Por Chico Sant’Anna
Todas as manhãs milhares de veículos se deslocam para o Plano Piloto. Muitas pessoas poderíam usar ônibus executivos e até um Trem Regional de passageiros. Foto: Chico Sant'Anna

Esta semana, duas manchetes na imprensa de Brasília me deixaram de cabelo em pé. A primeira se referia à idéia do governador Agnelo Queiroz em conceder isenção de IPVA na aquisição de carros novos. A segunda, construir garagens subterrâneas na Esplanada dos Ministérios.

As duas notícias me lembraram uma antiga afirmação do então ministro do Planejamento do Brasil, Delfim Neto, naqueles tempos negros da ditadura. Respondendo aos ambientalistas, ele dizia que quanto mais chaminés soltando fumaça no Brasil, mais feliz ele estaria. Agnelo Queiroz deve estar reencarnado Delfim.

A idéia de incentivar a compra de veículos novos por meio de isenção do IPVA no primeiro ano é, primeiramente, enganosa. O GDF atrai o consumidor alegando que terá menos ônus, mas nos três anos subseqüentes ele terá que pagar uma alíquota 17% mais alta. A justificativa seria dinamizar a economia local, gerando mais ICMS e, teoricamente, mas empregos junto às revendedoras de automóveis.

A proposta está recheada de equívocos. Primeiro, a receita de impostos, IPI e ICMS favorecem mais o governo federal detentor da arrecadação do primeiro tributo, e, segundo, o estado onde está localizada a fábrica de carros. Assim, Agnelo estaria favorecendo a economia de São Paulo, Minas, Rio de Janeiro, provocando uma evasão de renda local.

Segundo, Brasília não precisa de incentivos extras para a aquisição de carros. Depois de São Paulo, o DF é a unidade da Federação com a maior frota proporcional à população. O portal do DETRAN informa que em dezembro de 2010, Brasília tinha 1,233 milhão de carros. Uma frota bastante nova: 48% dela têm no máximo cinco anos de vida.

Em 2008, Brasília tinha um carro a cada 2,3 habitantes. Dois anos depois,  a proporção já passava de 1 carro para cada 2,07 pessoas. Com um crescimento de mais de cem mil novos carros por ano, logo, logo, a Capital Federal estará com um perfil de um carro para menos de duas pessoas. Ou seja, praticamente, passageiro e motorista serão as mesmas pessoas. Todos estes veículos não levam em consideração os emplacados no Entorno do DF e que circulam e pela cidade, já que seus proprietários estudam ou trabalham em Brasília.

O resultado deste crescimento desordenado se materializa nas ruas engarrafadas, na falta de estacionamento, na poluição motora que já se mostra visível e na necessidade de se construir novas faixas de rolamentos a preços caríssimos.

Terceiro, Agnelo não está pensando a longo prazo, no crescimento da população – Brasília já está em os quatro maiores centros populacionais do Brasil – na poluição, na necessidade de ter que abrir novas vias, na destruição de áreas verdes, no caos que a cidade vai se transformar.

Garajão da Esplanada ou Tumba do Agnelo

A segunda proposta é um reflexo do quadro descrito anteriormente. Trata-se da construção de mais uma obra faraônica no canteiro central da Esplanada dos Ministérios. Um sonho antigo do empresário e do vice-governador Paulo Otávio, que teve que renunciar o mandato em meio à crise da Caixa de Pandora.

Pressionado pelos presidentes da Câmara e do Senado, Agnelo admitiu retomar esta loucura que seria construir uma garagem para mais de 20 mil carros. Grosso modo, sem contar as áreas de circulação, administração, etc., só as vagas devem consumir cerca de 300 mil metros quadrados. De tão faraônica, já está sendo apelidada de a Tumba do Agnelo.

Transporte Público

O que há de comum nos dois fatos? Além é claro da falta de inteligência e de visão ambiental do GDF, a questão central é o transporte coletivo em Brasília. É certo que Lúcio Costa projetou Brasília para um ser dotado de cabeça, tronco e rodas, mas Agnelo não precisa piorar a situação. Pelo contrário, pode resolvê-la.

Não se tem idéia do custo desta obra, pois além da parte física, seria necessário remover redes de águas pluviais e de esgotos, cabos de energia elétrica e toda a rede de fibra ótica que atende aquela região. Algumas destas redes pertencem às áreas de Segurança Nacional do Governo Federal, Forças Armadas, dentre outras. Construídas ainda nos estertores da Ditadura Militar, elas cruzam o subsolo do poder e não se têm as plantas com as rotas que percorrem. Corremos, inclusive, o risco de ter um apagão informático nas áreas do Governo Federal, trazendo mais danos do que aqueles produzidos por hackers há algumas semanas.

Mesmo sem saber o custo final da obra, já há especialistas adiantando que a verba necessária seria suficiente para construir um VLT saindo da Rodoviária até a Praça dos Três Poderes, ou mesmo um ramal subterrâneo do Metrô, que depois poderia se deslocar pela L.2 até a UnB, ou até o monotrilho, defendido por Oscar Niemeyer, mas condenados por muitos.

