Manutenção dos secretários das pastas com maior interface com a ououlação, Saúde, Educação, Mobilidade e Desenvolvimento Urbano demonstra que não haverá mudanças de propostas de gestão, embora esses tenham sido os calcanhares de Aquiles da primeira gestão de Ibaneis Rocha.

Por Chico Sant’Anna

Ano Novo e novas gestões de governo assumem seus postos no Eixo Monumental. A Leste, no Palácio do Planalto, tudo é novo, gente nova, expectativas de mudanças em relação ao governo que se foi e de uma administração mais próxima às necessidades populares. A Oeste, no Buriti, o sentimento é diametralmente diferente. A sensação é de déjà-vu, mais do mesmo. Um segundo tempo com o time, praticamente, igual. Principalmente, no que se refere àquelas pastas que possuem maior interface com a comunidade: Saúde, Educação, Mobilidade Urbana, Desenvolvimento Urbano. Na gestão que passou, essas áreas deixaram muito a desejar e, apesar disso, Ibaneis Rocha (MDB) manteve os mesmos gestores.

“Apesar de ter sido eleito no primeiro turno, isso não significa que os brasilienses estavam satisfeitos com o desempenho de seu governo. Na verdade, a população deu uma chance pra mudar as áreas mais sensíveis. Mas o GDF não dá respostas convincentes para as pessoas que morrem nas filas do Cras, em busca do Bolsa Família, a espera de um tratamento de Saúde ou vaga para seus filhos estudarem. Quem mais sofre com isso são mulheres, que pernoitam ao relento, mendigando o que é de direito para si e para seus filhos” – avalia a professora Fátima Sousa (Psol).

Sentimento semelhante tem Adriana Modesto, PhD em Transportes e Mestre em Ciências da Saúde. Para o que ela chama de “2º Tempo” da gestão Ibaneis, ela reitera a necessidade de se tirar do papel os objetivos prioritários previstos na Lei Orgânica do Distrito Federal. “No âmbito da mobilidade urbana, são necessários o diálogo, a concepção e a implementação de políticas urbanas (Planejamento Urbano, Planejamento de Transporte e Planejamento de Circulação) atentas às demandas inerentes à população do DF, cuja diversidade, perfis e realidades distintas, é tão bem exemplificado na mostra de pessoas que subiram a rampa do Planalto na posse presidencial” – comenta.

No campo da mobilidade, nessa nova gestão, contudo, Ibaneis buscará materializar as propostas que empacaram no “1º Tempo”. Privatizar será a palavra de ordem. No metrô, na implantação do VLT e até mesmo na gestão paga de mais de cem mil vagas de estacionamento no Plano Piloto e adjacências. São setores que movimentam volumosas fortunas e, portanto, geram imensas cobiças.

A privatização do metrô, em análise no Tribunal de Contas do DF, prevê o repasse de cerca de R$ 13 bilhões dos cofres públicos à empresa escolhida, ao longo de 30 anos, a valores de 2019. O TCDF identificou sobrepreço na proposta superior a R$ 1,4 bilhão. Detalhe: não é prevista a ampliação da atual rede e, segundo o TCDF, o edital pode direcionar a escolha da empresa vencedora. Analistas, inclusive, arriscam a dizer que será a empresa de ônibus Urbi, de propriedade do consórcio goiano HP-Ita, em parceria com a Companhia do Metropolitano de São Paulo. Ela já opera a Bacia 3 do transporte coletivo em ônibus no DF, com 50 mil usuários/dia, e foi a responsável por elaborar o projeto de negócio utilizado pelo GDF.

A implantação do VLT, orçado em R$ 10 bilhões a serem pagos pelo GDF em dez anos, também esbarra no TCDF e no Iphan, que vetou o uso de redes aéreas de cabos para energizar os bondes elétricos. O projeto do VLT foi elaborado por outra concessionária de ônibus, Viação Piracicabana, do clã Constantino.

Para que esses três projetos, as menina dos olhos de Ibaneis, não sofressem solução de continuidade, a atual equipe da Semob continuará em campo. Além desses, existe outro contrato bilionário, que requer nova licitação, que é a do transporte coletivo em ônibus no DF.

O novo presidente da Comissão de Mobilidade da Câmara Legislativa, Max Maxuel (Psol), analisa que a permanência de Valter Casimiro, na Semob é a continuidade dos projetos que estão sendo tocados. Diplomaticamente, diz que pretende chamar para o diálogo “sobretudo, apontar as nossas colaborações para a melhoria das políticas públicas e dos projetos nos quais os dois tocam nas suas respectivas pastas.”

Urbanismo

A situação na área urbanística é semelhante. Depois de re-alterar a Lei de Uso de Ocupação do Solo – Luos (já alterada em fins do governo Rollemberg e sancionado pelo próprio Ibaneis), trazendo à realidade jurídica um texto que segundo analistas é o fruto do desejo da indústria da Construção Civil e da especulação imobiliária, Ibaneis agora foca o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília – PPCUB. O texto, que deveria definir como o projeto de Lucio Costa será preservado, se revelou uma alteração das essências do que o urbanista definiu décadas atrás. Com mais de 200 páginas e ininteligível para a maioria dos mortais, já se pode perceber que ele propõe a transformação de áreas públicas, como praças, em lotes edificáveis, na Asa Norte, loteamento do canteiro central do Eixo Monumental, entre a Praça do Cruzeiro e a Rodoferroviária; alterações fundiárias nas entre superquadras da Asa Sul, tais como EQS 106-107 Sul, atrás do Cine Brasília, dentre outras reformulações.

Mateus Oliveira, titular da Seduh, é um advogado formado em São Paulo, especialista em Direito Urbano e durante muitos anos atuou em empresa incorporadora e também representou, de 2014 a 2016, a Fecomércio-DF no Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do DF. O Conplan é que avalia previamente os projetos de alterações urbanísticas elaborados pelo GDF. Para a professora de arquitetura e conselheira do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do DF- CAU, Angelina Nardelli, a Seduh “tem tomado decisões na contra mão de muitos preceitos mundiais de preservação de sítios tombados – em especial as que estão relacionadas ao PPCUB”. “Ela perde a chance de pensar algo novo, dispensando as banalidades que, se aprovadas, transformarão Brasília em uma cidade comum” – complementa. Para o também professor de Arquitetura da UnB, Frederico Flósculo, a gestão Ibaneis “jamais se permitiu avaliar de forma republicana suas políticas urbanas de obras e uso do solo e também na péssima mobilidade oferecida à população”. “É um típico ‘passa sua boiada’, na qual os grileiros se transforam nos verdadeiros ‘urbanistas de Brasília’. Prova disso, é a transformação de suas iniciativas criminosas em Administrações Regionais, que já somam 35. Muitas delas antigas ocupações irregulares fomentadas por grileiros” – salienta o acadêmico.

Os especialistas cobram um planejamento mais efeito. “Não há um plano para tratamento pós agravos dos que pegaram Covid. Qual é a estratégia em termos de tecnologia para acabar com as filas de matrículas nas escolas? Vamos manter a mesma postura do primeiro mandato? O GDF deveria ter aproveitado a recondução para dar respostas às pessoas que batem às portas oficiais e não conseguem o atendimento solicitado” – conclui Fátima Sousa. Para Flósculo, o 2º tempo será a continuidade de “uma política baseada somente na fraternidade e na união política. É notícia ruim para a população a quem o GDF deve servir.”