Foto de Yan Marcelo

Assim como as demais metrópoles brasileiras Brasília tem experimentado cenário desafiador também no âmbito dos transportes. Refém de um modelo de mobilidade urbana historicamente voltado para o modo rodoviário e transporte individual motorizado e políticas habitacionais excludentes, a ausência de modos alternativos para que as pessoas que residem na região metropolitana promovam seus deslocamentos, ratificam as desigualdades sociais e a população que orbita a unidade polarizadora segue sendo a mais penalizada

 

Por Adriana Modesto*

E o navio tumbeiro cumpre sua rotina pendular, já na alvorada, abarrotado com os degredados da sociedade, no pavimento segue em movimento ondular, mareando o coletivo no Coletivo, sem hora para chegar.

“Trancados no paiol de pólvora, paralisados no paiol de pólvora, olhos vedados no paiol de pólvora, dentes cerrados no paiol de pólvora”1, esta é a rotina da “Brasília Excluída”2, que nem sequer pode gritar, instantaneamente alçada à salvadora da economia, garantidora do 12 anos ou do sapato de sola vermelha, quando indagada por microfones ávidos, Quo vadis? Responde: ao matadouro! Tenho que alcançar…

Amontoados no paiol de pólvora, sufocados no paiol de pólvora, segregados no paiol de pólvora, escandalizados com o paiol de pólvora… A sensibilidade de ocasião soa quase hipócrita, a intempérie sanitária por certo ofereceu desdobramentos: miopias foram corrigidas. Será?

Assim como as demais metrópoles brasileiras Brasília tem experimentado cenário desafiador também no âmbito dos transportes. Refém de um modelo de mobilidade urbana historicamente voltado para o modo rodoviário e transporte individual motorizado e políticas habitacionais excludentes, a ausência de modos alternativos para que as pessoas que residem na região metropolitana promovam seus deslocamentos, ratificam as desigualdades sociais e a população que orbita a unidade polarizadora segue sendo a mais penalizada3,4,5.

Pedem emprego, pedem educação, pedem saúde, pedem cidadania, pedem compaixão!

Contam moedas na carteira, sobe número, desce número, mas o cômputo logo diz: não dá! A “generosidade” republicana promete trem, promete veículo leve sobre trilhos – VLT, promete moradia, promete até vacina, mas tudo segue como está.

Céu cinza, pneu queimado, povo na rua, daí para cá é Goiás, de cá para lá é Brasília, um diz que vai resolver, o outro diz que o problema é alheio, o protesto segue o dia inteiro, mas sabem que de nada vai adiantar.

O crepúsculo chega, todos apertados no paiol de pólvora, todos suados no paiol de pólvora, todos mascarados no paiol pólvora, todos noticiam o paiol de pólvora, mas ninguém quer estar no paiol de pólvora.

Bum!!!!

* Adriana Modesto é Doutora em Transportes, pela UnB; Mestre em Ciências da Saúde, também pela UnB; Especialista em Direito Sanitário, pela Fiocruz; Especialista em Gestão de Saúde, pela UnB; integrante da Rede Urbanidade e usuária cativa do transporte público do Distrito Federal.

Referências 
  1. MORAES, V. e TOQUINHO. (1973). Paiol de Pólvora. In: O Bem Amado. Som Livre.
  2. DOURADO, J. (2019) Uma cidade fragmentada: Brasília expulsiva, expulsa e excluída. III ENANPEGE. A Geografia Brasileira na Ciência-Mundo: produção, circulação e apropriação do conhecimento. De 02 a 07 de setembro de 2019, São Paulo, SP.
  3. VASCONCELLOS, E. A. (2005) A cidade, o transporte e o trânsito. São Paulo, Prolivros, 127p. MEDEIROS, V. A . S. e BARROS, A. P .B. G. (2015) Organização social do território e mobilidade urbana. In: RIBEIRO, R. J. C.; TENORIO, G. S.; e HOLANDA, F. (orgs.). Metrópoles: território, coesão social e governança democrática. Rio de Janeiro, Letra Capital, 346p.
  4. MOVIMENTO NACIONAL PELO DIREITO AO TRANSPORTE PÚBLICO DE QUALIDADE PARA TODOS - MDT. (2015) Mobilidade, Inclusão e direito à cidade: novas conquistas. MDT, 117p.