Vista aérea do Plano Piloto. Foto de Bento Viana

Três projetos de leis complementares, de autoria do GDF, chegarão à Câmara Legislativa no apagar das luzes do ano. Governo tem pressa para alterar as regras de uso do Setor Comercial Sul, de autorizar a privatização das áreas verdes nos bairros nobres do Lago Sul e Norte e fazer valer o PPCUB, com as novas regras urbanísticas para a área tombada de Brasília.

Por Chico Sant’Anna

Os brasilienses, ciosos quanto à preservação e ao futuro de sua cidade, vão ter muito trabalho nesse fim de ano, acompanhando e fiscalizando as iniciativas do GDF em alterar marcos jurídicos e urbanísticos de Brasília.

Em meio a eleições e festas de fim de ano, a secretaria de Desenvolvimento Urbano (Seduh) lançou três propostas complexas de mudança do ordenamento urbanístico: alteração das atividades permitidas no Setor Comercial Sul, permissão para que as áreas verdes do Lago Sul e Norte sejam incorporadas aos lotes lindeiros e, o mais complexo, o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), marco jurídico que tem por objetivo assegurar os valores e referenciais do projeto de Lucio Costa.

Só o PPCUB possui 500 páginas, entre normas, anexos, plantas e regulamentos. Ele versa sobre uma área geográfica que vai da Estrada Parque Indústria e Abastecimento até às margens do Lago Paranoá, no Lago Sul e Norte, incluindo também o Parque Nacional de Brasília, a Candangolândia, Sudoeste e Cruzeiro. Ficam de fora, por exemplo, a Estrutural, e uma área, de 4,2 milhões de m², do Exército, atrás da Rodoferroviária, para onde já há projeto de ali erguer um grande bairro residencial, com 21 mil imóveis, para 63 mil habitantes – equivalente à população do Sudoeste.

A audiência pública, quando a população, em especial a residente no Plano Piloto, deve se pronunciar, já foi marcada para 19/11. Dois dias depois, será o debate do Projeto de Lei Complementar (PLC) sobre a concessão de uso para ocupação das áreas públicas contíguas aos lotes residenciais no Lago Sul e Norte. As chamadas áreas verdes poderiam ser incorporadas aos lotes limítrofes. Antes disso, porém, em 7/11, está marcada outra audiência pública, essa pra tratar do PLC que amplia os usos e atividades econômicas no Setor Comercial Sul (SCS).

O governo parece ter pressa de passar a régua nesses três importantes projetos de urbanismo. Declarações na imprensa apontam o desejo de que tudo seja votado e aprovado ainda nesse ano. Na Câmara Legislativa, contudo, há um sentimento de que não haverá tempo hábil, pelo menos na visão do presidente da Comissão de Assuntos Fundiários, Cláudio Abrantes, e do presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, Leandro Grass.

Pela proposta do GDF, donos de lotes no Lago Sul e Norte poderão incorporar a seus lotes a área verde pública limitrofe. Em alguns casos, área final do imóvel poderá mais do que duplicar.

Áreas verdes

O PLC das áreas verdes é uma resposta à sentença judicial, já tramitada em julgado, que determina a liberação das áreas de servidão de passagem. São corredores previstos no projeto urbanístico para que as concessionárias de serviços públicos: luz, água, telefone, internet possam passar suas redes, para que agentes de segurança pública possam circular e, em especial, para que pedestres possam aceder às margens do Lago Paranoá e aos seus destinos, sem ter que dar imensas voltas.

Essas áreas foram, de maneira geral, ocupadas pelos moradores dos dois bairros, que incorporaram a seus lotes o espaço público. Representantes dos moradores se rebelaram e conseguiram do GDF sobrestar no Superior Tribunal de Justiça a ordem de desocupação das áreas, já determinada.

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A ideia foi ganhar tempo para que esse PLC traga uma nova realidade jurídica e evite a remoção das cercas. Eles só não esperavam que o GDF viesse a propor cobrança pelo uso dessas áreas públicas e já há movimentação para derrubar esse ônus.

Pelo PLC do SCS, novas atividades, como faculdades e albergues sociais, poderão funcionar no local. Entidades empresariais se dividem quanto à possibilidade de oficinas mecânicas e fabricas de massas e benidas atuem no local. Vista aérea do Setor Comercial Sul. Foto da TV Brasil.

SCS

Duas das mais importantes entidades que representam empresários do Setor Comercial Sul se dividem quanto às mudanças de uso daquela área. A Associação Comercial do DF (ACDF) é contra o projeto do GDF e defende a transformação do setor em um polo high tech, polo de gastronomia e rua 24 horas.

Segundo seu presidente, Fernando Brites, as mudanças no SCS deveriam ser analisadas no âmbito do PPCUB, pois trarão impactos no restante do Plano Piloto e a entidade se mostra fortemente contrária à ideia de autorizar o funcionamento de empresas de torrefação e moagem do café; de fabrico de massas alimentícias; de cervejas e chopes; e de oficinas de reparação de veículos automotores e motocicletas, bem como de albergues sociais.

Já a prefeita comunitária do SCS, Lígia Meireles, considera “meritória”, a ampliação de usos econômicos visando promover a instalação de novas empresas, “contribuindo para a reversão do estado de degradação urbana promovido pelo esvaziamento dos Edifícios” e não vê problemas nas atividades econômicas que a ACDF questiona.

