Gestão do Cine Brasília será entregue à instituição privada. Foto de Tony Winston/Agência Brasília

Além de uma remuneração paga pelo GDF, as entidades escolhidas para gerir as duas unidades culturais poderão captar patrocínio. Não há qualquer exigência de as organizações sociais civis escolhidas invistam recursos próprios ou captados junto a terceiros no projeto. Segundo o secretário de Cultura, Bartolomeu Rodrigues, os atuais servidores lotados no Cine Brasília e na Rádio Cultura não continuarão atuando nesses espaços e retornarão para os quadros da secretaria de Cultura.

Por Chico Sant’Anna

De uma só tacada, numa mesma semana, a secretaria de Cultura do DF lança dois editais que na prática visam a privatização da gestão do Cine Brasília e da Rádio Cultura. Depois do Hospitais de Base e de Santa Maria, seis UPAs, do Complexo Desportivo do Mané Garrincha e da CEB, essa é mais uma demonstração da falta de compromisso do atual governo com o patrimônio de Brasília. Um governo liderado por quem prometia não privatizar.

A criatividade engenhosa do Buriti batizou a privatização com o nome de “gestão compartilhada com um organização da sociedade civil (OSC)”. No caso do Cine Brasília, que a própria secretaria denomina “tradicional templo do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro”, serão destinados a organização escolhida R$ 2 milhões para cuidar da programação e gestão durante 14 meses.

Já pra Cultura FM, o valor é de R$ 1,5 milhão para cobrir durante um ano as despesas de operação, produção, transmissão multimídia e integração em redes colaborativas culturais. A organização selecionada deverá apresentar projeto com ações de modernização para a Rádio Cultura, incluindo o fomento a novas formas de produção de conteúdo e definição de estratégias de aproximação da emissora com o público.

Para ler mais sobre as privatizações do governo Ibaneis Rocha, leia aqui:

Embora as duas unidades sejam detentoras de patrimônio e equipamentos importantes os respectivos editais não exigem um capital mínimo da OSC para cobrir eventuais danos, nem mesmo um seguro. Os editais não esclarecem a quem caberá o custeio de despesas como Ecad (direitos autorais), água, luz, e outras despesas de manutenção, visto que os imóveis onde funcionam as unidades são do poder público.

O pagamento da OSC selecionada para a rádio será feito antecipadamente e de uma só vez, em janeiro de 2022. Não há no edital qualquer impedimento de que a nova gestora obtenha apoio material e financeiro, mesmo que a título de apoio cultural, para suplementar suas receitas, pelo contrário, ela deverá apresentar um planejamento de captação de patrocínio. Não se sabe como essa busca de apoio publicitário irá interferir no estilo da programação da emissora. Até porque, muito simplório, o edital não deixa claro que estilo musical e padrão de programação a gestora deverá promover.

A Cultura FM está no ar há 33 anos, já foi o berço das bandas de rock da cidade, era um braço de popularização da Orquestra Sinfônica de Brasília, depois, em um dos governos de Joaquim Roriz, teve sua programação toda revirada, priorizando o sertanejo. Funciona ao vivo, operando da sede do Espaço Renato Russo, todos os dias da semana, 24 horas no ar, levando músicas e informação para os ouvintes do Distrito Federal

Segundo o secretário de Cultura, Bartolomeu Rodrigues, os atuais servidores lotados no Cine Brasília e na Rádio Cultura não continuarão atuando nesses espaços e retornarão para os quadros da secretaria de Cultura.

Contrapartida

Não há qualquer exigência de a OSC escolhida investir recursos próprios ou captados junto a terceiros no projeto. No caso da FM, a contrapartida exigida é repassar ao acervo da emissora toda produção feita durante os doze meses de colaboração. O atual diretor da emissora, Walter Silveira, comemora e, segundo nota distribuída pela secretaria, teria “alfinetado os que sempre vaticinam a morte do rádio”.

“Ao contrário do que muitos dizem, o rádio continua a ser um importante veículo de comunicação, por ter agilidade muito grande e ressurgir renovado nesse novo cenário da web, com a proliferação de podcasts e uso de imagens e vídeos ao lado de música e informação”.

Cinema

Com capacidade para 619 espectadores, o Cine Brasília, projetado por Oscar Niemeyer, possui equipamentos caros e sofisticados, como um projetor Cinematográfico Digital 2K, sistema de sonorização Dolby 7.1, composto de quinze caixas de som e um processador digital – Dolby O Edital não menciona qualquer exigência da preservação e boa guarda desse patrimônio. Não há, nem mesmo, detalhamento de quais serão exatamente as atividades e responsabilidades da parceira gestora a ser escolhida. Não há menção específica em relação ao Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que o Cine Brasília sedia todos os anos. Também não esclarece qual o destino das rendas de bilheteria, se ficarão com a OSC escolhida ou continuarão dirigidos à secretaria de Cultura.

Da mesma forma da Rádio, não há exigência de contrapartida por parte da OSC e o pagamento pelos serviços da parceria dar-se-á em uma só parcela, adiantada, quando da assinatura do contrato de colaboração. Além disso, a instituição selecionada poderá captar patrocínio e realizar parcerias com empresas públicas e privadas de forma a ampliar sua receita.

Membro do Conselho Curatorial da Rádio Cultura e diretor do sindicato dos Jornalistas, Marcos Urupá, condena a privatização e denuncia que o edital não foi submetido ao Conselho.

“Qualquer proposta que venha terceirizar um serviço essencial como é o de uma rádio, é danosa. Colocar a gestão da Rádio Cultura nas mãos de uma OSC significa privatizar a prestação de um serviço público. É preciso fortalecer institucionalmente a Rádio Cultura. Ela presta um serviço essencial para a sociedade. Ao invés de fazer parceria com uma OSC, o governo poderia criar uma empresa pública, ou uma Fundação pública de direito privado, o que daria robustez institucional para a rádio, permitiria a realização de concursos públicos, e daria segurança jurídica para que ela atendesse a população do DF” – diz ele.

A justificativa do GDF é o discurso que se vê por todas as partes, no sentido de que o Estado é mal gestor. “São muitos equipamentos e o Estado não possui capacidade de gerir todos ao mesmo tempo, por todas as limitações existentes” – afirma o secretário de Cultura, Bartolomeu Rodrigues, que contudo nega tratar-se de privatização, pois o GDF no controle dos espaços.

“A experiência mista tem se mostrado mais viável e resulta em benefício para o usuário-população. Quando o Estado precisa trocar uma lâmpada precisa licitar e seguir procedimentos que emperram qualquer administração. Por exemplo, até hoje o cine recebe o valor do ingresso em dinheiro porque não pode colocar uma máquina de cartão. Simples assim. A experiência não é nova. Até recentemente, o espaço Renato Russo era gerido por uma instituição, com muito êxito, por sinal