimônio. O atual valor de mercado do BRB equivale a duas vezes ao valor ofertado na privatização da CEB Distribuição.

A iniciativa é vista como um primeiro passo para privatizar – ou, no mínimo, reduzir a participação do governo no banco. Criado em 10 de dezembro de 1964, o BRB foi considerado, em 2018, a 34ª instituição bancária do país, segundo o site especializado em análise bancária Econoinfo.

Fatia à venda

Internamente, o comando do BRB não vê essa “abertura ao mercado acionário” como privatização, pois ela não implicaria na venda do controle acionário. Não se sabe ainda que parcela do BRB, que tem valor de mercado duas vezes o que foi pago pela CEB, o GDF pretende abrir mão.

O governo possui, segundo o site Ivalor, 75,44% das ações ordinárias e 96,85% das ações preferenciais, somando 80,33%, do total. Ação ordinária é aquela que garante o poder de voto a quem a possui, podendo portanto, influir nas decisões da companhia ou até mesmo garantir o controle da operação no caso de compra de 50% das ações mais uma. Já as ações preferenciais, que o GDF possui em maior quantidade, assegura ao seu titular a preferência no recebimento de dividendos, além de normalmente conferir o pagamento de maiores quantias em relação aos detentores de ações ordinárias.

O estatuto do Banco de Brasília obriga que o GDF preserve 51% do controle acionário. Pressupõe-se, então, que para manter o controle acionário do BRB e definir suas políticas de ação, o GDF poderia vender, dele mesmo, 24% das ações ordinárias. Procurados, o GDF não respondeu às nossas consultas, e o BRB se limitou a dizer que “todas as informações referentes à operação serão definidas a partir do processo de estruturação da operação e serão divulgadas oportunamente ao mercado”.

Em setembro de 2019, falando a empresários candangos, reunidos no fórum Lide, coordenado pelo empresário Paulo Octávio, o presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, disse que a iniciativa de comercializar ações do BRB é resultado do processo de adesão da empresa ao programa Destaque em Governança das Estatais, da Bolsa de Valores, que tem o objetivo de abrir o capital e atrair mais investidores. “Nesse sentido, deverá colocar no mercado 27% das ações da instituição financeira dentro do prazo de três anos” – noticiou, à época, o jornalista Francisco Dutra, do portal Metroples.

Ex-presidente do Conselho Regional de Economia do DF, o professor Roberto Piscitelli, analisa que follow-on não é necessariamente sinônimo de privatização. “Mas acho que pode ser um sinal, num governo privatizante como o nosso e com o governador que temos” – analisa ele. “Não tenho dúvida, trata-se de privatização” – afirma o professor de Economiam Julio Miragaya, que foi candidato do PT ao GDF. Para a professora de economia, Adriana Moreira Amado, da UnB, qualquer que seja o volume de ações a ser ofertada no follow-on do BRB, estaríamos dando um passo no caminho da privatização. Mesma visão tem a economista Maria de Lourdes Mollo, também acadêmica da UnB. “A venda de ações do BRB pelo governo do DF vai na direção da sua privatização e desconhece o papel que ele pode e deve ter para estimular e conduzir o crescimento e o desenvolvimento do DF e do entorno” – diz ela.

Estas leituras de estudiosos do meio acadêmico são refutadas pelo ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do GDF, Rui Coutinho, a quem cabia pensar o programa de privatizações do GDF. “Depende da dimensão do follow-on – diz ele -, acho pouco provável uma privatização do BRB neste primeiro governo do Ibaneis. Foi o que ele me disse” – comentou.

Follow-on

Tecnicamente, em um processo de follow-on, o BRB poderá vender ações de sua propriedade ou de terceiros, no caso, de propriedade do GDF ou do Instituto de Previdência dos Servidores Públicos do Distrito Federal – Iprev, o maior acionista, depois do GDF, propriamente dito.

É sempre bom lembrar, que numa arquitetura financeira complexa e polêmica, o então governador Rodrigo Rollemberg, para fechar a folha de pagamento dos servidores, em 2015, sacou R$ 1,2 bilhão do fundo capitalizado do Iprev. No ano seguinte, outros R$ 493 milhões foram retirados do mesmo fundo. Também no apagar das luzes do ano, em 22 de dezembro de 2017, para compensar os saques, no lugar de devolver em dinheiro os recursos usados do Iprev em 2015 e 2016, o GDF repassou ao instituto 16,52% do controle acionário do Banco de Brasília e ativos em imóveis. O valor atribuído na ocasião a esta cesta de bens foi de R$ 1,7 bilhão. Na época, esse blog alertava que era um passo concreto à privatização do BRB, pois, a partir de então, caso o Instituto viesse a precisar de dinheiro. Teria que colocar à venda as ações, e sem qualquer necessidade de autorização legislativa.

