O debate sobre a necessidade de uma passagem de nível sobre a linha férrea está colocada, e a questão não é só economia de deslocamentos, diz respeito à integração de duas fatias do Park Way – uma comunidade de cerca de 25 mil pessoas apartadas pela Ferrovia e pela Via do BRT – e, principalmente, maior controle da criminalidade e da grilagem. Hoje, por sobre as linhas de trem, além de ciclistas, trilheiros e motoqueiros, passam todo tipo de pessoas, algumas fugindo de perseguição policial. Só não conseguem passar por ali as viaturas da Polícia, dos Bombeiros e do Samu, que são obrigadas a dar uma volta de quase vinte quilômetros.

Final de semana de trabalho duro. Diante da demora na reação das autoridades, moradores do Park Way, munidos de picaretas, marretas e alavancas, demoliram uma passagem de nível sobre o leito da via férrea entre as quadras 29 e 17 do bairro. A suspeita é que grileiros tenham concretado esse acesso de forma a lotear uma área verde contígua aos trilhos do trem. Nas imediações, também foi identificado trabalho de desmatamento. O curioso é que a retirada da vegetação se deu na forma de retângulos, como se fossem lotes pré-definidos.

A ação dos moradores foi oportuna, pois a passagem de nível clandestina já estava apresentando um trânsito inusitado, inclusive com camionetes levando massa de concreto já pronta para ser aplicada. Não se sabe onde.

Há várias décadas, é prometida pelo GDF a utilização da antiga ferrovia da RFFSA para a implantação de umtrem regional de passageiros, que atenda os moradores de Luziania, Entorno Sul, Gama e Santa Maria, reduzindo o trânsito pela BR-40Epia.

Criada na década de 1960, a linha férrea interliga o Distrito Federal ao Estado de São Paulo. No passado, além de carga, ali operara o Trem Bandeirantes que levava passageiros da Capital Federal, até a estação da Luz em São Paulo. Também era possível fazer baldeação em Campinas e de lá seguir para Corumbá, no Mato Grosso. Muitos jovens se valiam do trem para ir fazer turismo de aventura na Bolívia. Hoje, ele só transporta carga, basicamente, combustivel desde a Refinaria de Paulinia, areia e daqui leva graos para a exportação no litoral. Há muito, reivindica-se a utilização dessa linha para a operação de um trem regional de passageiros, que atenda aos moradores de Luziania, Entorno Sul, Gama e Santa Maria, reduzindo o trânsito pela rodovia. Projeto equivalente foi implantado no Ceará, interligando as cidades do Juazeiro ao Crato.

Integração do bairro

Há algumas décadas, quando a linha férrea pertencia a RFFSA, existiam passagens de nível interligando as quadras de um lado a outro da ferrovia. As quadras 28 e 29 ainda não tinham as ruas asfaltadas e, portanto, não é possível saber se transitar sobre o local era legal. Tudo leva a crer que sim, pois existia sinalização no ponto de travessia. Com a privatização da Rede Ferroviária, esses pontos de passagem foram desconstituídos, mas isso levou a um fracionamento do bairro. Como se uma trincheira fora construída.

De um lado, as quadras de 26 a 29, de outro, as da 14 a 25, incluindo a Vargem Bonita, ponto de apoio comercial a muitos moradores do Park Way. Hoje, para um morador das quadras 28 ou 29, por exemplo, comprar um pão, um remédio, é mais perto ir ao Núcleo Bandeirante e mesmo às primeiras quadras da Asa Sul, do que ir até a Vargem Bonita. Com uma travessia legal sobre os trilhos, esse percurso cai a poucos quilômetros.

Como uma trincheira, a ferrovia corta o Park Way em dois segmentos. Moradores se dividem entre prós e contra a implantação de uma passagem de nível sobre a linha férrea interligando as quadras 29 e 17.

Morador do Park Way, o urbanista Jorge Guilherme Francisconi, defende que haja uma passagem de nível oficial sobre a linha férrea. “A integração dos dois lados da ferrovia é essencial para a integração da comunidade do Park Way e para o fortalecimento dos pontos de serviço” – argumenta ele, lembrando que é na Vargem Bonita onde estão instalados colégios públicos, posto de saúde, o escritório da Emater, além da feirinha de hortigranjeiros dos produtores rurais locais. “Não uso o comércio de lá por ter que dar a volta. Quando a quadra 29 ainda não tinha asfalto, nós a usávamos sempre, porque pela passagem era melhor” – lembra Bianca Barros moradora nas imediações. Vale lembrar, que é também na Vargem Bonita onde é instalada a única seção eleitoral do TRE dentro da poligonal do Park Way. Quem não vota lá, tem que se deslocar até o Nucleo Bandeirante.

