Auditoria interna do próprio IGES constatou a farra e a falta de planejamento e gestão no instituto responsável pelos hospitais de Base e de Santa Maria, além de seis UPAs. Segundo relatório a que esta coluna teve acesso, a aquisição de produtos “de natureza fútil e frívolos” era constante.

Chico Sant’Anna

O Instituto de Gestão Estratégica em Saúde (IGES-DF) apresenta um rombo de mais de R$ 300 milhões. Um terço desse montante se refere ao não recolhimento da contribuição da Previdência Social, do Imposto de Renda retido na fonte e do FGTS dos trabalhadores da Saúde. Fosse uma empresa privada, seus gestores estariam na cadeia por apropriação indébita. Descontar do salário dos trabalhadores a contribuição do INSS e do Imposto de Renda na fonte e não recolher ao Tesouro é crime. No lugar de eficiência administrativa, o IGES é hoje modelo de gastança sem controle e em proveito de poucos. Agora, a nova denúncia se refere aos gastos sem controle dos cartões corporativo emitidos pelo BRB em nome de gestores do Instituto.

O IGES-DF foi criado sob a propaganda de que seria um instrumento eficaz de gestão, tornando a administração pública mais ágil e econômica. O discurso do governador Ibaneis Rocha, então, era o de que as amarras das regras do serviço público tornavam a gestão da Saúde impossível. Passados quase três anos, percebe-se que sem regras de transparência pública o descalabro com verbas públicas é total. Auditoria interna do próprio IGES constatou a farra e a falta de planejamento e gestão no instituto responsável pelos hospitais de Base e de Santa Maria, além de seis UPAs. O IGES informa que, em 16 meses de uso, foram gastos com 8 cartões, R$ 643,3 mil. Segundo o relatório a que esta coluna teve acesso, o que chama a atenção é que a aquisição de produtos “de natureza fútil e frívolos” era constante.

De maneira geral, os auditores constataram o que poderia ser chamado de a farra do cartão corporativo. Em 17 de fevereiro de 2020 o cartão foi usado na Havan para “aquisição de produtos de copa, tais como copos, lixeiras de inox, talheres, entre outros, para a copa da presidência do IGES-DF”. Dez dias depois, o enxoval da presidência foi complementado com louças e travessas adquiridas numa importadora. No mês seguinte, as copeiras do então presidente ganharam uniformes para trabalhar.

Chamou a atenção a pluralidade das despesas. Até o funeral de uma funcionária foi pago com o cartão, destaca o relatório. Comprava-se de pizzas a próteses faciais, demonstrando que o planejamento da aquisição de insumos hospitalares era inexistente.

“Observou-se que as despesas realizadas se misturam com o caráter emergencial e o uso indiscriminado para aquisição de produtos não compatíveis com a finalidade do Instituto, que é a garantia de prestação de serviços de saúde do DF com qualidade e efetividade”, diz o relatório.

Publicado conjuntamente na coluna Brasília, por Chico Sant’Anna, no semanário Brasília Capital, edição 534.

Compras sem licitação

Os cartões eram quitados com dinheiro do Suprimento de Fundos. Sem a necessidade de licitação ou mesmo tomada de preço, os portadores do cartão do Iges compravam desde balas toffee e chás até materiais de construção, de expediente e de informática – itens que deveriam ser alvo de uma compra planejada e duradoura. Também locaram geradores de energia para as UPAs do Núcleo Bandeirante e de Sobradinho.

Os auditores afirmam que nos processos faltam informações referentes às prestações de contas por quem usou os cartões corporativos. Mas foi possível verificar que eles tiveram um uso bastante alternativo.

Eram pagas “aquisições e contratações de forma indiscriminada como rotina setorial, tanto para bens de consumo, materiais permanentes e contratação dos mais diversos serviços, não havendo o respeito com o que preceituam os princípios do uso de recursos públicos, como transparência, competitividade, impessoalidade e economicidade”, dizem os auditores.

Auditores encontraram diversas despesas com a aquisição de coffe-break, lanches, bolos, salgados e doces em múltiplas unidades da rede de Saúde, administrada pelo Iges-DF e pagas com cartão corporativo. Foto meramente ilustrativa.

De coffee break a pizzas

Enquanto o usuário da rede pública enfrenta a falta de medicamentos e suprimentos, e os profissionais de Saúde de Santa Maria precisam usar protetores de sapatos, tipo pró-pé como se fossem tocas cirúrgicas, a lista de gastos bancados com o cartão era composta de lanches, produtos de coffee break, suprimento das copas, refeições para colaboradores, panetone, pães, doces, salgadinhos, docinhos, tortas e pizzas.

Pra consumir tudo isso, claro, foi preciso alugar ou comprar, com os mesmos cartões, cadeiras, louças, mini bomboniere e até refrigeradores novos. Lembra a Controladoria que não há necessidade de se pagar refeições aos profissionais do IGES, pois eles recebem vale alimentação.

Passagem, hospedagem e Uber

Mesmo na existência de um contrato com uma cooperativa para transporte de pequenos volumes e passageiros, o Iges usava o cartão para contratar transporte por aplicativo, conforme salienta o parecer. “Houve também a verificação de despesas com serviços de passagem e hospedagem para terceiros, sem as devidas instruções processuais da prestação de contas […] e uso de serviços de transporte por aplicativo para trechos de rotina, o que compromete os valores institucionais, pois os colaboradores devem se deslocar por meios próprios, a exemplo dos demais”.

Os auditores apontam que esse descontrole impacta diretamente no processo de planejamento e orçamento do Instituto, o que compromete o equilíbrio de suas contas, porque são despesas, muitas vezes, desnecessárias e impróprias, não emergenciais, que não estão cumprindo os ritos de contratações previstos nos regulamentos institucionais, desrespeitando os princípios mais básicos da gestão de recursos públicos.

A Controladoria interna diz que a direção do IGES levou 43 três dias para reagir ao relatório e enviou a um órgão inferior que levou mais dois meses para fazer um relatório que indagava o que a direção desejaria que fosse feito.

No relatório, datado desse ano, a Controladoria interna do IGES afirma não saber que fim deu a farra dos cartões. A esta coluna, a assessoria de Comunicação do Iges-DF informou que a adoção dos cartões visava facilitar a administração interna, mas que o Instituto encaminhou todas as recomendações feitas pela Controladoria Interna e que o uso de cartão corporativo foi extinto em março desse ano.