Três deputadas federais do partido acionaram o MPDFT para que investique o piloto por prática de racismo e homofobia ao se referir a Lewis Hamilton. Ongs já deram entrada como processo no TJDF pedindo indenização de R$ 10 milhões. Populares querem mudar o nome do autódromo de Brasília, que segundo juristas fere uma lei federal que proíbe a designação de nomes de pessoas vivas para bens públicos.

Por Chico Sant’Anna

Estivesse ainda nas pistas de corrida, o piloto de Fórmula 1, Nelson Piquet, certamente teria recebido uma bandeirada preta e branca, aquela que é dividida na diagonal e indica que houve conduta antidesportiva de um piloto. Piquet pecou em civilidade ao tratar com termos depreciativos o piloto Lewis Hamilton, chamando-o de “neguinho” e insinuando comportamento homossexual do inglês. As reações internacionais foram imediatas. Depois de alguma resistência e demora, Piquet veio a público se desculpar. Não convenceu muito e para piorar, um outro trecho da fala do tricampeão, considerada homofóbica, veio a público. Por isso mesmo, ele poderá ser alvo de uma investigação do Ministério Público a pedido de três parlamentares federais do Psol.

As deputadas Áurea Carolina (MG), Talíria Petrone (RJ) e Vivi Reis (PA) pedem que o Ministério Público do Distrito Federal investigue Piquet por crime de discriminação e-ou preconceito. Na petição, assinalam que “o racismo estrutura as relações sociais no Brasil. Nesse sentido, tratar seres humanos negros de forma evidentemente pejorativa, como faz o senhor Nelson Piquet, não se coaduna com as práticas para efetivação do dispositivo da igualdade”

“Essas falas não podem caber numa democracia. Mas sabemos que desde que Bolsonaro chegou ao poder, seus apoiadores se sentem confortáveis em espalhar o ódio, como faz o presidente. Não vamos tolerar!” – registrou Talíria em seu perfil no twitter. Também a Associação Educafro, o Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese São Paulo e a Aliança Nacional LGBTI+ decidiram ingressar com ação contra o piloto no Tribunal de Justiça do DF. Elas pedem uma indenização de R$ 10 milhões por danos morais coletivos e danos sociais.

Pubicado simutaneamente na coluna Brasília, por Chico Sant'Anna, no semanário Brasília Capital.

Rebatizar o autódromo

Não é só nas barras dos tribunais que Piquet poderá enfrentar tráfego pesado à frente. Na Câmara Legislativa, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, Fábio Félix (Psol), prepara um projeto-de-lei para rebatizar o autódromo. Inicialmente, a ideia dele é homenagear Benedicto Lopes – o “Campineiro Voador” -, primeiro piloto negro brasileiro, que em 1937 foi convidado a pilotar na Europa um Alfa Romeu, tendo subido ao pódio em Portugal e na Itália

Também nas redes sociais, onde moradores de Brasília condenam o comportamento de Piquet, ganha força a ideia de rebatizar o autódromo. “Se eu fosse parlamentar no DF, meu primeiro projeto-de-lei seria para a mudança do nome do Autódromo Nelson Piquet, que envergonha a nossa cidade com seu comportamento racista e homofóbico” – comenta a líder comunitária da Vila Planalto, Leiliane Rebouças, que até sugere nomes de outros pilotos candangos: Roberto Pupo Moreno e Alex Dias Ribeiro. José Carlos Pace, o “Moco” – que disputou várias provas no DF – é o preferido do professor de língua Portuguesa, Júlio Alba, já o jornalista Eduardo Brito propõe José Roberto Nasser. Falecido em 2018 era um especialista em automobilísticos e fundador do Museu do Automóvel de Brasília.

Por ser posterior a lei nº 6.454/1977, o decreto que designou de Nelson Piquet o autódromo de Brasília é considerado ilegal, na visão de juristas. Já populares acham que Piquet envergonha a Capital Federal.

Ilegalidade da designação

No debate que se desenrola, o arquiteto e ex-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB-DF, José Roberto Bassul, lembra que a lei nº 6.454/1977 proíbe, em todo o território nacional, atribuir nome de pessoa viva a bem público.

O Autódromo foi inaugurado em 1974, sob a denominação de Autódromo Internacional de Brasília, um dos equipamentos do então Centro Desportivo Presidente Médici. Em 1988, sob os ares da redemocratização e diante da conquista, em 1987, do terceiro campeonato mundial da F.1, o nome do autódromo foi alterado para Nelson Piquet: uma homenagem ao piloto carioca residente desde a infância em Brasília.

Piquet se sagrava o primeiro tricampeão brasileiro na categoria. O ato jurídico que deu o novo nome foi o decreto n° 10.975, de 1º de janeiro de 1988, assinado pelo então governador José Aparecido. Na época, Aparecido justificou o ato, além da conquista do tricampeonato, ao fato de o esporte oferecer à juventude “opções de desenvolvimento cultural” e “projetar valores humanos”. Por não existir ainda a Câmara Legislativa do DF, foi um ato monocrático do GDF. “Por ser posterior a lei de 1977, o ato é ilegal já na sua origem” – avalia o jurista Max Telesca.

Com a morte de Ayrton Senna, todo o complexo desportivo Presidente Médici foi rebatizado com o nome do segundo tricampeão brasileiro da F.1. “O que não deixa de ser irônico dada a rivalidade entre os dois pilotos da F-1, refletida até entre os torcedores de um e de outro” – comenta o jornalista especializado em automobilismo, Luc Monteiro, que lembra que Piquet também foi o nome do Autódromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, já demolido.

Privatização

Em 1996, no governo de Cristovam Buarque, o autódromo foi privatizado por dez anos, para a NZ Empreendimentos, empresa do próprio Piquet. A privatização foi muito polêmica, há quem diga que o autódromo foi devolvido em piores condições do que foi concedido. O certo é que o Tribunal de Contas do DF determinou a devolução do patrimônio ao GDF. “A decisão também levou em conta a ausência de prestação de contas e da precária atuação dos executores do contrato” – justificou o TCDF, em 2006.