Foto de Chico Sant'Anna
GDF repassa a iniciativa privada por 30 anos serviços de transporte coletivo, coleta de lixo e setores da Saúde. Planejamento Urbano já foi terceirizado.
Texto e fotos por Chico Sant’Anna, publicado anteriormente em Brasília 247

Parafraseando Fernando Gabeira, no Distrito Federal, “o governo petista está sendo apenas uma continuidade medíocre das forças que combatia.”

No período em que o PSDB deteve o poder no governo federal, o grande divisor d’águas com o Partido dos Trabalhadores era quanto ao papel do Estado na sociedade. O PT acusava os tucanos de defenderem um estado mínimo, privatizando tudo o que era possível e repassando à iniciativa privada o máximo das ações tidas como responsabilidade governamental.

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Agora no poder, os petistas parecem, como Fernando Henrique, ter esquecidos suas cartilhas, seus livros. O discurso mudou e são eles mesmos os que defendem a terceirização de atividades típicas de Estado. No Distrito Federal, a administração comandada pelos petistas e peemedebistas estão repassando à iniciativa privada as tarefas de transporte coletivo, saúde pública, planejamento urbano, coleta de lixo, dentre outras.

Sob a batuta de Agnelo, um ex-comunista que se abrigou sob a estrela petista, nos próximos 30 anos a iniciativa privada terá o controle quase que total da Capital Federal. O ícone é o transporte público de uma população estimada em 3 milhões de habitantes. Agnelo abandonou os projetos de dotar o DF de redes de metrô, Veículo Leve sobre Trilhos – VLT e, se mostra descrente quanto a um trem regional. Uma licitação está selecionando empresas que terão a direção do transporte coletivo na forma de ônibus a diesel nas próximas três décadas. O metrô de Brasília, embora incompleto, também vai ser alvo de uma Parceria Público Privada. A idéia havia nascido na administração de José Roberto Arruda e foi parar na gaveta com a eclosão do escândalo da Caixa de Pandora. Agora, segundo alerta o sindicato dos metroviários do DF, o edital foi desengavetado.

Além dos transportes, o GDF sob o comando da dobradinha PT/PMDB, pretende entregar à iniciativa privada serviços vitais do atendimento médico hospitalar da Capital Federal, tido por décadas como modelo de atuação pública no setor. Alegando falta de recursos para tocar as melhorias – suspeita-se que a construção do novo Estádio Mané Garrincha, a um custo de quase R$ 1 bilhão, esteja sugando toda a receita do governo local – Agnelo pretende entregar a iniciativa privada o serviço de traumatologia do Hospital de Base, o principal da rede, a execução dos serviços de exames laboratoriais e emissão de laudos, bem como a construção e gestão de um novo hospital na cidade satélite do Gama. As empresas teriam a garantia de um contrato com a validade de três décadas, passiveis de prorrogação. Quanto o GDF vai pagar a estas empresas ainda não se sabe.

Mesmo prazo será concedido à empresa que assumir a coleta do lixo e gestão do aterro sanitário do Distrito Federal a um custo aos cofres públicos de cerca de R$ 12 bilhões.

O futuro da Capital Federal, projetada por arquitetos e urbanistas brasileiros, foi entregue a empresa Jurong, de Cingapura, renomada em projetar imensas torres de até cem andares. O contrato, que visa projetar a cidade para os próximos 50 anos, foi assinado nesse paraíso fiscal, longe dos holofotes nacionais e resultará em um dispêndio inicial de R$ cerca de 9 milhões, sem qualquer licitação pública.

Desta forma, qualquer que seja o governo que venha assumir o comando da Capital Federal nas próximas décadas não haverá espaço para a ação governamental. Salvo se um novo governante opte por pagar imensas indenizações para romper contratos na área de saúde, saneamento, transporte e planejamento urbano.

Segurança Pública

A mais nova investida petista é no campo da segurança pública. No artigo Segurança Privada: Necessidade Urgente, publicado na revista eletrônica Brasil 247, o braço direito de Agnelo na Câmara Legislativa do Distrito Federal, o deputado distrital Chico Vigilante – fundador do sindicato dos Vigilantes do Distrito Federal e um dos primeiros petistas a ser eleito parlamentar federal representando a capital da República -, defende a privatização das atividades de segurança pública. É curiosa a oportunidade em que as idéias de Vigilante vêem a público, coincidindo com o noticiário negativo sobre a segurança pública em Brasília e nos principais centros urbanos do País.

