A mensagem afogada no espelho d’água tem autor desconhecido. Foi escrita em espanhol, menciona uma possível invasão de terras em Manaus, no período de 1996 a 2023, e pede providências junto ao Ministério Público Federal, à Catedral Militar Rainha da Paz e ao Hotel Selva.

Texto e fotos de Márcia Turcato

A história da Praça do Buriti, em Brasília, é singular, para não dizer surreal. Então não deveria ser surpreendente o misterioso cartaz que jaz no fundo de um dos espelhos d’água da praça onde fica o edifício sede do Governo do Distrito Federal (GDF). O espelho d’água está nas proxiidades da Praça dos Próceres, criada para homenagera lideranças que lutaram liberdade de seus povos no mundo inteiro, em especial os heróis latino-americanos. Gente como San Martin, Simón Bolivar, Salvador Allende, Che Guevara, Luís Carlos Prestes e Yasser Arafat. A mensagem do cartaz, que não desbotou, mesmo submersa, está escrita em espanhol, tem uma ou outra palavra em inglês, e apareceu depois do dia 09 de janeiro, data em que foi realizada uma manifestação popular na praça a favor do impeachment do governador Ibaneis Rocha, afastado do cargo na véspera por suposta conivência ou omissão nos atos fascistas bolsonaristas de ataque aos Três Poderes da República.

Primeiro vou falar sobre a Praça do Buriti. Depois conto sobre o cartaz afogado.

Inspirado no poema “Um buriti solitário”, de Afonso Arinos, o engenheiro construtor de Brasília, Israel Pinheiro, pediu que fosse plantada uma muda da árvore na frente da futura sede do GDF, isso em 1959. A muda não aguentou a vida solitária e logo morreu. Em 1969 foi realizada uma segunda tentativa e, desta vez, a planta prosperou. A árvore foi retirada da rodovia entre Anápolis (GO) e Brasília quando, estima-se, tinha 300 anos!  Algo totalmente condenável nos dias de hoje. Além disso, o buriti é uma palmeira gregária e vive em áreas alagadas ou próximas a nascentes, jamais em local urbano e seco.

Como se não bastasse ter sido sequestrada, em 1992 a palmeira foi atacada a machadadas por um homem em surto. Ele cortou cerca de 30% da base do buriti.

Para manter o buriti vivo, o então diretor da Novacap, Ozanan Coelho, providenciou uma pasta de argila, como se fosse um curativo, ou um remendo, e colocou uma braçadeira de aço em volta da “ferida”. Mas a árvore pendia com o vento e corria risco de cair porque a “ferida” ainda estava aberta. Então apareceu um homem, que trabalhava em um circo acampado próximo da praça, e deu a ideia de estabilizar a palmeira com cabos de aço, da mesma forma que se faz com a lona do circo. E é assim que o buriti está até hoje, já a braçadeira é substituída periodicamente. E a argila é a mesma colocada em 1992.

O poema de Afonso Arinos que serviu de inspiração para a praça teria previsto o surgimento de Brasília, tal como no sonho de Dom Bosco. O poema diz “se algum dia a civilização ganhar essa paragem longínqua, talvez uma grande cidade se levante na campina extensa que te serve de soco, velho buriti perdido…”

Os versos estão em uma placa ao lado do buriti. A palmeira é protegida por um decreto do GDF.

Surreal não?

Mensagem afogada

Já a mensagem afogada no espelho d’água tem autor desconhecido. Talvez tenha sido escrita pelo dono do nome que aparece na lateral da placa: “por Hitur de Bacmillor”.

A mensagem, escrita em espanhol, menciona uma possível invasão de terras em Manaus, no período de 1996 a 2023, e pede providências junto ao Ministério Público Federal, à Catedral Militar Rainha da Paz e ao Hotel Selva.

O texto também menciona perseguição – guerra fria – a venezuelanos e coreanos, e cita como heróis (pelo menos foi o que eu entendi) o compositor de trilhas sonoras para o cinema Jerry Goldsmith (já falecido) e a Orquestra de Tenerife (também conhecida como Orquestra das Ilhas Canárias). Como entender a mensagem? Eu não consegui. Mas esse contexto combina muito bem com as excentricidades da Praça do Buriti. O que vocês acham?

A Praça do Buriti fica na zona cívico-administrativa de Brasília, no Eixo Monumental. No seu entorno estão a sede do GDF, o TC/DF, o Tribunal de Justiça, o Tribunal Eleitoral e a Câmara Legislativa. A praça foi inaugurada no dia 25 de agosto de 1969, tem 47 mil metros quadrados, dois espelhos d’água e 14 mil metros quadrados de jardins. Além disso, possui mais de 100 mangueiras e um bosque que se estende até o Memorial dos Povos Indígenas. No interior da praça há bustos de heróis revolucionários latino americanos e caribenhos. Alguns bustos foram decapitados, outros vandalizados e alguns roubados. O GDF diz, há quatro anos, que os bustos estão sendo restaurados.

Será?