Por Graco Santos*

Tem dias que a gente sente
Como quem partiu ou morreu
A W.3 estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu…
Tem gente que tem certeza que ela está pela “hora da morte”, nas não, a W.3 não morreu. Ela está muito doente. Quando falamos que uma rua ou avenida está ruim, não estamos falando da qualidade do asfalto, não estamos nos referindo às fachadas feias ou edifícios velhos e mal iluminados. Isso não é a doença. Isso são os sintomas. Essas são as consequências da doença, são os sinais de que aquele lugar da cidade não está nada bem.
A W.3 estava, até outro dia desses, como um doente terminal nos corredores de um hospital. Trazê-la à vida novamente requer que a tratemos como se estivesse em uma UTI. Serão necessárias algumas cirurgias, teremos que ministrar vários medicamentos e remédios, ela ainda vai precisar passar por um ou outro processo, digamos, terapêutico – e será necessário aguardar para ver como ela vai reagir a todo esse tratamento.
O GDF fez uma parte importante, e admitimos que até dia desses estava fazendo direito a parte que lhe cabe – está cuidando da parte mais dispendiosa, a etapa cirúrgica – das calçadas, da acessibilidade para as pessoas com deficiência – está fazendo rampas para que os cadeirantes possam autonomamente utilizar as calçadas. Instalou paraciclos para que os ciclistas possam se sentir seguros ao deixar por ali as suas bicicletas, e até bancos novos foram vistos. O GDF prometeu ainda arrumar algumas praças lindeiras à combalida avenida.
Se você notar, e para notar você não pode estar dentro de um carro, ela já começou a melhorar de aparência. Você anda por lá, e ela já está com outra “roupagem”. Ainda está em coma, mas está ligeiramente mais corada em alguns lugares.
Saiba que trazer à vida (revitalizar é o termo correto) uma avenida como a W.3 não se dá do dia para a noite. É como se fosse mesmo um enfermo que precisa se recuperar de um longo coma. É um processo lento. As cirurgias são as grandes obras no tecido urbano, os medicamentos são os detalhes que também são importantes – os postes, a sinalização, a pintura das placas, os grafites. Restam os processos terapêuticos – a terapia urbana.
A terapia urbana, aplicada neste caso, é exatamente a dinâmica da rua de lazer aos domingos e feriados que o GDF acabou de extinguir, era justo o Viva W.3 que permitia um contato entre o paciente e seus “terapeutas”. A rua de lazer é mais que um lugar de recreação – daí a confusão que, algumas pessoas mal informadas, fazem com o Parque da Cidade. Uma rua normal, durante a semana, é um lugar onde eventualmente encontramos as pessoas, uma rua de lazer potencializa esses encontros – por ser um domingo ou um feriado, as pessoas, em tese, têm mais tempo para marcar de se encontrar, para combinar de andar de bicicleta, têm mais tempo para ficarem juntas – comendo uma tapioca, sentadas num bar, num restaurante. Tenho certeza de que algumas pessoas se sentirão convidadas a comprar coisas num dos supermercados daquela rua, para levar para um piquenique que vai acontecer ali do lado numa das várias praças que estão ladeando a avenida. Rua é isso – é o lugar dos encontros, é onde nós, seres humanos, que somos gregários (vale dizer – que gostamos de andar com os nossos semelhantes) nos encontramos, não só aos domingos e feriados, mas todos os dias!
A rua junta, a rua democratiza, iguala, surpreende, descontrai, diverte. A rua não serve só para ir de um lugar para o outro, para isso tem o Eixão que é uma via expressa e só – há um argumento que não precisaríamos de uma outra rua de lazer já que o Eixão já cumpre esse papel. É preciso lembrar aos desavisados, que mais espaços de lazer são sempre bem-vindos – as cidades no mundo inteiro, no mundo pós-pandemia, estão transformando ruas tradicionais em ruas do lazer, em ruas cicláveis, em ruas 24 horas. Por que não aqui? Rua serve para celebrar, jantar, comprar. Criar lembranças e construir memórias.
Com a “terapêutica” da rua de lazer se consegue desvendar melhor os conflitos que afligem o paciente. Ela fará, numa espécie de laboratório experimental, com que a gente entenda os transtornos “psicológicos” do enfermo em recuperação. Fará com que “especialistas em rua” – crianças, adultos, adolescentes, idosos, músicos, humoristas, pessoas com cadeiras de roda, empreendedores, comerciantes, enfim, pessoas comuns, “escutem” o paciente e tomem consciência dos seus novos problemas ou novos sintomas. É preciso que aconteça um maior contato sensorial entre o paciente e nós os “terapeutas”, as pessoas comuns enquanto usuárias, empregadores e empregados da rua, para que haja a desejada simbiose. O termo simbiose é proveniente dos étimos gregos sym (junto de) e bios (vida), foi originariamente empregado pelas ciências biológicas para designar uma relação funcional estreita, harmônica e produtiva entre dois organismos que vivem juntos, os quais interagem de modo ativo visando ao proveito mútuo. Aqui, neste caso, as pessoas e a avenida W.3, nós e a rua.
