
“Agora eu era o herói E o meu cavalo só falava inglês. A noiva do cowboy era você, além das outras três. Eu enfrentava os batalhões, os alemães e seus canhões. Guardava o meu bodoque e ensaiava o rock para as matinês.”
Por Chico Sant’Anna
Os tempos mudaram. Em João e Maria, imortalizada por Chico Buarque e Nara Leão, as armas, os cowboys, as guerras eram romantizadas.
Hoje em dia, são um risco ao cotidiano das cidades. Não bastassem as medidas flexibilizando as leis quanto ao porte e ao uso de armamentos, agora iniciativas dos defensores das armas querem naturalizar o seu uso. Iniciativas nesse sentido já focam inclusive crianças, a partir de oito anos de idade.
E não se trata de videogames ou mesmo armas de brinquedo. Estamos nos referindo à participação de crianças em cursos de formação e mesmo em torneios infantis de tiro, com armas de pressão. E isso acontece aqui mesmo em Brasília, como o ocorrido no dia 30/4, na Ponte Alta do Gama, no Clube de Tiros GSI.

Em vez de jogarem bola, andarem de bicicleta, meninos e meninas com idade igual ou superior a oito anos participaram de um torneio de tiro, com carabinas de pressão calibre 4,5. Essas armas, algumas delas maiores do que as crianças participantes, usam pellets, “chumbinho”, como munição.
Há contudo, carabinas de pressão nesse calibre que utilizam esferas metálicas como munição. O clube de tiros também promove cursos para a gurizada, que nas fotos mais parecem snipers – atirador de elite – popularizados nos filmes de guerra.
As armas de pressão não são consideradas armas de fogo e, por isso, não necessitam de registro para a venda, que pode ocorrer até pela internet. Entretanto, a venda só pode ser feita para maiores de 18 anos. Segundo dados de fabricantes, disponíveis na internet, o alcance médio dos tiros de uma arma desse porte pode chegar a 30 metros de distância, com a munição viajando a uma velocidade de 305 metrospor segundo, o que equivale a um impacto a 20 km por hora. Alguns modelos à venda possuem autonomia de tiros que chega a sessenta disparos sem a necessidade de recarregar.

No Ministério Público do DF, a promotoria de Defesa da Infância e da Juventude se negou a comentar a ocorrência do campeonato de tiro infantil e a avaliar se ele fere ou não o estatuto da Criança e da Adolescência – ECA.

Segundo o presidente do Clube de Tiro GSI, o ex-policial Carlos Tabanez – que é suplente de deputado distrital pelo MDB – o torneio infantil tem uma função didática e pedagógica. Ele nega que o objetivo do torneio, que já é o segundo a ser ali realizado -, tenha como propósito estimular o interesse infantil pelas armas. Ele elenca quatro objetivos para o torneio:
“Incentivar o esporte de tiro , onde a primeira medalha de olímpica obtido pelo Brasil foi no tiro; acabar com a curiosidade de crianças sobre armas e ensinar a respeitá-las; melhorar a disciplina, concentração e respiração do praticante, reunir as famílias entorno de um esporte e mostrar que o tiro é uma esporte familiar”- cita ele, lembrando que há no estande mães, país, avós, crianças e adolescentes… “cada um respeitando suas categorias e limitações”.
Leia também:
Na história do Distrito Federal, grandes foram os esforços em evitar a naturalização das armas entre as crianças. Em 2013, a Câmara Legislativa aprovou projeto de iniciativa do GDF, na gestão de Agnelo Queiroz, que proibia a venda e a fabricação de armas de brinquedo no território do Distrito Federal. O projeto criava ainda o dia, 15 de abril, e a semana do Desarmamento Infantil, no mês de abril de cada ano – mesmo mês em que o torneio de tiro infantil foi realizado – períodos nos quais a secretaria de Justiça deveria promover a troca de armas de brinquedos por livros infantis. A ideia era construir uma cultura de não violência no DF.

