Pelas informações contidas na ação civil, as novas edificações na expansão do bairro, denominada Alto Mangueiral, passariam a ser de seis andares e, considerando a área, 400 hectares, pode se supor que o novo bairro comportaria moradias para 90 mil pessoas. População superior a do Sudoeste ou mesmo de toda a Asa Sul, por exemplo.

Por Chico Sant’Anna

O projeto habitacional Alto Mangueiral, localizado próximo a São Sebastião, foi parar nas barras dos tribunais. A vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal analisa uma ação civil pública, impetrada pela deputada distrital Julia Lucy (Novo), que pede a interrupção do projeto sob responsabilidade da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab/DF). O principal questionamento em relação ao novo bairro é a sua proximidade com o Complexo da Papuda e da Penitenciária Federal do DF, onde estão presos Marcos Camacho, mais conhecido como Marcola, e outros líderes de uma das principais organizações do crime organizado brasileiro, o Primeiro Comando da Capital – PCC.

Entretanto, apesar da Codhab já ter lançado edital de cadastramento de potenciais moradores, o projeto ainda não foi aprovado, segundo informam técnicos das secretarias de Meio-Ambiente e de Desenvolvimento Urbano e Habitação, ao crivo dos Conselhos de Política Ambiental do Distrito Federal – Conam e ao de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal – Conplan.

A área de aproximadamente 400 hectares, onde segundo a parlamentar o GDF pretende edificar prédios de até seis andares, foi anteriormente destinada a criação do Parque Ecológico do Mangueiral. Ela fica exatamente entre o atual bairro e o complexo prisional. Projeto-de-lei, nesse sentido, de autoria do deputado João Cardoso (Avante) – que profissionalmente é auditor fiscal do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) -, chegou a ser aprovado pela Câmara Distrital do DF, mas em maio passado foi vetado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB).

Na ação civil pública, a distrital Julia Lucy (Novo) aponta a área delimitada em amarelo como sendo a área do empreendimento da Cochab e questiona a proximidade com a Papuda e a Penitenciária Federal, onde estão presos líderes do Primeiro Comando da Capital – PCC.

Jardim Mangueiral

Por sua vez, a Cofhab-DF diz que a distrital misturou Expansão do Mangueiral com Alto Mangueira, que na verdade é o antigo Bairro Nacional de São Sebastião e estaria longe da Papuda.
Pelas informações contidas na ação civil, as novas edificações na expansão do bairro, denominada Alto Mangueiral, passariam a ser de seis andares e, considerando a área, 400 hectares, pode se supor que o novo bairro comportaria moradias para 90 mil pessoas.

Iniciado no governo de José Roberto Arruda, por meio de uma Parceria Público Privada – PPP, com um consórcio liderado pela construtora Odebrecht, o Jardim Mangueiral deslanchou mesmo foi no governo de Agnelo Queiroz, quando a maioria das suas oito mil residências foi entregues. Ele se vale de uma área da antiga estatal Pró-Flora, extinta no governo de Cristovam Buarque, que usou a área para reflorestamento com mangueiras, cujas frutas eram exportadas para a Europa. Do grande bosque de mangueiras, surgiu a denominação do bairro. Estima-se hoje uma população de cerca de 30 mil moradores, em área de aproximadamente 200 hectares. São pequenos prédios de quatro andares, sem piloti, e casas unifamiliares de dois andares.

Ação civil

Pelas informações contidas na ação civil, as novas edificações na expansão do bairro, denominada Alto Mangueiral, passariam a ser de seis andares e, considerando a área, 400 hectares, pode se supor que o novo bairro comportaria moradias para 90 mil pessoas. População superior a do Sudoeste ou mesmo de toda a Asa Sul, por exemplo. Essa alta densidade demográfica preocupa técnicos da secretaria de Meio-Ambiente – Sema, pois a área foi classificada pela Lei de Zoneamento Ecológico e Econômico – ZEE na categoria “zona sensível”. Sua ocupação poderia trazer riscos ecológicos, notadamente na recarga de aquíferos e risco alto de contaminação do subsolo, sem mencionar o impacto da retirada da vegetação natural de cerrado na fauna e na flora locais. “Um projeto dessa magnitude demandaria uma rede de esgotamento sanitário por parte da Caesb, o uso de fossas não atenderia às necessidades, já que a densidade populacional não será baixa” – explica um técnico do GDF que preferiu não se identificar.

Apesar de ainda não ter cumprido todas as exigências legais para a sua existência, os imóveis já estão sendo ofertado por cooperativas e entidades corporativas. No portal do Sindicato dos Policiais Civis do DF – Sinpol, em 15 de junho de 2021, os imóveis do Alto Mangueiral são ofertados em três modalidades:

  • Apartamentos de dois dormitórios com suíte, área de 56m², vaga de garagem em prédio de seis andares com elevador. Valor: R$ 240 mil;
  • Apartamentos de três dormitórios com suíte, 68m², vaga de garagem em prédio de seis andares com elevador. Valor: R$ 260 mil; e
  • Casas de três dormitórios, não germinadas em lotes de 128m². Valor: R$ 280 mil.