“Ademais, as concessionárias de automóveis, os bares e restaurantes que produzem alimentos desta natureza, joalherias, indústrias de TI, já existem em áreas análogas como é o caso do Setor Comercial Norte” – comenta.

O único questionamento é à instalação de albergues sociais, previstas no PLC. Segundo ela, Lei Federal 12.435/2011, prevê esses serviços inseridos em área residencial, para evitar estigma e, para que o acolhido sinta-se em casa e não em um ambiente institucional.

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Olhar atento

É importante que o brasiliense fique atento às mudanças propostas, nesses três projetos. Nas mudanças recentes da Lei de Uso e Ocupação do Solo – Luos, os moradores de Águas Claras foram surpreendidos com a transformação de lotes destinados a escolas e unidades de saúde em lotes comerciais e residenciais. O tema, inclusive, foi alvo do Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, que determinou a manutenção de duas áreas naquele bairro com fins educacionais.

No governo Agnelo de Queiroz, uma proposta de PPCUB muito polêmica foi apresentada. Há quem diga que esse foi um dos motivos de ele ter perdido a eleição. Nela, lotes escolares dentro das superquadras poderiam ser vendidos à iniciativa privada, na beira do lago, poderiam ser erguidos quadras residenciais e o gabarito dos hotéis de dois andares no Plano Piloto seriam ampliados de forma a possuir o mesmo tamanho dos prédios vizinhos. Além disso, nasceria a quadra 500 do Sudoeste, numa área institucional da Marinha do Brasil, e seria criada a quadra 901 da Asa Norte, com espigões.

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No projeto atual, a Seduh informa que os gabaritos e destinação de uso nos Setores Hoteleiros e na beira do Lago serão mantidos os mesmos e que não haverá atividade comercial nas residências da Avenida W.3. Entretanto, em entrevista à rádio CBN, o secretário, Mateus Leandro de Oliveira, se mostrou simpático a que essas casas possam abrigar escritórios de advocacia e outras atividades liberais. O assunto vai cair no colo dos distritais.

Antigo sonho de consumo da Terracap, a chamada quadra 901 poderá sair do papel se aprovado o PPCUB. Pela proposta, entre o Estádio Mané Garrincha e o Setor de Rádio e TV Norte, nasceria um novo espaço abrigando prédios de até oito andares. Altura 33% maior do que as autorizadas para as superquadras. Foto de Chico Sant’Anna.

901 Norte

A quadra 500 do Sudoeste já está sendo erguida. Nem esperou o PPCUB, mas ele a incorpora. A Seduh pretende criar um projeto para a 901 Norte, com o parcelamento em múltiplos lotes daquela área, de 85 mil m², entre o Mané Garrincha e o Venâncio 3 mil, com edifícios de oito andares, bem acima do gabarito de seis andares das superquadras. O PPCUB fala em que o térreo deverá ser destinado a atividades comerciais, mas não especifica o suo dos andares superiores.

Nas imediações do Mané Garrincha, a proposta prevê a criação de três unidades imobiliárias e na área do Autódromo, o GDF prevê deixar para um concurso público a definição de uso e ocupação da área de quase 800 mil m². A lateral leste do autódromo, que olha pra W.3, poderá ser concedida à iniciativa privada, devendo ser mantida para fins de atividades de apoio ao Autódromo.

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São propostos também novos lotes, como para a instalação do terminal rodoviário norte, próximo ao Noroeste; ampliação da estação Shopping do metrô e para ampliação das instalações do Tribunal de Contas da União. Duas novas áreas são criadas nas cercanias do Palácio do Planalto e uma terceira ao lado do Tribunal Regional Eleitoral, próximo à Praça do Buriti. A destinação dessas novas áreas não está clara.

A proposta do PPCUB proibe fiação aérea na W.3, o que obriga reformular o projeto do VLT que pretendia usar energização aérea. Agora terá que ser nos trilhos ou por bateria. Mas o texto é omisso quanto à intenção de se privatizar o canteiro central da W.3 em benefício da empresa que vier a gerir os bondes elétricos. Também é omisso quanto à existência de fiações aéreas ao longo das avenidas W.4, W.5 e L.2. e dos Eixos Rodoviários L e W, Sul e Norte.

VLT

O PLC veda a fiação aérea na região da W.3 Sul e Norte. Com isso, a proposta de VLT em estudo pela secretaria de Mobilidade Urbana, vai ter que pensar em outro tipo de energização para os futuros bondes elétricos.

Chama atenção não haver vetos para fiações aéreas nas imediações das avenidas W. 4 e 5, bem como na L.2 e nos Eixos Rodoviários L e W, Sul e Norte, o que pode dar brecha para que essas vias se transformem em um maranhado de fios e cabos.

A maioria das entidades comunitárias e urbanistas ainda se debruça sobre as novas regras propostas. Professor Benny Schvarsberg, da Arquitetura UnB, diz que o PPCUB é muito complexo e não deveria tramitar às pressas e nem ser alvo de apenas uma audiência pública.

“Seriam necessárias, pelo menos, três audiências, segmentadas por temas, em localidades diferentes da área tombada, e mais uma fora dela”. Ele questiona o fatiamento dos projetos e classifica como “ameaça ambiental e urbanística” a proposta de privatização das áreas verdes do Lago Sul e Norte.

Professor de Urbanismo, Frederico Flósculo, alerta que a autorização de uso das áreas verdes aos moradores do Lago Sul e Norte pode vir a ser um presente de grego, com os valores do IPTU vindo a dobrar.