Ponto de Coleta exclusivo para vidros no Guará 2-DF, ao lado do Mercado Dona de Casa. Brasiliense não segue as regras da separação de residuos. Joga metais, plástico e papelão, onde só se recebe vidro, e vice-vesa. Foto de Ronaldo Martins.

Além de produzir muito lixo, o Distrito Federal pouco recicla. Falta educação ambiental. De bairros pobres a ricos, a cena se repete: lixo jogado em local inadequado – como terrenos baldios -, pontos de coletas que não são respeitados. E um Aterro Sanitário em Samambaia que satura mais rapido do que o previsto inicialmente. Nova área igual a sete superquadras é negociada para ampliar a capacidade de acumular lixo.

Por Chico Sant’Anna

O que você faria se ganhasse dois prêmios da Mega Sena da virada?
É mais ou menos esse valor que o governo do Distrito Federal enterra todos os anos na gestão do lixo da Capital Federal.

Mesmo com a Pandemia da Covid, da redução das atividades econômicas, cada brasiliense, incluindo as crianças, terá produzido cerca de 470 quilos de lixo no ano que passou. Trata-se de 1,3 kg de resíduos por pessoa, a cada um dos 365 dias do ano. Esse cálculo conta apenas os resíduos recolhidos pelo Serviço de Limpeza Urbana – SLU e as empresas por ele contratadas. Não inclui o lixo jogado ou queimado irregularmente nos terrenos baldios, nem os restos da construção civil e de podas de jardins que são despejados no antigo lixão da estrutural. Essa lixarada toda, dói no bolso do contribuinte. O gasto do SLU por ano chega a quase meio bilhão de reais, R$ 466,3 milhões. Dinheiro que poderia ser melhor aplicado, se o brasiliense colaborasse mais na hora de dispensar seus rejeitos. Com esses recursos daria para ampliar o metrô até o final da Asa Norte.

Os dados coletados até setembro – e que constam do portal do SLU – apontam um volume de 1,057 milhão de toneladas, dentre lixo doméstico e comercial, lixo recolhido nas ruas, os recebidos pelas cooperativas que fazem triagem para reciclagem, bem como o lixo hospitalar, que é queimado em Santo Antônio do Descoberto. É possível, então, inferir que a produção de resíduos sólidos do Brasiliense terá chegado a 1,410 milhão de toneladas de lixo, nos doze meses do ano que findou.

Pouca reciclagem

Destrinchando esses dados, percebe-se que além de produzir muito lixo, o Distrito Federal pouco recicla. Dessa montanha de lixo, apenas 224 mil toneladas foram destinadas as duas únicas usinas de tratamento de lixo, localizadas no Setor P-Sul, da Ceilândia, e na Avenida das Nações. Dessas unidades – fazendo a projeção a partir dos dados de janeiro a setembro -, surgiram 62 mil toneladas de composto orgânico – adubo – cuja a terça parte foi doada a pequenos produtores rurais do DF. Um bom uso, mas que deveria ser ampliado, principalmente com a compostagem das podas de árvores jogadas no lixão.

A deposição irregular de materiais nos papa recicláveis torna a operação mais dificil e onerosa. Nem todo tipo de resíduos pode ser depositado nesses containers. Fotos de Chico Sant’Anna.

As 22 cooperativas de catadores, que prestam serviços de triagem e de coleta seletiva terão recebidos cerca de 22 mil toneladas de rejeitos, mas apenas 62% desse volume foi efetivamente destinado como matéria prima para reciclagem – notadamente papel, metais e plástico. O restante é inservível para a reciclagem e só foi parar nas cooperativas pelo fato do brasiliense não fazer a triagem correta do seu lixo ou não tem a devida consciência da importância de fazê-lo.

Os dados revelam que essas cooperativas, que constituem a segunda principal base de reciclagem dos resíduos sólidos da Capital Federal, processam quantidade diminuta, diante do universo de lixo – e que ainda assim, a cada 10 quilos de lixo quer recebem, quatro não são materiais recicláveis. Isso encarece o processo dos quase mil catadores que atuam no ramo, reduzindo suas rendas.

