Financeiramente, as coisas vão ficar difíceis. Brasília não se auto sustenta é dependente do governo federal. O Fundo Constitucional do Distrito Federal, em 2023, representa cerca de R$ 23 bilhões, quase a metade de todo o orçamento distrital de R$ 57,4 bilhões. Não é só o FCDF que está na berlinda. Brasília precisa de repasses e financiamentos federais para suas obras estruturantes. Quem terá boa vontade para aprovar as demandas do DF? Sem as melhorias dos equipamentos de Saúde, Educação, da mobilidade urbana, quem sofre é o brasiliense. Foto de Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Por Chico Sant’Anna

Aos poucos, Brasília, essa senhora sexagenária, vai se recuperando das agressões que sofreu por parte do bolsoterrorismo ao que possui de mais simbólico: ser ícone da democracia brasileira e detentora de acervo arquitetônico e artístico das melhores cabeças da cultura nacional: Niemeyer, Di Cavalcanti, Athos Bulcão, Bruno George e tantos outros. Mas o brasiliense ainda vai amargar durante muito tempo os reflexos dos desmandos do governador Ibaneis Rocha (MDB). O governador que deveria zelar pela Capital Federal a colocou num cenário dantesco e quem vai pagar a conta é o brasiliense.

Nessa conta, alguns analistas chegam a colocar em risco a própria autonomia política da cidade. Não sei se chega a tanto, mas há riscos maiores. Na Câmara Federal, o bolsonarista, Daniel Silveira (PTB-RJ), aquele que rasgou a placa em homenagem a Marielle Franco, propôs, em 2020, o retorno da Capital ao Rio de Janeiro. Pode parecer um devaneio folclórico, mas repare que para se apresentar uma PEC, o autor preciso do apoio subscrito de um terço dos 513 deputados federais. Por isso, é importante uma resposta firme e relevante da classe política candanga referente à tropelia patrocinada pelo governador.

Financeiramente, as coisas vão ficar difíceis. Brasília não se auto sustenta é dependente do governo federal. O Fundo Constitucional do Distrito Federal, em 2023, representa cerca de R$ 23 bilhões, quase a metade de todo o orçamento distrital de R$ 57,4 bilhões. O FCDF foi criado para dar assistência financeira às polícias militar e civil, ao corpo de bombeiros, bem como aos serviços públicos de Saúde e Educação.

A Constituição Federal não permite que seus recursos sejam utilizados fora da área do DF, mas o olho gordo sobre essa verba cresce ano a ano. Já houve proposta de alteração da Constituição no sentido de diminuí-la ou redirecionar parte a outros propósitos. Em 2019, o deputado goiano, José Nelto, então Líder do Podemos, apresentou PEC permitindo que dezenove municípios goianos e dois mineiros também bebessem na mesma fonte. Um ano antes, foi analisada na Cia de Desenvolvimento do Planalto – Codeplan proposta de direcionar 5% dos recursos do FCDF para o custeio da implantação de um polo da indústria bélica nacional. No fim de 2021, o agora Líder do Governo no Senado, Randolffe Rodrigues, chegou a apresentar uma PEC que simplesmente extinguia o FCDF.

Se existia uma incompreensão do papel de Brasília para muitos legisladores, esse sentimento pode agora ser fortalecido com uma má vontade para com os governantes locais. Por que financiar a segurança pública, se ela não protege Brasília? Por que custear a Saúde e a Educação, se esses serviços, de tão sucateados, já não são mais utilizados pela comunidade diplomática e do governo federal?

Não é só o FCDF que está na berlinda. Brasília precisa de repasses e financiamentos federais para suas obras estruturantes. O Túnel de Taguatinga – que nunca fica pronto – está sendo feito com verbas federais, indicadas pela Bancada no Congresso. A anunciada ampliação do metrô, a construção de novos hospitais e centros técnicos de ensino, a implantação do VLT e tantas outras iniciativas dependem de verbas do BNDES, da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, do FNDE, do Fundo Nacional de Saúde, de aval federal a empréstimos internacionais e mesmo do Orçamento da União. Com quem o Buriti vai dialogar no governo federal para contar com essa ajuda financeira? Quem terá boa vontade para aprovar as demandas do DF? Sem as melhorias dos equipamentos de Saúde, Educação, da mobilidade urbana, quem sofre é o brasiliense.

No Judiciário, a imagem que Ibaneis possuía em decorrência de sua trajetória advocatícia, se estilhaça como os vidros do STF. O seu afastamento temporário – e mesmo um eventual impeachment – pode ajudar, mas não irá curar milagrosamente a relação Buriti-Planalto. Foto de Sérgio Lima/Portal 360 Graus.

Isolamento

Ibaneis corre o risco de ser expulso do MDB, aumentando o seu isolamento e o de Brasília. Ficaria sem padrinhos no Congresso. No Judiciário, a imagem que possuía em decorrência de sua trajetória advocatícia, se estilhaça como os vidros do STF. O seu afastamento temporário – e mesmo um eventual impeachment – pode ajudar, mas não irá curar milagrosamente a relação Buriti-Planalto.

A governadora interina Celina Leão (PP), que externou com mais veemência sua predileção a Bolsonaro, terá que mudar de comportamento. Nesses noventa dias, ou quem sabe, ao longo de todo o mandato, a leoa terá que ficar mansinha. Miar baixo. Entregar imediatamente a direção da secretaria de Segurança a um indicado por Lula. Montar uma equipe menos reacionária e mais colaborativa ao governo federal e que tenha propostas adequadas à nova agenda nacional. Tanto na área do Meio-ambiente, da Educação e Saúde, quanto no atendimento aos mais pobres, às minorias sociais. Transparência terá que ser a palavra de ordem no GDF. A equipe atual de secretários do DF está longe de bem representar esse roteiro.

Ah, depois de tantas agressões ao Plano Piloto, tombado pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade, o GDF deveria rever o projeto de PPCUB que enviou à CLDF. De agressões a ideia revolucionária de Lucio Costa já bastam as feitas pelos bolsoterroristas.