Privatização da gestão do metrô está dentre os projetos do GDF que o TCDF apontou "inconsistências". Foto de André Borges/Agência Brasília.

Projetos de PPP do GDF não passam pelo crivo do TCDF. Análises técnicas apontam incosnistências e até sobrepreço. Tribunal aguarda posicionamento do governo para uma série de questionamentos feitos.

Por Chico Sant’Anna

A guerra está declarada.
Ibaneis joga na conta do Tribunal de Contas o não avanço de seus projetos.
Metrô, VLT, Rodoviária, Interbairros…, são diversos e bastante lucrativos os projetos que o GDF deseja repassar para a iniciativa privada. Desde o início do governo – e agora também para o segundo mandato – Ibaneis Rocha aposta nas Parcerias Público Privadas (PPPs) para tocar importantes projetos e, principalmente, aqueles que envolvem as maiores cifras, algumas delas bilionárias. Entretanto, os projetos e editais tem sido sistematicamente barrados no TCDF. Alguns deles com erros graves e outros até com suspeita de superfaturamento.

Publicado simultaneamente na coluna Brasília, por Chico Sant'Anna, do semanário Brasília Capital.

Logo após as eleições, Ibaneis resolveu terceirizar a culpa da ineficiência de seu governo, jogando-a nas contas do TCDF, responsável pela fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial dos órgãos e entidades públicas. A resposta não demorou. Presidente daquela Corte, Inácio Magalhães, negou que ela atrapalhe o GDF. Segundo ele, todo projeto encaminhado, se estiver em ordem, será liberado.

Pelo visto, pouca coisa “está em ordem”. O próprio TCDF enumera, um a um, os projetos prioritários do GDF, cujas “irregularidades”, esperam há meses para que sejam sanadas pelo governo. Muito deles são de responsabilidade da secretaria de Mobilidade de Brasília – Semob.

Falhas nos projetos de privatização do Metrô e do VLT, inclusive com suspeita de superfaturamento, foram apontadas pelo TCDF.

Metrô e VLT

Considerados peças chaves para desafogar os engarrafamentos no DF, os editais do Metrô e do VLT foram brecados pelo TCDF. Quanto ao metrô, em setembro de 2021, a minuta do edital de privatização da gestão foi rejeitada. Em 30 anos, a empresa vencedora receberia cerca de R$ 13 bilhões do GDF, a valores de 2019, e não precisaria construir nenhum centímetro novo de linha. Na visão do TCDF, a Semob não demonstrou ser vantajosa a privatização da gestão. Identificou sobrepreço superior a R$, 1,4 bilhão, apenas no item de gestão e manutenção das estações e outras estruturas físicas. Não explicou o que acontecerá com os atuais metroviários, nem os custos com suas demissões. Não demonstrou em quanto seria a economia do GDF, caso privatiza-se o Metrô-DF. Identificou, ainda, falhas nos estudos de engenharia, “que não atendem aos requisitos mínimos para o nível de detalhamento de anteprojeto e a ausência de orçamento”. Além disso, entendeu que as regras do edital reduzem a competitividade, podendo direcionar seu resultado. Até hoje, o GDF não fez as alterações demandadas.

Com o edital do VLT, não foi muito diferente. A proposta é a mesma do governo José Roberto Arruda. Interligar o Aeroporto a Asa Norte, passando pela W.3. Na análise do TCDF, encontram, “de maneira clara e consistente uma série de impropriedades no edital”. Falta de “completo estudo de viabilidade”. “Após analisar a modelagem técnica, operacional, jurídica e econômico-financeira do empreendimento, o TCDF determinou a suspensão cautelar da contratação” A suspensão se deu em de abril de 2021” – relata o TCDF. Até hoje a Semob não se pronunciou, alegando “complexidade do tema”.

A Interbairros promete interligar Samambaia e Águas Claras ao Plano Piloto, na altura da Estação do Metrô. Para bancar seu custo, o GDF oferta a criação de lotes residenciais e comerciais ao longo da nova via.

Interbairros

Idealizada no governo de Cristovam Buarque, o edital da, agora denominada, Avenida das Cidades, também de responsabilidade da Semob, parou na blitz do TCDF por falta de documentação. Com mais de três décadas, a solução rodoviarista da implantação dessa auto estrada, paralela à EPTG, é tida como tecnicamente superada por muitos especialistas de mobilidade urbana. Apontam que na atualidade, a opção ambientalmente mais adequada seria um VLT ou novo ramal do metrô. O que inclusive impactaria menos a travessia do Parque do Guará e evitaria um volume maior de veículos transitando na via EPIA.