E então, vamos nos encontrar!?
Vamos juntos fazer reviver a W3!?
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar!
*Arquiteto, urbanista, especialista em gestão de negócios em turismo, direito urbanístico e regulação ambiental. É ciclista Urbano, fundador da Camelo Bike Tour e da Rede Bike Tour Brasil
Gostei do artigo, mesmo porque me identifiquei com ele, pois, se é assim, sou uma terapeuta urbana da W3. Caminhei, corri e pedalei na rua do lazer enquanto durou, sempre que tenho que comprar um tecido, um utensílio doméstico ou preciso de algo em uma casa de ferragens, escolho a W3 e gosto de ir a pé. Não que lá seja sempre o melhor lugar para se comprar, mas sinto vontade de dar uma “força” à rua mesmo, tipo dar uma melhorada na “saturação”, uma “oxigenada” nesta “paciente” tão combalida.
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Somente agora tive tempo de ler esse texto muito bem escrito!
Para nós, moradores das 700, que estávamos tão contentes com a “nossa rua do lazer” a decisão unilateral do governo de acabar com o projeto Viva W 3, veio como um balde de água fria, num momento em que a socialização pós pandemia estava sendo retomada aos poucos. Vi, com tristeza, os olhos de minha filha especial se encherem de lágrimas no dia em que falei para ela que não poderia mais pedalar na avenida aos domingos e feriados. Resta-nos a esperança de que essa decisão governamental seja reavaliada e a rua do lazer reativada!
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Excelente reflexão não só sobre o projeto que foi interrompido bruscamente, mas, também, sobre a importância da Avenida W3 Sul para a saúde e qualidade de vida das pessoas que trabalham e vivem na região, ao encontro do que foi previsto desde de sua concepção e os períodos glamorosos vivenciados na mais charmosa avenida de nossa jovem Brasília. Observa-se, ainda, que se “ela ia mal” as consequências e os reflexos destes males afetam diretamente seus maiores interessados, que, como disse o autor, são os verdadeiros terapeutas e responsáveis por reverter essa situação. Sobre isso o GDF cometeu uma falha capital quando se trata da implementação de políticas públicas, pois não existe projeto exitoso sem a participação dos interessados, que deveriam ter sido consultados sobre a continuidade do Viva W3. Na verdade, foram! Pois, as várias pesquisas realizadas apontavam a receptividade e sucesso da proposta junto a população brasiliense, mesmo considerando o curto período de existência do projeto, realizado em meio a pior crise de saúde pública enfrentada nos últimos 100 anos. Ao contrário, o governou optou por apresentar subterfúgios, tendo como principal justificativa razões descabidas e inconsistentes apresentadas pelo sindicato com comércio varejista que, historicamente, jamais apresentou uma proposta concreta para revitalização da Avenida W3 Sul. Por sua vez, visões mais acomodadas e rodoviaristas, alegaram que para a realização de exercícios físicos, caminhadas e passeios ciclísticos já temos o Eixão do Lazer, o Parque da Cidade ou Ciclovias. Porém, a esses críticos falta a compreensão de que a proposta está inserida em uma lógica mais ampla, na perspectiva da importância da mobilidade ativa e urbana prevista para os grandes centros urbanos, tão enaltecida em outros países, onde se vê e vivencia a adoção de diferentes estratégias, como por exemplo um menor fluxo carros nas ruas, e, em contraponto, a oferta de transporte público de qualidade com energia limpa. O incentivo ao uso de bicicletas e do andar à pé para pequenos deslocamentos. E foi exatamente isso que o Viva W3 possibilitou. Ao menos em um único dia da semana a diminuição da emissão de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento global e das Mudanças Climáticas, entre outros malefícios. De certo, o momento não era de encerrar o programa, mas ouvir a comunidade local e até mesmo iniciar a discussão necessária para implementação do prometido VLT; da proibição do trafego de ônibus; da utilização do terminal da Asa Sul para um deslocamento mais qualificado da população que necessita se dirigir ao Plano Piloto e até mesmo para outras cidades, mas utilizando outros modais, preferencialmente não poluentes. O debate é importante e necessário, mas o governo preferiu encerrar o programa. Fica mais essa lição na relação com o Poder Público, onde a voz e vez da população não têm o menor valor.
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Me alegro que tenham gostado do texto. É uma pequena contribuição para uma causa coletiva e muito importante para a cidade.
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Meu Comentário é no sentido de Concordância total quanto a função da
Avenida W3 ..bem como a sua importância para nós os moradores das 700, principalmente! Podem contar comigo para apoiar a sua revitalização.. como também a volta como rua de lazer aos domingos!
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