Por Chico Sant’Anna

No momento, estão em estudos simultaneos três projetos de melhoria no transporte de passageiros do Entorno Sul para Brasília: BRT de Luziânia, Trem Regional de Passageiros e o VLT, cujos detalhes já vieram a público.

O projeto de implantação do Veículo Leve sobre Trilhos – VLT, elaborado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU, interconectando Luziânia em Goiás ao Plano Piloto pouco contribuirá no deslocamento interno de passageiros dentro do Distrito Federal. Isso porque a CBTU só está prevendo três estações na Capital Federal e, consequentemente, poucas opções de integração com outros modais. Essa decisão pode reduzir substancialmente a quantidade de passageiros que poderiam usufruir desse novo meio de transporte. Na prática, como a linha férrea corta transversalmente os principais eixos viários entre o Plano Piloto e as cidades satélites, criar estações nesses cruzamentos permitiria ampliar os benefícios do VLT.

Pelo projeto da CBTU, apresentado em audiência pública, na Câmara dos Deputados, as estações que seriam criadas no DF se localizariam no Guará – onde poderia haver a integração com o metrô -, na antiga estação Bernardo Sayão, nas proximidades das quadra quatro Park Way, e a estação final na Rodoferroviária, no final do Eixo Monumental, onde a proposta prevê integração com futuras linhas de ônibus.

Embora atravesse as vias EPIA, EPNB e EPTG, eixos importantes na mobilidade urbana e onde já operam as linhas de BRT, nenhuma estação está prevista para esses locais. Por já existir um sistema de transporte urbano em ônibus articulado esses locais se apresentam estratégicos para integração VLT-BRT. Isso permitiria maior capilaridade e mais agilidade a quem provém do Entorno Sul e deseja se deslocar em direção, por exemplo, às vias W.3 e L.2 Norte, ao Sudoeste, Taguatinga, Samambaia e Recanto das Emas.

A proposta que está sendo apadrinhada por parlamentares goianos parece demonstrar um objetivo de fazer o transporte no padrão ponta-a-ponta, sem o tradicional pinga-pinga de passageiros, que são aqueles que acedem ao transporte num ponto intermediário e o deixa antes da parada final. O trajeto do VLT da CBTU lembra em muito a Linha 2 do primeiro projeto do metrô na década de 1990. Denominada Inter-satélites, interligaria Ceilândia, Samambaia, Taguatinga Norte, Recanto das Emas, Riacho Fundo 2, Gama e Santa Maria. Ao fazer a escolha de não implantar mais estações, a empresa abre mão de viabilizar parte da integração prevista na Linha 2 e de prover transporte a localidades hoje muito carentes desse serviço.

A linha férrea da antiga RFFSA, que será usada pelo governo, já passa pelo Polo JK, onde várias empresas se instalaram no Porto Seco; e pela Área Alfa da Marinha, às margens na Estrada Parque Contorno, e também nos fundos da Feira dos Importados, no SIA. São locais de grande afluência de pessoas e carentes de transporte público. Uma estação próxima à base da Marinha permitiria ainda uma integração com linhas de ônibus direcionadas a São Sebastião, Jardim Botânico e ao Setor Tororó.

Park Way

O bairro do Park Way é outro exemplo de desconsideração de potencialidades de passageiros descartadas pela CBTU. A linha férrea já atravessa todo o Park Way, da quadra 29 – a última, nos fundos do Catetinho – até a quadra 4. O transporte urbano interno ao bairro é praticamente inexistente. Nas redes sociais, são muitos que defendem pelo menos três outras estações, além das já previstas: nas imediações da quadra 29/17, na Praça da Quadra 14, e nos fundos da quadra 7, que faz divisa com a Metropolitana. Isso sem contar com a estação de baldeação na EPIA, anteriormente mencionada. Além de funcionar como uma espécie de metrô de superfície para quem mora no bairro, é notório que a grande maioria dos trabalhadores domésticos e da construção civil que lá atuam moram no Entorno Sul.

Três alternativas

Atualmente, segundo a ANTT, apenas cerca de 37.200 pessoas usam diariamente ônibus para se locomoverem das quatro principais cidades do Entorno Sul para Brasília (Luziânia, Cidade Ocidental, Valparaíso e Novo Gama). O maior volume de passageiros procede de Valparaíso, 11.930, seguido da Cidade Ocidental, 10.511. Entretanto, segundo a CBTU, cerca de 65 mil pessoas se deslocam diariamente de Luziânia (20.351) e Valparaíso (44.500) para trabalhar em Brasília. O estudo não quantifica os dados referentes à Cidade Ocidental.

Quem não vem de ônibus usa o carro e aí os engarrafamentos na BR-40 e na via Epia são inexoráveis. Milhares de carros se deslocam diariamente. O DER-DF – que está criando uma nova faixa de rolamento entre a divisa com Goiás e o entroncamento com a DF-001 -, estimou a circulação em 100 mil carros diários provenientes do Entorno Sul. Há que se somar ainda os oriundos do Gama e Santa Maria. O desconforto desse imenso volume de carros e caminhões chega até à Avenida das Nações e ao Eixo Rodoviário Sul, no Plano Piloto, tanto de manhã, quanto na volta, à tarde. Os bairros circunvizinhos à EPIA sofrem bastante. Até mesmo vias internas do Park Way, do Núcleo Bandeirante e Lago Sul se transformaram em alternativas para desafogar o trânsito, mas não dão a resposta necessária. Urge uma solução que reduza o volume de carros. Três alternativas estão sendo trabalhadas simultaneamente.

