No entardecer, a ação dos grileiros permitiu levar uma grande quantidade de estacas de madeira para a sustentação do arame que delimitaria a área a ser ocupada. O local é uma zona de transição da vida silvestre. A algumas centenas de metros dali passa o Córrego do Cedro, um dos principais afluentes do Ribeirão do Gama, que deságua no Lago Paranoá, hoje fontes hídrica para o abastecimento da população do Distrito Federal. O tamanho do local equivale a quase dois lotes inteiros do Park Way, cerca de 40 mil metros.

Por Chico Sant’Anna

No Dia Internacional da Mãe Terra, 22/4, grileiros resolveram comemorar a data tentando cercar uma área pública entre os conjuntos 8 e 9, da quadra 26 do Park Way. A ação foi no fim de tarde e só não teve êxito graças ao corajoso desprendimento de moradores e a pronta ação do Conselho de Segurança – Conseg, do bairro.

Operários que trabalhavam no cercamento alegaram terem sidos contratados por uma mulher que havia comprado a área. Área pública, diga-se de passagem. Esse tem sido o modus operandis de invasores de área pública no Park Way. Atuam em fins de semana, feriados ou após às 17 horas, pois sabem que será mais difícil ser alvo de fiscalização das autoridades competentes.

Grileiros usam de todas as técnicas para ludibriar os incautos. Até mesmo o uso de falsos marcadores do Incra.

Supostos corretores de imóveis já foram flagrados na calada da noite oferecendo aos potenciais clientes negócios vantajosos.

Até mesmo falsos piquetes do Incra chegaram a ser encravados no solo para tentar construir uma falaciosa história que outrora ali teria sido uma fazendo não desapropriada por Juscelino Kubitscheck.

Nesse caso mais recente, sem nenhuma preocupação, a ação dos grileiros permitiu levar uma grande quantidade de estacas de madeira para a sustentação dos cabos de arame. O local é uma zona de transição da vida silvestre. A algumas centenas de metros dali passa o Córrego do Cedro, um dos principais afluentes à margem esquerda do Ribeirão do Gama, que deságua no Lago Paranoá, hoje uma das fontes hídricas para o abastecimento da população do Distrito Federal. O tamanho do local equivale a quase dois lotes inteiros do Park Way, cerca de 40 mil metros, e vinha sendo alvo tanto de retirada de terra e cascalho, quanto de despejo de entulho e lixo, segundo mostram as imagens do Google Maps.

Visão da rua da área cobiçada pelos grileiros na SMPW 26.

Esse caso não é isolado é apenas mais uma ilustração das tantas invasões, consolidadas ou tentadas, no Park Way, sem que haja uma pronta resposta, eficaz e reparadora por parte das autoridades.

Moradores tem tido que assumir uma postura de vigilância e enfrentamento que deveria ser de responsabilidade das autoridades. Conseguir uma pronta resposta, seja da Administração Regional, seja do DFLegal ou do Ibram é um trabalho hercúleo. Não há um telefone de emergência para essas tarefas. Uma equipe que seja acionada para agir no ato do ilícito.

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Contrasta com a eficiência demonstrada pelo Poder Público ao retirar barracos de catadores de papel no Setor de Clubes Sul. Para lá, tratores, máquinas, homens dos mais diversos órgãos, inclusive da Policia Militar, foram acionados e o “local foi limpo”, como disse um dos técnicos presentes.

O perímetro foi cercado com estacas de madeira e arame, um campo de futebol se encontra em seu interior e foi plantada a espécime da Caatinga Nordestina, Sanção do campo, comumente utilizada como cerca viva, pois cresce rapidamente, é espinhosa e veda integralmente, tornando impeditiva a entrada.

Já em outras situações, como as do Park Way, impera a burocracia, os protocolos, a necessidade do denunciante se expor publicamente via reclamações na ouvidoria do GDF e ficar vulnerável aos grileiros.

As respostas demoram semanas, as vezes meses e quando chegam, nem sempre é no sentido de preservar o bem público e o meio ambiente. Em dezembro de 2020, por exemplo, moradores registraram a denúncia da apropriação de área pública na quadra 29 do Park Way. Uma área próxima aos cinco mil metros quadrados.

O perímetro foi cercado com estacas de madeira e arame, um campo de futebol se encontra em seu interior e foi plantada a espécime da Caatinga Nordestina, Sanção do campo, comumente utilizada como cerca viva, pois cresce rapidamente, é espinhosa e veda integralmente, tornando impeditiva a entrada. Em abril desse ano, quatro meses depois, o GDF respondeu dizendo que o arame utilizado era liso, e não farpado, e assim não configuraria privatização da área.

Ainda no ano passado, em agosto, um puxadão foi erguido em área pública na Quadra 26. No seu interior, estruturas em alvenaria e metálicas, tais como churrasqueiras, quiosques e outros equipamentos de alto custo. Uma área de cerrado foi desmatada, na verdade raspada até a flor da terra. Tudo foi fechado e privatizado para a implantação dessa área de lazer particular. Denúncia feita, decorridos oito meses, nada foi removido, o puxadão da alegria continua firme e forte.

Vale lembrar que todas esses casos estão inseridos na Área de Proteção Ambiental Gama-Cabeça do Veado (APA) que em tese requer maior e melhor atenção por parte das autoridades devido a sua importância e sensibilidade ambiental.

O puxadão da alegria continua firme e forte em área pública, sem ser importunado pela fiscalização do Poder Público.

Parece que vemos no GDF a mesma política federal de fazer passar a boiada, enquanto todos estão corretamente preocupados com a Pandemia da Covid-19.

E a boiada passa com mais eficiência para uns do que para outros. Há três décadas, o GDF foi condenado no âmbito da Ação Civil Pública ACP nº. 14.662/1991 a desocupar e proteger áreas do Park Way, dentre elas a região da Vargem Bonita e o local das nascentes do Córrego do Mato Seco.

Dizia a sentença: “fazer, consistente, na regularização de áreas de proteção ambiental, na Região do Park Way e Vargem Bonita, impedindo o prosseguimento de atividades humanas tendentes ao desmatamento de matas de galeria, retirada irregular de terra e cascalho, lançamento de esgoto in natura nos cursos de água, bem como as que impliquem no desacato à legislação ambiental.”

Nada foi feito. Ou melhor, muita coisa aconteceu nesses 30 anos. Casas foram erguidas, cerrado e matas de galeria foram devastados, paredes de tijolo erguidas. De nada adiantaram queixas, reclamações, denúncias. A grilagem parece ter mais força. Nem mesmo a transformação do local das nascentes em um Parque Ambiental – proposta aprovada pela Secretaria do Meio Ambiente – saiu do papel.

O desmantelo das estruturas de fiscalização parece ter caído como uma luva. As estruturas existentes, como DFLegal e Ibram não dão a resposta necessária, nem na rapidez que os fatos exigem, nem no cumprimento do zelo do bem público. A pergunta que fica é até quando a boiada vai passar tranquilamente.