
Os últimos quatro anos revelaram uma faceta dos brasileiros desconhecida de muitos: a intolerância, a selvageria, a xenofobia, o racismo, a homofobia, o machismo arraigado. O brasileiro se revelou ser o “cidadão cordial”, imaginado por Sérgio Buarque de Holanda, na obra Raízes do Brasil. O conceito de homem cordial não vem da cortesia, como pensam muitos. É calcado na visão do ser movido pela emoção, o que inclui atos violentos; Foto: Getty Images/Andressa.
Por Chico Sant’Anna
No calendário brasileiro, várias datas marcam momentos cívicos de importância para a construção da brasilidade. No 21 de Abril, Dia de Tiradentes; no 22, o Descobrimento do Brasil; 7 de Setembro, Independência; 15 de Novembro, Proclamação da República. Temos ainda efemérides que nos levam a refletir sobre situações sócio-políticas, tais como 20 de Novembro, Dia de Zumbi dos Palmares e Dia Nacional da Consciência Negra; 19 de Abril, Dia do Índio; e também 8 de Março, Dia das Mulheres. Proponho que se estabeleçam o Dia Nacional de Combate ao Arbítrio e à Intolerância. A data: 8 de Janeiro.
Os últimos quatro anos revelaram uma faceta dos brasileiros desconhecida de muitos: a intolerância, a selvageria, a xenofobia, o racismo, a homofobia, o machismo arraigado. O brasileiro se revelou ser o “cidadão cordial”, imaginado por Sérgio Buarque de Holanda, na obra Raízes do Brasil. O conceito de homem cordial não vem da cortesia, como pensam muitos. É calcado na visão do ser movido pela emoção, o que inclui atos violentos.
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“A violência é uma característica primordial do homem cordial. Todo e qualquer antagonismo é por ele interpretado como uma ameaça. O homem cordial é ao mesmo tempo um tipo de indivíduo e um padrão de interação social, uma personalidade e um modo de se relacionar com as outras pessoas. A definição da cordialidade do brasileiro passa pela ambiguidade e não da racionalidade, para alcançar os objetivos. […] Na política, a cordialidade vai na contramão da ideia de igualdade, impessoalidade, formação de maiorias deliberativas, o que, para o autor, faz com que tenhamos dificuldade em lidar com a democracia” – avalia a socióloga Milka de Oliveira Rezende, coordenadora da Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Goiânia
A institucionalização do Dia Nacional de Combate ao Arbítrio e à Intolerância serviria para alterar esse perfil do brasileiro. Torná-lo mais sociável, menos individualista e egoísta. Fazer com que ele conheça o funcionamento das organizações e da Federação, chamada Brasil. Que ele pense num coletivo multicolorido e não apenas na sua bolha.
Seria um dia para que compreendêssemos a importância de se preservar a cultura de um povo. Não podemos banalizar a destruição de obras de arte, que mais que belas e onerosas, representam um movimento da sociedade brasileira inserida não apenas nas artes, mas em todo o desenvolvimento social brasileiro. Por meio dele, o modernismo nacional, dos quais Di Cavalcanti – mutilado no Palácio do Planalto – era uma das expressões; tinha como objetivo a consolidação de uma cultura nacional. O Brasil mostrava ao mundo e aos brasileiros ser mais do que uma república das bananas. Não por outro motivo, a Semana de Arte Moderna ou “Semana de 22”, foi organizada em São Paulo no ano e que se celebrava o centenário da independência do Brasil, em 1822.
O brasileiro médio, contudo, desconhece tudo isso. Mesmo aqueles que chegaram às universidades. Lembremos que disciplinas como filosofia, sociologia, introdução musical foram recentemente retiradas dos currículos escolares. Prevaleceu o padrão de ensino tecnocrático – que se exacerbou com o neoliberalismo dos anos 1990 – de se ensinar apenas o apertar de botão e não a reflexão. Nos levou a esse perfil de cidadania insana que tudo quer quebrar, destruir, que criminaliza organizações representativas, sindicatos e até mesmo condomínios residenciais.
A educação tem poderes para revolucionar essa realidade. Não apenas propiciando um crescimento social e econômico dos indivíduos, como também criando novos valores. Não por menos, países bem avançados, como a Finlândia, introduziram nas suas grades curriculares a Alfabetização Midiática. Da pré-escola ao ensino médio todos aprendem a processar as informações que nos assolam cada vez em maior volume. Nos ensinam a identificar as fake news e os propósitos que elas escondem. Nos propiciam um escudo de defesa dos malefícios da desinformação – e mesmo a ausência deliberada de determinadas informações. A desinformação é berço fértil para que notícias falsas ou truncadas se multipliquem e gerem seus efeitos nos comportamentos sociais.
Não por menos, a Finlândia considera a desinformação tão importante quanto ciências ou matemática. Desinformados do mundo inteiro acreditaram na cloroquina, na Covid, enquanto uma doença pecaminosa; no perigo fatal das vacinas, transformando os vacinados em jacaré. A desinformação, a intolerância, a antissociabilidade, a violência levaram 700 mil brasileiros para os cemitérios.
Isso precisa mudar.
A criação do Dia Nacional de Combate ao Arbítrio e à Intolerância é o primeiro passo.