O posicionamento desses parlamentares se deu simultaneamente à manifestação ocorrida nos gramados do Congresso Nacional, quando Caetano Veloso acolheu milhares de pessoas que foram se somar à defesa da Terra. A mobilização é considerada uma das maiores realizadas em Brasília, desde 2013.

Por Chico Sant’Anna

Triste a postura da maioria da bancada do Distrito Federal por ocasião da votação do regime de urgência para o projeto de lei 191, que abre as terras indígenas à exploração mineral e a outras atividades econômicas. Cinco dos oito parlamentares federais do DF votaram favoravelmente ao regime de tramitação rápida do projeto, o que elimina uma série de debates e audiências públicas. Celina Leão (PP) estava ausente, Erika Kokai (PT) e Professor Israel (PV) votaram contra, todos os demais foram favoráveis. São os mesmos que há poucas semanas votaram a favor da flexibilização das regras de registro e comercialização de agrotóxicos no Brasil, alguns reconhecidamente cancerígenos. Anote os nomes: Bia Kicis (União Brasil), Paula Belmonte (Cidadania), Luís Miranda e Júlio César Ribeiro (ambos do Republicanos) e Laerte Bessa (PL).

Ressalte-se que a alegada justificativa de suprir a demanda de potássio por parte do agronegócio brasileiro não tem fundamentos. Apenas 10% das reservas nacionais se encontram em terras indígenas. A quase totalidade está fora, muitas nas mãos de grandes empresas como a Petrobrás, e não estão sendo alvo de exploração para a produção de fertilizantes, capazes de suprir o fornecimento afetado pela guerra Rússia-Ucrânia

Pressão da sociedade

Quando da votação do projeto dos agrotóxicos, movimentos sociais chegaram a rotular esses mesmos parlamentares como integrantes da chamada Bancada do Câncer, espalhando cards e memes pelas redes sociais, bem como afixando cartazes em locais públicos, como na Estação Rodoviária de Brasília.

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O posicionamento desses parlamentares se deu simultaneamente à manifestação ocorrida nos gramados do Congresso Nacional, quando Caetano Veloso acolheu milhares de pessoas que foram se somar à defesa da Terra. A mobilização é considerada uma das maiores realizadas em Brasília, desde 2013.

Partidos

O regime de urgência, que acelera a tramitação do projeto e elimina análises intermediárias e mesmo audiências públicas com a cidadania, foi aprovado por 279 votos a favor, contra 180. Dos 22 partidos como representação na Câmara dos Deputados apenas o Psol, PT, PSB, PDT, PCdoB e Rede orientaram suas bancadas a votar contra, o MDB liberou os deputados para votar como desejassem e todos os demais partidos, todos da base de governo, votaram a favor.

A postura desses parlamentares da bancada candanga mostrou uma surdez ao clamor dos cidadãos e cidadãs e eleitores da própria cidade. Uma cegueira ao alerta de ambientalistas e um descaso para com as vítimas de eventos climáticos extremos, tais como a seca no Sul do Brasil, enchentes e inundações em Petrópolis e na Bahia, que levaram à morte centenas de pessoas e outras milhares ficaram desabrigadas ou sem seu sustento.

A manifestação puxada pelos artistas, cuja volta às lutas sociais do Brasil se demonstra extremamente importante, contou com a presença de nomes da música e da literatura brasileira, como Elisa Lucinda, Daniela Mercury Nando Reis e Maria Gadu; e também do mundo da Televisão, como Letícia Sabatella, Cissa Guimarães, Christiane Torloni e Paola Carosella. No Senado Federal, alertaram os senadores para os riscos da aprovação de quatro projetos em tramitação no Congresso Nacional e que se enquadram no espirito de “passar a boiada”, defendido pelo ex-ministro do Meio-ambiente do governo de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles, que tentará uma cadeira na Câmara, por São Paulo.

Do que tratam os projetos

Os projetos são o de nº 6.299, já aprovado na Câmara e que flexibilizaria o uso de agrotóxicos; o PLs 2.633, também já aprovado na Câmara, e o 510, que facilitam a privatização de terras públicas da União, inclusive à beira mar e mesmo ocupadas por biomas sensíveis como manguezais; o PL 3.729, que afrouxa as regras para o licenciamento ambiental, e os PLS 490 e 191, que alteraram as demarcações de terras indígenas e favoreceriam à mineração e explorações comerciais de outras naturezas, nessas áreas.

Como líder do movimento, Caetano leu um texto diante do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, durante uma audiência na Comissão do Meio Ambiente. Em sua fala, o artista expressou preocupação com o aumento de tragédias ambientais no Brasil, dentre elas Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro; e destacou a perda de controle sobre o desmatamento, o aumento da violência contra indígenas e a redução de proteções sociais.

Insensatez

Parodiando Tom Jobim, quando canta Ah, insensatez, o que você fez? // […] Quem semeia vento, diz a razão// Colhe sempre tempestade, a postura dos seis parlamentares do Distrito Federal nas questões ambientais tem demonstrado uma desatinada e absurda falta de reflexão sobre as consequências de seus atos.

Numa Unidade da Federação que já vivenciou por quase dois anos a escassez hídrica e na qual os fenômenos climáticos de seca e chuvas extremas são facilmente sentidos, na qual as queimadas assolam o Cerrado, cada vez mais escasso, trazendo prejuízos à aqueles que esses mesmos parlamentares deveria proteger e defender seu bem estar, votar como está votando três quartas da bancada local é mais do que um despropósito, é um disparate.

Importante que os eleitores de Brasília não esqueçam esses nomes, suas posturas e reflitam bem, em outubro próximo, se eles devem continuar a contar com a confiança e delegação de poderes que as urnas poderão lhe conferir.