O TCDF, contudo, foca as exigências legais, Não deve se pronunciar sobre esse aspecto. Ele identificou “inconsistências quantitativas e valorativas nos itens de maior materialidade do orçamento, insuficiência de fundamentação em precificações e ausência de estudos específicos necessários ao anteprojeto. Quanto à análise do modelo econômico-financeiro, notou-se que foram feitos cálculos utilizando médias inadequadas”. Também está sendo analisada representação do distrital Rodrigo Delmasso (Rep), que alega irregularidades no relatório final da audiência púbica que tratou da PPP.

Para retirar o trânsito sobre a Barragem do Paranoá, foi idealizada uma ponte que requer a duplicação da DF-01, no bairro Jardim Botânico. O serviço seria pago com uma área de propriedade da Terracap. Obra foi considerada pelo TCDF com custo acima do correto e que a gleba a servir de moeda de pagamento foi subavaliada.

Via Ponte Paranoá

Outro projeto estrutural sob análise do TCDF é a PPP para construir e conservar a ponte sobre o córrego do Paranoá – Via Ponte Paranoá – além da duplicação de trecho da DF-01. A ideia é retirar os veículos sobre a Barragem do Paranoá. Que há muito demonstra estresse estrutural. O TCDF alega invasão das competências do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF), questiona a possibilidade de o GDF pagar a empresa vencedora com imóvel da Terracap e diz ter encontrado sobrepreço no orçamento da obra e subavaliação da gleba de terra que seria usada como moeda de pagamento. Quase um ano depois de instada a se posicionar, a Semob ainda não reagiu.

Edital de privatização da gestão da rodoviária apresentou uma série de incosnsistências, segundo o TCDF, que aguarda os esclarecimentos do GDF.

Rodoviária

A lista de editais irregulares do TCDF segue com a privatização da gestão da Rodoviária do Plano Piloto. O edital prevê um contrato de vinte anos. O TCDF questionou em novembro de 2021 a modelagem técnica, operacional, jurídica e econômico-financeira do empreendimento. Entenderam que o edital não é claro quanto a critérios de qualificação técnica das empresas interessadas– classificados na análise como “peculiares” – e que comprometeriam a competitividade na licitação. Em sessão, dia 19 de outubro, o pleno do Tribunal deu 30 dias para que a Semob responda aos questionamentos. Ela deverá também se pronunciar sobre a cobrança de estacionamento no perímetro da Rodoviária e a quem caberá a responsabilidade civil sobre os veículos que lá estacionarem (roubo, batida, danos materiais).

“O TCDF também determinou que a Semob apontasse as medidas para regularizar as ocupações dos espaços comerciais dos boxes e lojas que guarnecem a Rodoviária do Plano Piloto. Por fim, apontou que a concessão almejada requer a aprovação de lei pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, que a autorize e fixe seus termos” – diz informe do Tribunal.

Pelo projeto, 115 mil vagas de estacionamento em todo o Plano Piloto e algumas áreas adjacentes, muitas no interior de quadras residenciais, assariam a ser geridas por uma única empresa que poderia obrar pelo uso das vagas. Em 2021, a estimativa de preços era de R$ 5,00 por hora, em áreas centrais, como como o Setor Comercial, e de R$ 2,00 por hora, em áreas mais periféricas.

Zona Verde

Cobrar pelo uso da quase totalidade das vagas de estacionamento existentes no Plano Piloto é outra meta do GDF. São cerca de 115 mil vagas, muitas no interior de quadras residenciais, que passariam a ser geridas por uma única empresa. Para se avaliar essa proposta, São Paulo, que tem uma população três vezes maior, cobra estacionamento em 44 mil vagas. Em setembro de 2021, a corte determinou que a Semob se manifestasse sobre impropriedades na minuta do edital e em seus anexos. O projeto não dá muitas alternativas aos moradores. Se for para o trabalho de carro, pagará pela vaga no destino, se deixar na quadra em casa, também pagará. Na época, os valores estipulados eram de R$ 5,00 por hora, em áreas centrais, como como o Setor Comercial, e de R$ 2,00 por hora, em áreas mais periféricas. Isso sem contar o preço do transporte por aplicativo ou a passagem ida e volta de ônibus. A princípio, os técnicos apuraram uma superestimativa de R$ 74,8 milhões no projeto, além de outras irregularidades operacionais.

Em resposta a essa coluna, a Semob afirmou que “está fazendo todas as adequações necessárias, atendendo às recomendações feitas pelo TCDF”, que os projetos estão sendo ajustados às observações do Tribunal e que todas as PPPs foram alvo de audiências públicas.