Área destinada à educação já está sendo cercada. No local devem nascer três espigões de 14 andares. Foto: reprodução de vídeo Amaac

Sentença foca lote na Quadra 104 , frente ao parque da cidade, mas tem efeito em outras alterações urbanísticas. Para a Vara de Meio-Ambiente Urbanismo, Luos de 2019 traz flagrantes incosntitucionalidades.

Por Chico Sant’Anna

Lotes de Águas Claras, originalmente destinados a equipamentos públicos, tais como escolas ou centros de saúde, não podem ter sua destinação alterada e vendidos para a construção de empreendimentos residenciais ou comerciais. A decisão é da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, em ação civil pública da Associação de Moradores e Amigos de Águas Claras (Amaac), contra o governo do Distrito Federal e a construtora Real Engenharia Ltda.

A decisão do juiz Carlos Maroja embarga obras que estejam sendo empreendidas no lote 02 da Quadra 104 e proíbe mudanças no lote nº 1.405, da Avenida do Parque de Águas Claras. Ela determina, ainda, que qualquer alteração de destinação de uso de lotes voltados originalmente a equipamentos públicos seja previamente debatida e autorizada pela comunidade local, em audiência pública. Na Quadra 104, a Real Engenharia já começou a cercar o lote de 5.938 m². O Edital da Terracap permite que haja concomitantemente, atividades de comércio, serviços e indústria, além de residência. O limite máximo da construção foi fixado em 29 mil m². Segundo a Amaac, no local serão erguidas três torres residenciais, cada uma de 14 andares. Já o lote nº 1.405 ainda não foi vendido. Ele fica defronte ao Parque, ao lado de outro lote destinado a Saúde.

Invalidação da venda

O juiz determina a “invalidação de atos concretos de venda e licenciamento de edificações nos lotes outrora destinados a equipamentos de saúde e educação e a condenação a não mais firmar atos semelhantes, ficando desde logo registrado que a declaração genérica de inconstitucionalidade da LC 948/19”.

A sentença da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário impõe uma meia trava às sucessivas mudanças de uso de terrenos naquela cidade. Recentemente, essa coluna registrou a inclusão na licitação da Terracap de um lote voltado à escola ou equipamento público que passou a ser vendido como área capaz de abrigar atividades comerciais, industriais e prestação de serviço. O lote de número 2, da Rua 7 Norte, entre a linha do metrô e a avenida das Castanheiras, poderá ter até 7.200 metros quadrados de instalações. Essa decisão, contudo não embarga eventual obra nesse terreno em questão, mas impede que novas vendas sejam efetuadas pela Terracap, caso a destinação original tenha sido desvirtuada.

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Para o presidente da Amaac, Román Cuattrin, a decisão judicial “demonstra a sensatez dos pleitos dos moradores de Águas Claras, quanto à defesa de uma cidade sustentável e dotada dos equipamentos públicos necessários ao bem estar de seus habitantes, diferentemente do que pensa e age o GDF”.

Esse fenômeno que acontece em Águas Claras pode se repetir em outras cidades. Ele é fruto da Lei de Uso e Ocupação do Solo – Luos de 2019, elaborada no governo de Rodrigo Rollemberg (PSB). Outra versão dessa lei, flexibilizando ainda mais as regras foi aprovada em abril e é fruto das propostas do atual governo de Ibaneis Rocha (MDB). Os dois marcos jurídicos guardam entre si o fato de terem proposto infindáveis mudanças urbanísticas no Distrito Federal com pouco ou nenhum debate com a comunidade.

Engolfados pela especulação imobiliária

Segundo a sentença do juiz Carlos Maroja essa prática de “alteração sistemática” da definição de usos de praticamente todos os imóveis destinados à educação e saúde na região de Águas Claras, é perigosa e pode levar a cidade a não possuir nenhum imóvel destinado a equipamentos públicos. Os moradores ficariam “engolfados pela especulação imobiliária”.

A sentença foi baseada em aspectos considerados inconstitucionais e ilegais das mudanças urbanísticas. Ela entende que as mudanças de uso dos imóveis violam o direito dos moradores a “cidades sustentáveis”, impede o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, conforme estipula o Estatuto das Cidades. Essa lei estabelece que os administradores, devem observar a “oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transportes e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais”.

Segundo Maroja, a Constituição Federal e Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF) norteiam a política urbana em direção ao bem-estar da cidadania, e impõem a distribuição adequada de equipamentos urbanos, garantindo o bem-estar de seus habitantes. O que medidas que promovam a melhoria da qualidade de vida, ocupação ordenada do território, uso de bens e distribuição adequada de serviços e equipamentos públicos por parte da população”.

Da sentença, que é de caráter liminar, cabe recurso à instâncias superiores.