No Park Way, áreas verdes se transormam em depósitos de pneus usados, entulho de obras, podas de jardins. Nascentes são contaminadas, afetando a fauna e a flora locais.

Consciência

Essa realidade vivenciada pelas cooperativas é visível na maioria dos pontos de entrega de material reciclado da Capital Federal. De bairros pobres a ricos, a cena se repete: lixo jogado em local inadequado – como terrenos baldios -, pontos de coletas que não são respeitados. Mais de cem containers de papa recicláveis foram instalados a partir de outubro no Distrito Federal. Outros 140 estão por vir. A ideia é estimular a entrega voluntária de material já triado. Neles é permitido depositar plástico, papel, metais e caixas longa vida. O verbo depositar parece não ser bem compreendido por todos, pois são vários os casos em que o material é largado ao léu, no chão e não no interior dos containers.

Iniciativas que deveriam fortalecer a separação do lixo, como esse ponto de entrega voluntária no Park Way, acabam se transformando em mini lixões.

Isso acontece em todos os cantos. Não precisa ser em local humilde. No Park Way, região administrativa que possui uma das maiores rendas per capita de Brasília e onde o nível de escolaridade é dos mais elevados, é comum encontrar garrafas de vidro, roupas usadas, calçados e até madeira nos papa recicláveis destinados a receber exclusivamente papel, plástico e metal.

No interior do container papa-recicláveis queimado, na SMPW Quadra 6, havia vidros e até tijolos. O coletor foi projetado para receber apenas papel, plástico e metais. Foto de Chico Sant’Anna.

Um desses containers em plástico, num modelo semelhante aos usados na Europa, instalado na quadra 6 do bairro, foi incendiado e nas cinzas era possível ver garrafas de vidro e até tijolo.

No bairro, há dentre muitos moradores um descaso. Como há grandes áreas verdes, não é difícil encontrar quem jogue aquilo que não lhe é mais servível em qualquer canto. Poluem, afetam a fauna e a flora e ainda acham que a obrigação é do governo em coletar. Essa é uma realidade semelhante na maioria das cidades-satélites.

Na Ceilândia, terrenos baldios usados como lixão estão sendo transformados em áreas de lazer.

Na Ceilândia, a administração regional cansada de recolher sistematicamente toneladas de entulho e lixo doméstico deixados em terrenos baldios, decidiu transformar alguns deles em área de lazer. Quadras de futebol de areia ocupam hoje o lugar que outrora acumulava lixo.

Vidros

Os resíduos vítreos são um grande dilema. As usinas que usam vidro usado para a produção de novos ficam distantes do DF. As cooperativas não tem interesse em triá-los, pois não há mercado de compra ou quando há, o preço é muito baixo. Pelo menos duas empresas estão atuando na Capital Federal. Elas distribuem seus containers em local de grande movimento. A ideia é que só garrafas e vidros de conserva e geleia sejam ali depositados. Aqui também a deseducação ambiental se repete. É comum ver muitos rejeitos de metal, papel e plástico sendo jogado nos papa-vidros. Muita gente não respeita e não percebe que esse comportamento inviabiliza a melhor resolubilidade da reciclagem.

Sem reciclar, o lixo acaba indo parar no Aterro Sanitário de Samambaia, que substituiu o lixão da Estrutural. Ele custou ao bolso do contribuinte – o mesmo que joga lixo de qualquer maneira – R$ 45 milhões apenas na construção da sua primeira etapa. No ano que passou, R$ 93,5 milhões foram consumidos na sua gestão. Previsto inicialmente para durar 30 anos, recebendo exclusivamente o material não reciclável, a vida útil agora deve ser bem menor. Muito material passível de der reciclado é depositado ali pois sai barato pra quem suja, por falta de estrutura de coleta de maior quantidade de recicláveis e por conta de comportamentos inadequados de muitos brasilienses.

Oficialmente, estima-se que o Aterro de Samambaia- ASB dure mais 13,3 anos, mas especialistas apostam que não passa de uma década. O SLU já negocia com a Terracap uma área de 600 mil metros quadrados – o equivalente a área de sete superquadras – para a expansão do ASB, o que ampliará a vida útil em mais 20 anos.