A lei, ao que parece, caiu no esquecimento até no GDF. Presidente da Comissão de Direitos Humanos, o distrital Fábio Felix (Psol), lamenta que as crianças de Brasília estejam “submetidas a este processo de apologia ao armamento”. “A legislação brasileira é pautada pela promoção dos direitos de crianças e adolescentes numa lógica da cultura da paz e das boas referências. Uma ação como essa deve receber o repúdio de toda a sociedade. É uma ação eticamente terrível e também ilegal por contrariar os direitos deste segmento” – avalia ele.

A utilização de armas de brinquedo, espada, arco e flecha, estilingue e revólver de plástico não é, segundo a coordenadora do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Maria Ângela Barbato Carneiro, fator determinante, isoladamente, para a formação de um caráter violento nas crianças. A pedagoga acrescenta que esse tipo de brinquedo exerce certo fascínio, especialmente, sobre os meninos porque, em geral, reproduzem elementos da realidade à sua volta. “O problema é o incentivo ao uso desses objetos em um contexto social já caracterizado por estímulos às mais variadas formas de violência. Tal estimulação é uma lástima porque pode gerar mais violência além de acidentes fatais” – complementa ela, que acredita ser a iniciativa contrária ao Estatuto da Criança e da Adolescência, uma vez que a legislação determina a proteção integral da criança.
No cotidiano de nossas cidades, não são raros os relatos de animais domésticos serem alvo de armas de chumbinho. Militante ambiental, a mineira Rosaria Rezende, relata em que em sua cidade, Varginha, meninos já mataram três cachorros de rua e quatro gatos, que se transformaram alvo das espingardas de chumbinho.
Dois gatos dela mesma foram feridos, um na cabeça e outro no rabo. “Aqui na vizinhança já desapareceram uns treze gatos, a polícia civil tem ciência, já colheu vários depoimentos, tem o endereço do atirador, mas nada faz, alega ser necessário flagrante” – lamenta ela. Também em Brasília há fatos como esse. No ano passado, na quadra 26, do Park Way, um gato foi ferido a tiros de chumbinho no interior de um condomínio. O atirados seria também um vizinho.
Que lástima!
Com tantos aspectos a serem desenvolvidos, talentos, habilidades artísticas, esportivas, de linguagens, o povo submete suas crianças a este tipo de atividade estimuladora da violência, do uso da força. Nossa sociedade está adoecida.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Boa matéria,ótimo texto e, assunto bem relevante a discussões em núcleos de proteção a infância e adolescência.
Só uma pequena correção o termo “fragrante” está fora de contexto a palavra correta a ser usada é flagrante.
Perdoe-me se ofendo-lhe com essa correção.
CurtirCurtido por 1 pessoa
grato pelo alerta, vamos corrigir
CurtirCurtir
Que muitos outros pais incentivem cada vez mais a participação de crianças e adolescentes, meninos e meninas, na prática do tiro desportivo. Espero que cresçam e se tornem bons profissionais, inclusive nas atividades policiais e militares!!!
CurtirCurtir
Deve ser bolsonarista, destes não se espera mesmo ouvir outra coisa, pq são do bem!
CurtirCurtir
Que matéria vagabunda…
CurtirCurtir
Impressionante que a sociedade ache natural não haver combate ao crime organizado e o judiciário proteger os marginais. Em lugar de combater a criminalidade ficam perseguindo os cidadãos de bem que querem se proteger e usufruir do seu direito de praticar o esporte. Não é sobre armas, é sobre
liberdade. E a imprensa, coitada é cúmplice.
CurtirCurtir
Parabéns pela reportagem
CurtirCurtido por 1 pessoa
Isso é porque o Bolsonaro estimula o uso de armas de fogo, mal sabe que prejudica os menores que acham que se deve matar passarinhos, gatos cachorros etc… ,e adoram fazer isso.Serao futuros assassinos , pois se hoje matam bichos, depois de adultos vão achar normal a matança de seres humanos por motivos fúteis.
CurtirCurtir