Manchas em rosa representam, segundo o Geoportal da secretaria de Desenvolvimento Urbano, ocupações irregulares de terra pública.

“As fotos aéreas acostadas pelo Distrito Federal em sua manifestação denotam que as tentativas de invasão do imóvel em tela são deveras recente, o que afasta qualquer indício de exercício de posse sobre o imóvel, que o mesmo DF afirma ser público e de relevância ambiental” – informa em seu despacho o juiz Carlos Maroja.

Por Chico Sant’Anna

Ladrão que rouba de ladrão tem cem anos de perdão, diz o adágio. Na Justiça ambiental do Distrito Federal, contudo, o dito popular não encontra guarida. Pelo menos foi assim entre um invasor de terra pública e um grupo de grileiros que disputavam a mesma área pública inserida em zona de transição da vida silvestre no Park Way.

A história toda teve início em 2021. Uma pessoa que se apresentava como dono de uma área pública nas imediações da quadra 15 do bairro, próximo à ferrovia e ao Córrego do Mato Seco, denunciou na Justiça três pessoas provenientes de Goiás, acusando-as de tentativa de esbulho e turbação. Traduzindo: ato de se apoderar, ilegitimamente, da coisa alheia com uso de violência; e impedir terceiros de exercer o livre exercício da posse do imóvel. Na petição é dito que das três pessoas, um era policial em Goiás e se encontrava armado, o outro, um advogado. Os três alegavam ser os legítimos donos daquela terra. Em contrapartida, o autor da ação, dizia ter comprado o imóvel em março de 2019 e de possuir escritura pública declaratória, certidão de inteiro teor do processo de regularização de ocupação de terra pública rural.

As complicações já tiveram início aí. A poligonal do Park Way, conforme os registros públicos, não possui área rural, salvo na Vargem Bonita, que possui projeto urbanístico diferenciado. Por se um cinturão verde, de amortecimento a área tombada de Brasília, estar inserido na APA Gama-Cabeça do Veado e de ser responsável pelo fornecimento de um terço das águas que chegam ao Lago Paranoá, o bairro possui muitas áreas verdes e de grande porte. Elas conformam áreas de recarga hídrica e também de transição da vida silvestre. Não obstante, muitos são os casos de invasão, puxadões, ocupação irregular e mesmo fracionamento ilegal de áreas batizadas de “chácaras”. Esse termo, inexistente nas definições urbanísticas do Park Way, se transformou em eufemismo para denominar área pública irregularmente ocupada.

As características da ação, inicialmente impetrada no Fórum do Núcleo Bandeirante, forçaram a sua transferência para uma vara especializada, a do Meio-ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal. Provavelmente, para surpresa do impetrante e também dos acusados, nem um, nem os outros tiveram ganho de causa. O Juiz Carlos Maroja, em seu despacho inicial lembrou sentença transitada em julgado ação civil pública n. 0029190-54.1991.8.07.0001, de 1991 – há mais de 30 anos, portanto, e 29 anos antes da suposta compra da posse da terra – que determina ao GDF a proteção dessas áreas públicas ambientais e que cabe a Terracap a desocupação irregular.

“As fotos aéreas acostadas pelo Distrito Federal em sua manifestação denotam que as tentativas de invasão do imóvel em tela são deveras recente, o que afasta qualquer indício de exercício de posse sobre o imóvel, que o mesmo DF afirma ser público e de relevância ambiental” – informa em seu despacho o juiz Carlos Maroja.

A análise feita por advogados é que por ser terra pública situada em área protegida em razão de especial vocação ambiental, o juiz considerou que a ocupação por ambas as partes é ilegal. E, ao mesmo tempo, incita o GDF e a Terracap a fazerem alguma coisa para conter abusos. A decisão pode ter desdobramento policial, provocando uma investigação sobre o crime ambiental de alteração não autorizada na APA, pois os relatórios do DFLegal e as denúncias da comunidade indicam claramente o avanço da conduta criminosa, sob as barbas de todo mundo.

Imobiliária

Nos sites de internet é possível encontrar anúncios de venda de glebas na área em disputa. Não está claro quem está oferecendo o imóvel, de 20 mil metros, por R$ 3,5 milhões, metade do que normalmente custa no mercado. O vendedor recusa financiamento e aceita como parte do pagamento casa ou apartamento no Guará, Núcleo Bandeirante, Riacho fundo e Samambaia,

Na decisão já publicada – que não representa a sentença final – Maroja puxa a orelha também do Poder Público: “A presente lide corrobora as denúncias que estão sendo veiculadas pela comunidade local, e reforça a intolerável negligência do poder público para com o patrimônio do povo, para com o meio ambiente e para com a autoridade da decisão judicial, denotando situação de virtual e lastimável barbárie”.

O magistrado também determina que a Delegacia do Meio Ambiente – Dema, informe sobre a existência de eventual investigação criminal sobre os “veementes indícios da prática do crime tipificado na Lei 9605/98”, que trata das sanções penais e administrativas a condutas e atividades lesivas ao meio ambiente; requer que o DFLegal informe quais medidas estão sendo adotadas, “se é que estão”, para a fiscalização e coibição das invasões e edificações clandestinas na região incluída na tutela jurisdicional proferida na ACP 0029190-54.1991.8.07.0001; e determina que a Terracap informe quais as providências que irá adotar, “se é que irá adotar”, para assegurar ao Estado a tutela do imóvel público que está sendo disputado por particulares. Todas essas respostas devem ser encaminhadas ao Tribunal até cinco dias após a citação.