Depois de ressaltar que existem 2 milhões e meios de vigilantes em atuação no Brasil, diz o parlamentar: “A utilização da segurança privada é uma tendência em crescimento no mundo inteiro. No Brasil não deve ser diferente. Governo e sociedade já reconhecem que o Estado não pode arcar sozinho com a responsabilidade da segurança pública e patrimonial. Complementar a ela deve existir a segurança privada como atividade regular.” (o grifo é meu)

Chega a ser ultrajante ver a forma como o PT, do qual eu participei no passado como militante e filiado, se rendeu ao canto das moedas de ouro. A ideologia da eficiência, da qualidade dos serviços essenciais sob responsabilidade do gestor público foi facilmente esquecida. Suspeita-se até que esteja ocorrendo agora o que os petistas acusavam de ter ocorrido no período da privatização da Telebrás e de suas subsidiárias. Qual seja: deixar sucatear o setor, torná-lo ineficiente, para facilitar a aceitação popular da privatização das funções do Estado.

Será que é por isso que o Distrito Federal apresenta hoje estatísticas crescentes de violência igualáveis às piores áreas do Rio de Janeiro e de São Paulo? Será que é para entregar a iniciativa privada a gestão dos hospitais que mulheres dão a luz nos banheiros dos hospitais públicos do DF? Será que é para entregar os espaços urbanos de Brasília à especulação imobiliária, que está se desconstruindo o projeto urbanístico do Distrito Federal – concebido pelos gênios Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Burle Marx -, e que se atravessou o oceano para contratar uma empresa de Cingapura?

Chico Vigilante defende a aprovação pelo Congresso Nacional do Estatuto da Segurança Privada. A nova lei deve entregar às empresas privadas de vigilância – muitas delas de passado reprováveis – a responsabilidade da segurança do bem privado. Em seu artigo diz o parlamentar candango:

“Prevê-se que a área de atuação da segurança privada seja substancialmente aumentada abarcando eventos e espaços públicos, podendo ser utilizada em shows; transportes coletivos; na fiscalização ambiental e florestal; dentre outras. Já é decisão atual da FIFA que a segurança de estádios e pontos de treinamento seja feita por segurança privada.”

Assim, desde a casa de cada contribuinte, do pequeno comércio, do já apinhado transporte coletivo aos estádios da Copa, a segurança não mais seria de responsabilidade do policiamento ostensivo da Polícia Militar e sim de empresas privadas. Aos contribuintes a obrigação de pagar ao setor privado aquilo que ele já pago ao setor público sob a forma de impostos e taxas.

Além da cobiça das empresas privadas e da criação de mais um novo ônus para o contribuinte, há de se perguntar: quem cuidará deste exército que, segundo o deputado, envolve 2,5 milhões de pessoas armadas? Hoje, em algumas localidades, não se consegue nem monitorar as ações criminosas de alguns policiais civis e militares que desonram a farda e o escudo que portam.

É lamentável como o PT, que foi a esperança de gerações de cidadãos brasileiros, que sonharam com um novo modelo de fazer política, uma nova forma de gerir o Estado, adote técnicas mais prejudiciais a nação de que seus oponentes no passado. O tintilhar das moedas de ouro parece hoje o norte preferido de algumas das lideranças.

Alianças com forças políticas reconhecidamente espúrias, com empresários que nada honram os segmentos que atuam, suspeitas de ligações com o submundo do crime, tudo isso desonra aqueles que lutaram pela redemocratização e pela moralização da administração pública no Brasil.

Parafraseando Fernando Gabeira, em seu artigo Reflexões na porta de cadeia, também publicado na Brasil 247, no Distrito Federal, “o governo petista está sendo apenas uma continuidade medíocre das forças que combatia.”

O mais preocupante é o efeito que isso poderá gerar na sociedade brasileira, cada vez mais descrentes do processo político, da Política com “P” maiúsculo.