Com pouco mais de três anos de vida, o ASB já recebeu 2, 410 milhões de toneladas. Se encontra na segunda etapa, que deve saturar, segundo as previsões oficiais, em outubro desse ano. Duas outras etapas ainda são possíveis até completar a carga total de 8,13 milhões de toneladas de lixo. A valer os números de 2020, ele estará transbordando rapidinho. Só em 2020, cerca de 808 mil toneladas de resíduos foram ali aterradas.

O processamento dos resíduos sólidos não é mistério para ninguém. Há tecnologia para todos os níveis. A própria opção de se criar um aterro que centralize as operações é contestada por muitos especialistas que apontam altas despesas para o lixo “passear” de um lado a outro do DF. Por mês, o GDF gasta R$ 39 milhões com a gestão do lixo. Só a limpeza urbana, varrição, lavagem de pontos de ônibus etc., tinha orçamente previsto de R$279 milhões, em 2020. As três empresas Valor Ambiental, Sustentare Saneamento e Suma levaram do contribuinte candango R$ 338 milhões, ano passado.

Planejamento

Brasília foi pensada em todos os seus detalhes de forma a assegurar uma qualidade de vida diferenciada. E uma das preocupações foi o destino dos resíduos sólidos produzidos pela população local. Engana-se quem pensa que o Lixão da Estrutural sempre existiu. A cidade, desde os seus primórdios, contou com uma usina de processamento, no início da Avenida das Nações. Ali, o lixo orgânico era separado do vidro, metais e outros produtos passiveis de reciclagem. O que era orgânico virava adubo. Uma segunda usina era prevista para o final da Asa Norte, mas nunca foi edificada. Na década de 1980, o então governador José Aparecido fez importar da França e instalar uma segunda unidade na Ceilândia. E ficou por ai, o que cresceu desmedidamente foi o Lixão da Estrutural, que desde a década de 1970 recebeu a maior parte dos resíduos dos brasilienses.

Hoje, as autoridades tentam modelos alternativos para tratar do lixo candango. O lixão ainda recebe cerca de seis mil toneladas/dia de rejeitos da construção civil e de podas. Embora haja tecnologia para o reuso desses rejeitos, seja na produção de tijolos, meios fios e até para pavimentação de ruas, além da produção de adubos orgânicos com as podas de arvores e plantas, para as empreiteiras e demais responsáveis da produção dos rejeitos, sai mais barato jogar tudo isso lá no lixão do que trata-los.

Em 2021, pela tonelada de rejeitos da construção civil jogados no aterro, as empresas pagarão apenas R$ 12,23. Nessas toneladas, há ferro, alumínio, madeira, PVC, enfim uma série de matéria-prima reaproveitável e o resto de concreto, areia, tijolos, etc. também é passível de ser reprocessado para novos fins.

Rejeitos da construção civil podem ser usados na produção de tijolos, bloquetes, meios-fios e aplicados na construção de residências e urbanização de comunidades. A tecnologia existe. O que falta é a decisão política de fazê-lo.

Áreas de transbordos deveriam ser criadas em quantidade adequada para a triagem e reuso dessa matéria prima. Paulo Batista dos Santos – o Paulão da Estrutural -, é gestor do Instituto Mover da Vida, que se propõe a produzir tijolos ecológicos a partir dos resíduos da construção civil. Maquinário, tecnologia, tudo na mão. O que não consegue, é receber aquilo que é jogado fora no velho Lixão da Estrutural.

Assim como o IMV há outras iniciativas que não conseguem deslanchar. Casas poderiam estar sendo erguidas, ruas sendo calçadas a um custo muito mais baixo, com a vantagem de reduzir o entulho que é jogado a céu aberto. Mas a burocracia, a falta de conscientização emperram iniciativas importantes. O próprio aproveitamento para produção de bioenergia a partir do gás, que emana de uma montanha de 55 metros de altura, que se formou ao longo de meio século de existência, já deveria ter acontecido.