BRT- Luziânia

Até o final do ano devem começar as obras do BRT entre as cidades de Luziânia e a cidade satélite de Santa Maria, no Distrito Federal. A obra orçada R$ 960 milhões está inserida dentro do novo programa do PAC, mas é uma iniciativa do governo de Goiás com apoio do governo federal. O GDF informou ao blog que não participa desse projeto. A licitação deverá ser anunciada em até agosto. Segundo a prefeitura de Luziânia, serão construídos 40 quilômetros de via exclusiva, nos moldes do BRT Sul. A previsão é que esse sistema fique pronto em finais de 2028. Depois de pronta, a previsão é reduzir as duas horas de viagem em 45 minutos.

A prefeitura fala que o projeto beneficiará 500 mil pessoas, mas não explica como. A experiência do BRT Sul, que quando de seu lançamento, prometia transportar 20 mil passageiros por hora, nos períodos de pique, não se materializou. Até porque, 20 mil passageiros por hora, transportados em ônibus que carregam 150 pessoas, implicaria na circulação de 133 coletivos a cada 60 minutos. Em outras palavras, um ônibus a cada dois minutos. Dez anos depois de entrar em operação, os dois eixos do BRT-Sul (Gama e Santa Maria) transportam por dia cerca de 71.500 passageiros, isso, considerando as viagens de ida e de volta. O que daria 35.750 passageiros no sentido Plano Piloto e a mesma quantidade no sentido inverso. O sistema pouco contribuiu para retirar os carros privados desse trajeto.

Além disso, caso não haja uma política de integração de tarifas, o passageiro terá que pagar duas passagens: uma do Entorno até Santa Maria e outra de lá até o destino final no DF.  Essa realidade pode transformar a opção do BRT economicamente desinteressante ao passageiro, principalmente se em um mesmo carro estiverem mais de uma pessoa.

Trem Regional

Além do VLT, sob exame no Ministério das Cidades/CBTU, o governo federal estuda por meio do Ministério dos Transportes, a possibilidade de implantar um sistema de Trem Regional. A nova Política Nacional de Transporte Ferroviário de Passageiros busca-se transportar pessoas se valendo da malha ferroviária já existente e com o desenvolvimento da infraestrutura que já é usada para o transporte de carga. Uma consulta pública foi recentemente realizada e a promessa é de ser lançado em breve os editais para a implantação desse serviço ferroviário em seis regiões metropolitanas do Brasil, dentre elas a conexão Luziânia – Brasília. O Ministério dos Transportes diz existir a disposição de investir recursos federais para ajudar a iniciativa privada a materializar essas linhas.

No caso local, numa extensão de 60 km, a proposta visa se valer da mesma linha férrea da extinta RFFSA, hoje operada pela Ferrovia Centro-Atlântica – VLI, vinculada à companhia siderúrgica Vale do Rio Doce. O ministério guarda a sete chaves os detalhes desse projeto. Também aí, a secretaria de Mobilidade do GDF diz não ter participação.

Teoricamente, uma composição de trem de passageiros composta de oito vagões pode transportar cerca de 2.500 pessoas em cada viagem. Isso equivale a 600 carros de passeio ou 40 ônibus. Um trem longo desse porte exigiria, contudo, estações mais amplas, com plataformas longas o suficiente para que os passageiros pudessem aceder a qualquer um dos vagões. Provavelmente, essa modalidade implicaria numa oferta restrita de estações.

O Estudo de Demanda do Trem de Passageiro Semiurbano Brasília-Luziânia, elaborado, em 2021, pelos pesquisadores Emygail Azevedo, Mônica Veloso e Matheus Oleskovicz estimou que a implantação do trem regional teria a capacidade de reduzir em 28% a circulação de carros e em 6% a de ônibus, tornando o trânsito mais amigável. A estimativa é que pelo trem a duração do trajeto Luziânia-Plano Piloto seria reduzida à metade.

VLT-CBTU

A proposta apresentada pela CBTU – que também não conta com a participação do GDF, foi orçada em R$ 760 milhões. A bancada parlamentar federal de Goiás já teria alocado R$ 308 milhões em emendas ao orçamento da União. Talvez por esse maior empenho goiano, sejam poucas as estações no interior do DF. O início da via férrea não se daria na área central da cidade de Luziânia, mas sim a partir do Jardim Ingá, distrito a 18 km do centro do município. A exemplo de Valparaíso e Cidade Ocidental, que nasceram em território de Luziânia, hoje Jardim Ingá também clama pela sua autonomia administrativa.

Cidade Ocidental com uma estação e Valparaíso, com duas paradas, por onde os trilhos já passam, seriam atendidas pelo novo modal. A segunda estação de Valparaíso seria no bairro de Cidade Jardins, bem na divisa do DF, onde proliferam novos empreendimentos habitacionais.

Além do maior conforto para os passageiros, a implantação do VLT reduziria o consumo de combustiveis fósseis, a emissão de gases do efeito estuda, aliviaria o trânsito, reduziria acidentes.

O equipamento pensado em ser utilizado é um VLT com auto propulsão, movido a óleo diesel, mas que pode ser híbrido também.

Produzido no Brasil pela Marcopolo, ele comporta 560 passageiros, podendo dobrar se acoplado um segundo vagão. A proposta é que ele transporte 24.640 pessoas por dia, em 22 viagens, com tarifa de R$ 6,00, bem mais baixa do que os ônibus cobram hoje.

No cronograma da CBTU, até o final do ano que vem estariam prontos todos os estudos técnicos necessários, mas não há previsão de quando ele poderia estar funcionando.