O VLT, me informam, com os custos de estação, do bonde, de tudo, sairia por R$ 34 milhões o Km. O metrô subterrâneo parece que custaria o dobro. A distância entre o Palácio do Planalto e a Rodoviária é estimada em 2,5 Kms, ou seja, um VLT ao preço de R$ 100 milhões (já com as corrupções incluídas – R$ 85 milhões seria o custo sem DNIT), dotaria Brasília de um transporte moderno, sem poluição, eliminando a necessidade de veículos individuais e sem a Tumba do Agnelo, ou melhor o garajão da Esplanada.

Dirão alguns que Brasília não tem dinheiro pra obra, que custaria a décima parte da reforma do Mané Garrincha. Mas se há tanto interesse por parte dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, eles têm toda a facilidade de incluir tal dotação no Orçamento da União.

As soluções são diversas, desde medidas mais complexas e onerosas até outras bem simples. Tomo a liberdade de listar algumas delas aqui abaixo:

1)     Retomar o funcionamento dos ônibus funcionais.

Collor de Mello, alegando que se tratava de mordomia, extinguiu os ônibus funcionais que transportavam milhares de servidores federais. Com o retorno deste transporte, centenas de veículos deixarão de circular pelas ruas de Brasília. O custeio para cobrir as despesas desta medida pode ser o mesmo do vale transporte a que os servidores têm direito. No lugar do ticket, que muitas vezes é vendido na esquina, o servidor teria direito ao ônibus.

Bicicletários públicos, como os existentes na Europa, podem reduzir a populição, engarrafamentos e a demanda por estacionamentos. Foto: Chico Sant'Anna

2)     Ciclovia e Bicicletário Público.

Saindo da Rodoviária de Brasília e percorrendo a Esplanada dos Ministérios poderia ser instalada uma ciclovia e bicicletários públicos. O uso de bicicletas públicas é cada vez mais comum nos países da Europa e na Esplanada,por ser plana, seria bem adequada. Ao deixar o metrô o um ônibus, o passageiro poderia se dirigir até o seu ministério pedalando.

3)     Estacionamentos ao longo do Metrô e no Mané Garrincha.

No lugar de construir uma garagem subterrânea cara, estacionamentos seguros poderiam ser construídos nas proximidades das estações do metrô. Viagem e estacionamento deveriam ter preços conjugados e atrativos para que o carro não se desloque até o Plano Piloto.

O mesmo poderia ocorrer no estacionamento ocioso do Estádio Mané Garrincha. Ocioso não, na verdade ociosos são os ônibus que ficam lá parados sem atender a população. A exemplo do que já faz a OAB para seus advogados, microônibus poderiam resgatar os motoristas naquele local e levá-los até seu destino na Esplanada, Setor Comercial e proximidades.

4)     Ônibus executivo – frescão.

Outra iniciativa simples é retornar com o uso de ônibus executivo ligando as cidades satélites, os Lagos e condomínios a áreas do Plano Piloto. Com conforto, pontualidade e segurança, muita gente deixará seu carro na garagem e irá para o Plano Piloto de ônibus.

Por sinal, o executivo que liga o Aeroporto ao Setor Hoteleiro poderia ter seu trajeto corrigido para não trafegar com tão poucos passageiros. Deve passar pela nova Rodoviária e pela Estação de Integração do Metrô. Assim, passaria a atender a muita gente que mora em Taguatinga, Guará, Ceilândia e Samambaia.

5)     Bilhete único e integração.

Um dos principais motivos de não se usar ônibus em Brasília – além é claro do desconforto, da falta de pontualidade, da superlotação – é o preço alto e a falta de interligação e bilhete único. Se tiver que pagar dois bilhetes na ida e dois na volta, o passageiro em potencial vai preferir ir no seu carro, pois a gasolina, mesmo com o preço na hora da morte, ainda sai mais barata. Não dá pra entender como o GDF na administração Agnelo continua paralisado nesta questão de transporte, refém da máfia de ônibus.

6)     Trem regional.

Nas eleições passadas, quando fui candidato ao Senado pelo Psol, defendi a revitalização do Trem Bandeirante da antiga RFFSA, transformando-o em um trem de passageiros para o Entorno Sul. Ao longo de60 km, a linha já existente deste trem percorre as imediações de Luziânia, Cidade Ocidental, Valparaízo, Santa Maria, Park Way, Metropolitana, Núcleo Bandeirante,Guará, Águas Claras, SIA, Cidade do Automóveis e Setor de Inflamáveis. Um público estimado em mais de um milhão de passageiros, que poderiam deixar seu carro em casa e vir confortavelmente de trem para o Plano Piloto, descendo na antiga rodoferroviária. Seu trajeto já cruza no Guará a linha do metrô, permitindo a integração dos dois sistemas.

Neste e em outras propostas citadas acima, falta vontade e coragem políticas para enfrentar a máfia do transporte coletivo de Brasília. Uma máfia que sucateou a TCB e levou suas principais e mais rentáveis linhas.

Nas redes sociais já se percebe a reação indignada da população que deseja uma Brasília moderna, sem poluição, sem engarrafamentos e sem a necessidade de obras faraônicas. Foi-me dito que Agnelo, desde que acabou as eleições não olha mais seu facebook, seu Orkut e seu twitter. É uma pena, poderia ver que suas idéias não estão encontrando eco no brasiliense, muitos dos quais já arrependidos de votar nele.