No momento em que os governos federal e do DF confirmam a Capital Federal como sede, a secretaria de Saúde registrava 406.739 casos, sendo que desses 8.692 vieram a óbito. Todas as unidades de Saúde estão funcionando sob pressão. Até mesmo o Hospital de Base teve que desativar leitos de UTI por falta de recursos materiais e humanos. Nos dez países sul-americanos que participam desse certame já morreram 776 mil pessoas, vítimas da Covid. O total de casos confirmados atinge a escabrosa estatística de 429 milhões de cidadãos sul-americanos.

Texto e foto por Chico Sant’Anna

Mais um bola fora de Jair Bolsonaro e, de tabelinha, de Ibaneis Rocha. Tudo indica que a Copa América vai acontecer mesmo no Brasil. Mesmo diante de quase 500 mil mortes no Brasil, durante um mês inteiro, de junho a julho, cerca de 650 atletas, preparadores e outros profissionais, vindo dos quatro cantos do Planeta, estarão circulando de ponta a ponta no Brasil. Alguns governadores, como o do Rio Grande do Sul, Pernambuco e Rio Grande do Norte, se apressaram e corretamente se posicionaram contra. Na Capital Federal, o governador Ibaneis Rocha também foi ágil, mas para agradar Jair Bolsonaro. Disse não haver problemas de o Distrito Federal abrir a porta para a potencial entrada de novas cepas. Além de Brasília, Goiânia, Cuiabá e o Rio de Janeiro deverão abrigar os jogos.

A ansiedade de assegurar circo aos brasileiros – já que falta pão – levou o governo brasileiro a ignorar a experiência norte-americana com a Bolha da NBA (Disney Bubble ou Orlando Bubble). Um esquema de guerra e um investimento de US$ 170 milhões levantaram a redoma em um resort dentro do complexo da Disney, em Orlando, na Florida (EUA). Três meses depois, no dia da final da principal liga de basquete do mundo, entre Los Angeles Lakers e Miami Heat, a bolha se mostrava um grande sucesso, sem que um único caso de contaminação fosse registrado. Mas o modelo concentrou todos os jogos em um único lugar, sem deslocamentos pelo país e todas as equipes hospedadas no mesmo ressort.

Quase 9 mil mortes no DF

No momento em que os governos federal e do DF confirmam a Capital Federal como sede, a secretaria de Saúde registrava 406.739 casos, sendo que desses 8.692 vieram a óbito. Para que se tenha uma ordem de grandeza, é como se a população de quatro super-quadras morresse. Brasília está longe de ser um exemplo no bom desempenho da cobertura vacinal. As estatísticas a colocam entre a nona e a décima posição, dentre as unidades da federação. Estados com melhor cobertura vacinal rejeitaram a idéia de receber a Copa América. Dentre as outras sedes, o Rio de Janeiro está na décima-quinta posição e Goiás na décima-sexta. Mato Grosso está na vigésima posição, dentre as 27 unidades federativas. Na Capital Federal, todas as unidades de Saúde estão funcionando sob pressão. Até mesmo o Hospital de Base teve que desativar leitos de UTI por falta de recursos materiais e humanos.

Nos dez países sul-americanos que participam desse certame já morreram 776 mil pessoas, vítimas da Covid. O total de casos confirmados atinge a escabrosa estatística de 429 milhões de cidadãos sul-americanos. Dessa maneira, a terceira onda que estar por chegar deve ser ainda mais cruel.

Não adianta dizer que haverá protocolos rígidos. Mesmo que todo mundo fosse vacinado hoje, 1º de junho, o prazo mínimo de 15 dias não seria respeitado, pois os jogos começam em 12 dias. Certamente, as trupes chegarão alguns dias antes. Além disso, dizem os especialistas, mesmo vacinadas, as pessoas podem transmitir a Covid-19. Com jogos em Mato Grosso, vai ficar dificil impedir a entrada de paraguaios e bolivianos pelas fronteiras secas. Quem irá fiscalizar os 16.885 km de fronteira que o Brasil tem com dez países da América do Sul. Em tempos normais, nossas autoridades não conseguem coibir o contrabando, trafico de drogas, de armas e até de seres humanos.

Esses números demonstram, além da crueldade da Covid-19, que são grandes os riscos de que a contaminação se amplie em Brasília e no Brasil, em decorrência da Copa América. Autorizar a Copa América no Brasil pode ser um abrir de porta para a Cepa Indiana ou outras variantes que poderão estar em fase de mutação. No Maranhão, um único marinheiro que estava em um navio cargueiro provocou um estrago sanitário grande.

Vale lembrar ainda que muitos atletas estarão vindo de nações de fora da América do Sul. Jogadores que atuam para clubes europeus, norte-americanos, asiáticos. Em suas bagagens, novas variantes poderão entrar no Brasil. Nunca devemos esquecer que a chikungunya aportou em solo nacional quando da realização da Copa das Confederações.

Além de atletas, uma trupe de jornalistas, radialistas, técnicos em transmissão, dentre outros, deve vir de todos os cantos do mundo. Ai também mais uma vulnerabilidade, pois o monitoramento de tantos profissionais, circulando por todo o Brasil, acompanhando os jogos, é quase que impossível.

E o que Brasília ganha com isso?

Nada. À exceção do consórcio ArenaBSB, que certamente ganhará seus tostões pelo uso do Mané Garrincha, não haverá ganhos significativos que justificassem essa decisão. Para o GDF, sediar os jogos deve representar maior dispêndio de recursos públicos, notadamente em segurança pública, logística e até Saúde. Tradicionalmente, cidades sedes de competições internacionais devem assegurar serviços de segurança, bombeiros e saúde. Recursos que poderiam estar sendo usados para minimizar os danos da Covid. Será que o Tribunal de Contas do DF irá se posicionar sobre isso?

O turismo pouco ou em nada será afetado, já que o público não poderá assistir aos jogos. Salvo os amigos dos poderosos que, como tem acontecido em jogos da Libertadores, ganham convites especiais para assistir jogos em camarotes com muita mordomia.

Sem um VAR a quem possa recorrer, o brasiliense continuará enfrentando a Covid de peito aberto, nos ônibus e metrôs super lotados. Na falta de renda e no desemprego. O pior é que com jogos na Capital Federal dificilmente a Covid vai acabar em dois tempos e poderemos ter uma prorrogação por tempo indefinido. Pelo visto, a sigla CBF ganha agora um novo significado: Covid no Brasil é Fácil

Pode isso?