Por Chico Sant’Anna

ex-presidente Lula da Silva, que deixou o poder há poucos dias, mais do que uma trajetória, leva consigo uma bagagem estimada em 1,4 milhão de presentes, objetos recebidos nos oito anos de governo.

Existem objetos simples e caros, tais como livros, peças de arte e joias. Entre os presentes recebidos, há de tudo um pouco – de artesanato regional a quadros, de cuias de chimarrão a comendas.  Há, inclusive, uma espada de ouro com rubis enviada pelo rei da Arábia Saudita, Abdullah Bin Abdulaziz Al-Saud.

Outro mimo é uma jóia em forma de elefante, doada pela Rainha da Dinamarca, Margrethe 2ª. Ela é cravejada de brilhantes, é a maior condecoração dinamarquesa.  Trata-se de uma réplica de um presente dado ao Rei Luis XIV, da França. Por sinal, o original está exposto no Museu do Louvre, em Paris.

Todo material presentado a Lula está sendo organizado, mas deve ocupar onze caminhões que transportarão os pertences do Palácio da Alvorada para São Bernardo do Campo, em São Paulo, onde Lula a morar.

Este fenômeno nos faz lembrar o fim da ditadura militar, quando o general Figueiredo, então presidente, levou para seu sítio no Rio de Janeiro presentes de todos os quilates, inclusive cavalos de raça, sua paixão, doados a ele por outros mandatários.

Isso nos provoca uma reflexão: o presente que um chefe de estado recebe é um objeto particular, privado, ou é um patrimônio que deve ser incorporado ao acerco da União? Pela Lei 8.394, de dezembro de 1991, os acervos documentais privados do presidente da República são de propriedade do próprio chefe de Estado, inclusive para fins de herança, doação e venda. No caso de venda, a União tem a preferência.

Não sei se cavalos de raça ou mesmo espadas com rubis podem ser considerados acervos documentais privados. Mas creio que tudo isso deveria compor um museu do Estado, um memorial, assim como as jóias da Coroa Inglesa estão expostas publicamente para todo o povo inglês.

No Rio de Janeiro, os principais acervos de Getúlio Vargas estão no Museu do Palácio do Catete. Muitos dos pertences da família imperial brasileira estão expostos ao público no Museu Imperial de Petrópolis, que é um museu público. Os republicanos de então tiveram a sabedoria de preservar para o futuro os agrados que Dom Pedro I e II receberam. Até uma múmia egípcia está entre os objetos que podem ser apreciados.

O chefe de Estado recebe tais presentes não por ser amigo deste ou daquele, mas por ser chefe de Estado. É a função dele que o faz ser presenteado. Tomar para si um presente institucional pode, ao meu ver, ser considerado como apropriação indevida.

Estes presentes contam uma história da nação, seu valor político e histórico ultrapassa o valor material. Por isso, todos deveriam estar expostos em um único espaço. Oscar Niemeyer chegou a projetar a construção de um memorial com este propósito. Mas o local onde ele queria construir seu projeto não foi aceito pela população de Brasília.

A idéia do memorial dos presidentes não é ruim, deve ser perseguida, em local mais apropriado. Enquanto isso, os ex e futuros chefes de Estado do Brasil deveriam transferir os mimos que receberam ou venham a receber para a União. Com certeza o Ministério da Cultura saberá cuidar bem deles.