Mas se há defensores da passagem, há também quem não a queira. O advogado Caio Guimarães prefere que a 29 continue isolada. “Sou contra a passagem de nível, mesmo regularizada, com sinalização, placa e asfalto… eu prefiro que fique isolado.”

Um dos principais argumentos dos que são contra a construção de uma passagem de nível oficial naquele local, que já foi alvo de demanda dos moradores quando do Orçamento Participativo, na gestão de Cristovam Buarque, é a segurança e o volume de trânsito. Presidente da Associação Comunitária do Park Way, José Joffre Nascimento, acredita que com a passagem, haverá mais trânsito, inclusive de não moradores do Park Way, notadamente daqueles provenientes do Entorno Sul, Gama e Santa Maria, no anseio de fugir dos engarrafamentos da BR-40 e Epia. Ele cita o exemplo do que aconteceu na passagem de nível construída nas imediações da quadra 3 do Park Way, que encurtou o caminho para Águas Claras. “A SMPW 03 era uma quadra tranquila e bem estilo “Park Way”, até o dia que passaram o encanto no administrador de então, lá pelos anos 2000, e fizeram uma passagem clandestina sobre os trilhos. Sofreram com o desordenamento do trânsito até a duplicação da via, realizada em 2018” – relembra.

Na prática, optar por esse caminho não seria solução daqueles que, oriundos das cidades do Gama, Santa Maria e do Entorno Sul, desejam ir para o Plano Piloto e adjacências, pois essa ligação sobre os trilhos tem como destino o interior do Park Way. Ao contrário, a passagem poderia ser uma solução de acesso mais fácil à Epia para os moradores da quadra 17, que hoje são obrigados a pegar um gargalo quilométrico de uma só via, até a rodovia. “Não tem como repetir o que houve com a quadra 3, pois não é caminho para lugar nenhum, só facilita o acesso dos moradores da 29 ao comércio da Vargem Bonita” – contrapõe Bianca Barros.

Pelo local, veículos vem sendo documentados pelos moradores que levantam suspeição sobre o trânsito irregular.

Preocupação semelhante tem o presidente do Conselho de Segurança do Park Way, Marcelo de Carvalho: “qualquer nova passagem, regularizada, deve ser precedida de estudo, sério, de impactos. As externalidades são inúmeras e, as vezes, inimagináveis. Basta lembrar do que acontece quando, motivado por congestionamento na Epia, o fluxo de Valparaiso e Gama adentrava na Q27, 28, 26 até retornar à Epia. Não devemos pensar que um pãozinho quente ou um litro de gasolina valem toda uma destruição dos valores de quem escolheu e investiu em buscar a qualidade de vida do Park Way. Soluções rápidas geralmente atendem a poucos e as consequências são nefastas” – diz ele. Preocupações semelhantes tem o jornalista Caiã Messina, para quem é importante ter estudos mais aprofundados: “pode até haver demanda, mas precisamos de estudo de impacto de trânsito, impacto ambiental, posicionamento da concessionaria da ferrovia e por último, a polícia. Haverá aumento da insegurança? Tudo isso para economizar 10 minutos de carro para chegar na 17?” – indaga ele.

O leito da ferrovia vem sendo explorado por trilheiros. A paisagem é bonita e é possível encontrar pequenas cachoeiras. Foto: Reprodução do Perfil Nas trilhas do Park Way, do Instagram.

Integração

A polêmica está colocada, a questão não é só economia de deslocamentos, diz respeito à integração comunitária de duas fatias do Park Way – uma comunidade de cerca de 25 mil pessoas apartadas pela Ferrovia e pela Via do BRT – e, principalmente, maior controle da criminalidade e da grilagem. Hoje, por sobre as linhas de trem, além de ciclistas, trilheiros e motoqueiros, passam todo tipo de pessoas, algumas fugindo de perseguição policial. Só não conseguem passar por ali as viaturas da Polícia, dos Bombeiros e do Samu, que são obrigadas a dar uma volta de quase vinte quilômetros.

Enquete

A polêmica é tanta que uma enquete está disponível para aferir a posição de um maior número de moradores. Quem for favorável à instalação pelo GDF de uma passagem de nível interligando as quadras 17 a 29, deve clicar aqui. Já quem for contra, para votar, clique aqui. E para aqueles que desejarem acompanhar a evolução da enquete (sem votar), o link é este aqui. A enquete estará no ar até o dia 27/4.