Dados do IBGE apontam um avanço agressivo do agronegócio sobre as terras virgens do Distrito Federal, ocupando 1/4 das terras. Outra parcela de igual tamanho foi comprometida pela expansão urbana. A área de vegetação nativa se resume hoje à metade do que existia há 60 anos. Epecialistas temem os reflexos, notadamente, quanto à segurança hídrica da Capital Federal.

Texto e fotos de Chico Sant’Anna

Ao longo de seus sessenta anos, o território do Distrito Federal perdeu a metade da vegetação nativa que o cobria. Dados de 2020, do relatório Contas Econômicas Ambientais da Terra: Contabilidade Física, recém divulgado pelo IBGE, apontam que dos 5.802 km², a área de vegetação nativa (campestre e florestal) ainda intacta representa 51,3% do território do DF. A outra metade está dividida, quase que meio a meio, entre área agrícola, 24,2%, e área urbana, 24,5%. As últimas duas décadas, 2000 a 2020, registraram um crescimento vertiginoso do agronegócio candango sobre as terras de vegetação nativa, que no Distrito Federal é, essencialmente, vegetação de Cerrado.

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Embora o DF seja a menor Unidade da Federação, em termos absolutos, o crescimento da área agrícola sobre a nativa foi o 21º maior dentre as 27 UFs, todas elas com territórios significativamente maiores do que o daqui. Nesses últimos vinte anos, foram ocupados 261 novos km², avanço de 23,1%. A área agrícola distrital passou de 1.132 km² para 1.393 km².

Grandes áreas de Cerrado estão sendo ocupadas para a lavoura de grãos, que demanda sistemas especiais de irrigação. Entretanto, segundo a secretaria de Meio-Ambiente do DF, o perfil produtivo do agronegócio candango consome menos água do que o brasileiro, responsável por beber 70% da água consumida no país.

Potencial Hídrico

Em 1946, a Missão Polli Coelho alertou para a necessidade de se assegurar a vegetação original em área não inferior à metade do território do DF. Assim ficaria garantida a capacidade hídrica do território. Entretanto, a Missão Poli Coelho trabalhava com uma população de 500 mil habitantes e, hoje, o DF já ultrapassou 3 milhões, consumindo muito mais água. Segundo a secretaria de Meio-Ambiente do DF, o perfil produtivo do agronegócio candango consome bem menos água do que o brasileiro, responsável por beber 70% da água consumida no país.

Sem dados

Apesar de o GDF ter anunciado em abril, o funcionamento do Sistema Distrital de Informações Ambientais (SISDIA), uma plataforma de inteligência ambiental-territorial que, dentre outras missões, deveria prover o mapeamento da cobertura vegetal e do uso do solo no DF, a secretaria do Meio-ambiente (Sema) informa não ter números sobre os desmatamentos, mas sim um trabalho que estuda a cobertura vegetal no DF par orientar políticas públicas. Entretanto, a subsecretaria de Gestão Ambiental e Territorial, Maria Sílvia Rossi, salienta que a principal ameaça ao Cerrado nativo, “advém da expansão urbana, seja ela legal, seja, principalmente, por meio da grilagem de terras públicas”. E cita casos como a redução da Floresta Nacional – Flona e a expansão da 26 de setembro.

A área em amarelo representa a ocupação agrícola, em marrom escuro, as pastagens e em vermelho, a ocupação urbana, segundo os dados do IBGE.

Segundo o IBGE, as terras ocupadas até então pela vegetação original, denominada tecnicamente de vegetação campestre e florestal, foram convertidas, em especial, pra pastagem de rebanhos e plantações extensivas.

As plantações se fazem mais presente à Nordeste, Leste e Sudeste do DF, notadamente nas regionais de Planaltina, Paranoá e São Sebastião, com destaque para o PADF.

Para a Sema, o agronegócio está historicamente concentrado na Bacia Hidrográfica do Rio Preto, no limite leste do DF, sem que se tenha observado seu avanço sobre bacias vizinhas, em especial sobre o Vale do rio São Bartolomeu.

Nessas duas décadas, em termos absolutos, o IBGE informa que a área da vegetação nativa apresentou a maior retração, 329 km² (10,2%). Passou de 3.226 km² para 2.897 km². Já a florestal, que costuma se fazer mais presente junto aos córregos e riachos da região, perdeu 3 km² (5,1%). A ocupação pelo agronegócio de terras cobertas por formações florestais passou de 56 km² para 59 km², no DF. Na visão da Sema, contudo, áreas tradicionalmente rurais estão sendo griladas e transformadas em urbanas e exemplifica com a região do Rodeador, em Brazlândia

Para o geógrafo Aldo Paviani, os dados do IBGE revelam o crescimento ostensivo do agronegócio no DF, “que, de um lado, ocupa e dá rendimentos aos agricultores e ao GDF em termos de impostos (se é que são recolhidos), mas, de outro lado, indica um péssimo rebatimento ambiental.”

“Devemos avaliar se os ganhos em comparativamente às perdas ambientais, a partir de um olhar humano para às nossas riquezas territoriais. A vegetação poderá levar décadas para se regenerar. Por isso, deve-se sopesar perdas para que o DF deixe de estimular uma atividade que se questiona o ganho coletivo com ela. Ao que parece, ao menos em termos geoambientais, joga-se o prejuízo para as futuras gerações, ainda não nascidas. Uma questão é evidente: elas não gostarão de receber uma terra arrasada em que nada mais cresce porque entre os anos 2000 e 2022 não se tomaram as medidas ecoambientais para proteger a Natureza” – complementa.