O padrão de seis andares assusta as autoridades penitenciárias federais e do DF. “Outro ponto importante é a distância entre o Bairro e o Presídio Federal, a qual compreende aproximadamente 1km, o que segundo especialistas, é um risco a segurança tanto dos moradores, quanto para os servidores que trabalham no complexo penitenciário, e ainda a todos custodiados. […] Em 16 de abril deste ano, um despacho da secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal apontou fragilidades do projeto “Expansão do Mangueiral” com um possível impacto ao Sistema Penitenciário do Distrito Federal (SPDF)” – afirma a parlamentar na petição. E complementa, ao salientar que, por meio do ofício nº 161/2021 do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Departamento Penitenciário Nacional e a Diretoria do Sistema Penitenciário Federal se manifestam contrariamente ao projeto de expansão habitacional.

Para as autoridades penitenciárias federais, um projeto habitacional entre o Jardim Nagueira e a Papuda, com prédios de seis andares, permitirá por parte do crime organizado realizar técnicas de ações de busca como infiltração penitenciária, monitoramento ambiental, reconhecimento, recrutamento operacional, vigilância,

Mirante para o crime

Prédios tão altos como deseja a Codhab podem se transformar em verdadeiros mirantes para que criminosos monitorem as rotinas internas da Papuda e da Penitenciária Federal. “O projeto possivelmente permitirá a construção de prédios de até seis andares, assim, pela proximidade dos limites das unidades prisionais, permitindo por parte do crime organizado realizar Técnicas de Ações de Busca como infiltração penitenciária, monitoramento ambiental, reconhecimento, recrutamento operacional, vigilância, etc. Dessa forma ocorre o comprometimento das seguranças de pessoal, documentação, instalações, material, operações e de toda movimentação de entrada e saída do Complexo”, diz o documento, assinado pela Diretoria de Inteligência Penitenciária e Núcleo de Operação de Inteligência.

Publicado conjuntamente na coluna Brasília, por Chico Sant’Anna, do semanário Brasília Capital

Dois Mangueirais

A Codhab alega nos autos do processo que a deputada está equivocada e que confunde dois projetos habitacionais: “Alto Mangueiral” com a área denominada “Expansão do Mangueiral”, e que o Alto Mangueiral não é próximo das penitenciárias. Em relação à Expansão do Mangueiral, diz a Codhab que apenas iniciou estudos de viabilidade para implantação de programa habitacional e que não há nenhum projeto, ação ou edital em andamento com vistas a execução de empreendimento na localidade. Alega ainda que o Edital de Chamamento nº 02/2021, que lançou, trata-se apenas de “chamamento público para manifestação de interesse”, para avaliar a demanda existente por moradias naquela área e que a eventual a habilitação de candidatos em programas habitacionais, enquanto não cumpridas todas as fases previstas em lei, não constitui direito adquirido a imóvel, mas mera expectativa de direito.

Diz a parlamentar distrital que a área do novo empreendimento já está sendo demarcada sem que a comunidade tenha sido auscultada. Essa tem sido uma marca da gestão Ibaneis. Mesma reclamação provém de moradores do Lago Sul, Norte e Park Way quanto às mudanças na Lei de Uso e Ocupação do Solo – Luos, que na proposta de Ibaneis Rocha permitiria a transformação de imóveis residenciais em empresariais, nesses três bairros.

Pdot

Ex-secretário de Habitação do governo Agnelo Queiroz, Geraldo Magela, em cuja gestão foi concluída a maior parte do projeto Jardim Mangueiral, alerta que a lei do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF – PDOT caducou em 2019 e que todo e qualquer novo empreendimento urbanístico como esse no Mangueiral, bem como o bairro do Jóquei Clube e do Pátio Ferroviário, dentre outros, deveria aguardar a aprovação de um novo PDOT. “Só o Pdot pode conceder uma noção de conjunto da expansão urbana no DF, evitando que iniciativas esparsas tragam depois, no conjunto, reflexos urbanísticos e ambientais danosos” – explica.

Julia Lucy afirma que a iniciativa do GDF configura “lesão aos interesses da ordem urbanística, uma vez que viola legislação atinente ao caso”, uma vez que busca expandir o bairro, sem, contudo, compartilhar e fornecer informações importantes a população, tais como, processo de licenciamento ambiental, autorizações dos órgãos federais de segurança pública, dado que a área na qual será implantado os novos bairros é limítrofe ao Presídio Federal e o complexo penitenciário da papuda.

Pelos informes disponíveis na documentação encaminhada a Vara do Meio-Ambiente, as moradias se destinam à população de baixa renda e seriam executadas pela iniciativa privada por meio de Parceria Público Privada PPP. Diante desse perfil do empreendimento, chega até surpreender que a parlamentar do Novo tenha se insurgido contra o projeto, já que a cartilha liberal do partido defende a presença cada vez maior da iniciativa privada nas ações de políticas públicas, como é a moradia.

O Juiz Carlos Maroja, da vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal aguarda agora o posicionamento do GDF, na pessoa do governador Ibaneis Rocha, para então deliberar sobre o futuro do projeto.