Ao desviarem as finalidades típicas de Estado em proteger a saúde e vida das pessoas, todos os corruptos deveriam ser julgados e punidos severamente. Além da punição, deveria ser possível, que as instituições educacionais, movimentos sociais, organizações civis em parceria, disseminassem outra cultura ética e assumissem compromissos com a correta prestação do serviço público e com o uso do nosso dinheiro, embora tenhamos consciência que não é um grande desafio eliminar as várias dimensões da corrupção, tanto as silenciosas como as escancaradas.

Por Maria Fátima de Sousa*

As relações público privadas perderam os limites de suas fronteiras. Os bens públicos passaram a servir ao enriquecimento ilícito, em redes orgânicas de corrupção. Mais que abuso de poder econômico em benefício próprio, familiar e entre “amigos”, a corrupção ruidosa mata, em passos galopantes, a alma das instituições e dos seus agentes. Ou seja, o ato ou efeito de corromper alguém com a finalidade de obter recursos, vantagens, benefícios ou poder em troca de contrapartidas e por meios de conchavos mediados em bares ou choperias, considerados ilegais ou ilícitos, provoca danos catastróficos, letais, irreparáveis à sociedade. Um desserviço ao Estado democrático de direito.

Na última semana assistimos mais uma avalanche de depoimentos da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI da COVID 19, reabrindo os cofres da “face oculta” da corrupção praticada pelos altos comandantes e escalões dos governos Federal e Distrital. As revelações ou omissões dos depoentes na CPI, envergonham a toda a nação e trazem consigo efeitos gravíssimos. Pois a malversação, desvio de recursos públicos por meio de superfaturamento das compras de insumos estratégicos aos serviços públicos, tem causas e consequências diretas com o aumento da pobreza, desemprego, fome, diminuição nos investimentos na educação, ciência, tecnologia, e na saúde, atingida na jugular.

Ao desviarem as finalidades típicas de Estado em proteger a saúde e vida das pessoas, todos os corruptos deveriam ser julgados e punidos severamente. Além da punição, deveria ser possível, que as instituições educacionais, movimentos sociais, organizações civis em parceria, disseminassem outra cultura ética e assumissem compromissos com a correta prestação do serviço público e com o uso do nosso dinheiro, embora tenhamos consciência que não é um grande desafio eliminar as várias dimensões da corrupção, tanto as silenciosas como as escancaradas.

Todavia, é imprescindível que se promovam ações públicas mais severas e que se alinhem estratégias de transparência (accountability), fiscalizações e controle dos conselhos setoriais, prestações de contas aos órgãos de controle, mas, principalmente, ao povo que delegou aos agentes públicos algumas responsabilidades, entre elas, administrar seus patrimônios. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o melhor exemplo para o momento.

O SUS não foi criado por governos, nem por partidos, mas sim, pelos diversos movimentos sociais. A maior política pública do mundo que, depois de 33 anos de sua implantação, apesar do desfinanciamento crônico, ainda assim salvou muita gente ao longo dessas décadas. E hoje, diante da maior pandemia da história da saúde pública, segue vital para evitar mais genocídios.

O recente depoimento do ex-presidiário e ex-secretário de Saúde, revela uma corrupção escandalosa, nojenta, recheada de crimes contra a saúde pública. Revela um jogo de palavras que visa, nada mais que o confundimento da população diante das câmeras abertas do Senado Federal.

Passou da hora de eliminar dos espaços públicos e privados a cultura do tal “jeitinho brasileiro”. Essa é a semente podre das ervas daninhas que ampliam os vírus em ambientes de pessoas que naturalizam sonegação de impostos, furtar sinal de TV a cabo, furar a fila, usurpar o trabalho do outro, falsificar currículos, plagiar teses, descumprir acordos, desconstruir a imagem uns dos outros e por aí vai. A lista das corrupções silenciosas ou escancaradas é grande, e precisa ficar na página das tristes épocas de um tempo sombrio que teremos que lembrar sempre, para que não se repita.


Enfermeira sanitarista, professora associada do Departamento de Saúde Coletiva, da Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade de Brasília.