Para mais detalhes sobre as iniciativas de privatização do governo Ibaneis Rocha, leia também:

Segundo o site Ivalor, o BRB não possui ação própria em tesouraria, ou seja em seu poder. Nesse caso, o capital arrecadado com a venda de ações não serviria para expandir as próprias operações bancárias. O benefício seria para os acionistas que cedessem suas ações para a venda.

 

Além do GDF, o grande acionista é o Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal – Iprev DF, que possui 21,41% das ações ordinárias e nenhuma preferencial. Isso lhe confere 16,52% do total de ações ON e OP. Quando da transferência das ações ao Iprev, o GDF atribuiu um valor de aproximadamente R$ 500 milhões a cota do Instituto. Os 3,15% restantes das ações estariam pulverizadas entre acionistas privados: 1.059 pessoas físicas e 33 pessoas jurídicas.

Esse quadro permite aludir que caso o follow-on venha a acontecer de fato, as ações que estarão à venda serão as de propriedade do GDF, ou do IPrev-DF, ou, ainda, de ambos. Juridicamente, seria até mais fácil o Iprev-DF comercializar seu estoque de papéis.

Ressalte-se, ainda, que no dia 9 de dezembro, o Banco Central homologou o aumento de capital social do BRB, que passará a ser composto por 363.046.500 ações, sendo 280.146.500 ações ordinárias (BOV:BSLI3) e 82,9 milhões de ações preferenciais (BOV:BSLI4). Serão desdobradas em 900% as atuais 36.304.650 ações. Como resultado do desdobramento os acionistas receberão nove novas ações para cada ação de que for titular. A decisão ainda estabelece que as novas ações, fruto do desdobramento, a partir do dia 05/01/2021.

Banco no azul

A venda de ações do BRB se revela um bom negócio para quem vier comprar as ações. Em 2017, o valor de mercado do BRB foi estimado em R$, 3,036 bilhões. Neste ano, a estimativa já era de R$ 6 bilhões. Nos últimos dias do ano, a cotação da ação ordinária estava em R$ 156,00 e a preferencial em R$ 101,93. A Bolsa de Valores atribuía ao BRB um valor de R$ 5,22 bilhões. O banco encerrou 2019 com um lucro líquido de R$ 418 milhões. O número representa um aumento de 69,1% sobre 2018. Em termos proporcionais, o retorno financeiro sobre o patrimônio líquido foi de 27%, percentual maior do que o verificado pelos cinco maiores bancos do país (Bradesco, Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Caixa Econômica Federal e Santander), segundo informou a Agência Brasília, em finais de 2019.

Entretanto, a venda pode ser um mal negócio para a população de Brasília, principalmente, se a cota a ser vendida vier a ser adquirida por outra instituição bancária. Isso seria mais um passo ao oligopólio bancário existente no Brasil, que leva os correntistas a pagarem altas taxas de administração e mesmo de juros.

Para Maria de Lourdes Mollo, nesse período de busca de recuperação dos estragos da Covid-19, o BRB tem papel estratégico. “Até o FMI e economistas neoliberais renomados, reconhecidamente conservadores a este respeito, pedem uma intervenção estatal mais forte e continuada no momento. Independentemente da crise atual, porém, num país com tamanhas dificuldades sociais e econômicas quanto o nosso, é absurdo pensar em reduzir, ao invés de aumentar, a intervenção do Estado. Ela é importate num esforço deliberado para reduzir desigualdades e planejando e agindo de forma a estimular um desenvolvimento socialmente mais justo. Para isso os bancos públicos são fundamentais” – conclui ela.

E o BRB tem dado bom retorno ao GDF. Em 2019, o GDF recebeu RS 160 milhões em dividendos, Não se sabe exatamente no que o GDF investiu esse montante. O banco não apresenta qualquer problema de liquidez. Pelo contrário. Segundo o portal Banco Data, em março de 2020, o patrimônio líquido do Banco de Brasília era de R$ 1,9 bilhão, possuía 128 agências, 3.280 empregados, 639 mil clientes, a maioria servidores ativos e inativos do GDF, e um ativo de R$ 18 bilhões.

Sua carteira, no mesmo mês, possuía, R$ 774,1 milhões em depósitos em conta corrente, R$ 2,1 bilhões, em poupança, R$ 9 bilhões em depósito a prazo (investimentos em fundos). O banco tem emprestado aos correntistas R$ 9 bilhões, sendo R$ 6,7 bilhões em consignação descontado no salário, principalmente a servidores do GDF, e tem uma carteira de financiamento habitacional de R$ 1,1 bilhão.

Nas recentes ações do BRB protagonizadas pelo governador Ibaneis Rocha, se destaca a decisão, de julho de 2020, de o Banco de Brasília passar a ser o patrocinador master do Clube de Regatas Flamengo, do Rio de Janeiro, por um período de três anos – o que vai além do mandato atual do governador que é torcedor do time. O mimo de Ibaneis ao seu time do coração custará R$ 32 milhões por ano, ou seja, 60% de todos os dividendos repassados em 2019 pelo BRB ao GDF.