
Souvenir, agora, é mais sofisticado e engajado. Chaveiros, canecas de cerâmica com fotos do acampamento ou do slogan bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Tudo é vendido nas bancas de camelôs, de forma misturada aos tradicionais itens de souvenir de Brasília, como as réplicas da escultura dos Dois Candangos, ou da Catedral ou, ainda, dos azulejos de Athos Bulcão. Foto de Douglas Magno/AFP.
Por Chico Sant’Anna
E os atos terroristas acabaram ganhando a sua grife. Reportagem da Agência France Press mostra que uma indústria de souvenires se criou e se revela bastante rentável para que os adeptos do bolsonarismo guardem uma lembrancinha do vandalismo ocorrido na Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro, e, também, da temporada no acampamento do QG do Exército brasileiro.
Não se tratam apenas de camisetas ou das toalhas, que viralizaram no período pré-eleitoral. O turismo de terrorismo agora produtos mais sofisticados e engajados.
São chaveiros, canecas de cerâmica com fotos do acampamento ou do slogan bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Tudo é vendido nas bancas de camelôs, de forma misturada aos tradicionais itens de souvenir de Brasília, como as réplicas da escultura dos Dois Candangos, ou da Catedral ou, ainda, dos azulejos de Athos Bulcão.
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“É uma recordação histórica de uma luta que foi difícil”, disse à France Press, Agnaldo Noleto, de 52 anos, vendedor de souvenires turísticos, há mais de 30 anos, que tem sua banca em frente à Catedral de Brasília, a poucos metros da Esplanada dos Ministérios.
Ele mesmo passou a produzir algumas das lembrancinha, depois que apoiadores de Bolsonaro se instalaram em frente ao quartel de Brasília, pedindo às autoridades que impedissem a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Cada caneca custa R$ 50. “As canecas brancas trazem estampada uma foto em que predominam as bandeiras do Brasil, símbolos dos atos bolsonaristas, com a legenda: “Manifestação no QG do Exército em Brasília. Eu estava lá!” – descreve Noleto.
“Tudo acaba rápido, hoje não tenho quase nada”, disse a agência francesa, ao abrir sua barraca no domingo (22), duas semanas após o atentado em Brasília, e depois de vender sua última caneca com a imagem do ex-presidente.
Essa realidade mercadológica revela algumas facetas macabras que caberá aos psicólogos e sociólogos analisarem. De um lado, a predominância de que o vale tudo econômico não tem limites. Nesse embalo, não será surpresa que canecas com imagens dos Ianomâmis desnutridos sejam produzidas, sem qualquer pudor ou senso crítico.
No meio artístico o conhecimento dessa iniciativa provocou reações fortes. “Sinceramente, canecas com as imagens do ataque aos três poderes em Brasília me preocupam profundamente. Elas refletem o total desconhecimento, da parte dos vândalos, de nossa curta história democrática, mas também da relevância de Brasília enquanto patrimônio cultural da humanidade, além de ir contra o que mais prezo como artista que é a crença das artes como instrumento de promoção da igualdade, do compartilhamento do conhecimento, da diversidade cultural, da capacidade de imaginação humana entre outras coisas maravilhosa que as artes nos proporcionam mas jamais para promover e exaltar a violência” – comentou a artista plástica Júlia dos Santos Babtista, questionando se a receita da venda de tais objetos não estariam servindo de fonte de custeio para novas ações antidemocráticas?.
Troféu
O nonsense dos vândalos terroristas demonstra que não estão satisfeitos com a destruição que perpetraram com os ataques às instituições democráticas, querem um troféu por suas performances delinquentes. Não me espantaria que cacos dos vidros do STF, do Congresso ou do Planalto passem a ser vendidos como troféus de guerra.
Ops, melhor não dar a ideia. Vai que o Noleto se interesse.