Por Chico Sant’Anna

Do entrecruzar de duas linhas, nasceu uma ideia…, um plano…, o Plano Piloto. Dele abriram-se as asas para o nascimento de uma nova cidade, que mirasse o futuro, uma nova civilização.

63 anos depois, daquele entrecruzar de pontos, nasce um novo olhar sobre essa cidade: poético, sublime, delicado, que resgata tradições centenárias para retratar o aspecto revolucionário e modernista da Brasília, que nasceu de dois traços.

Repolengo, palestrina, areia, francês, pirulito, margarida, chuvisco, correntinha…, os estilos são diversos. O objetivo um só. A forma de como a agulha perpassa a tela é diverso, livre e fruto da sensibilidade individual. Como pintores, no lugar do pincel ou da espátula, as agulhas tem o único propósito de retratar na milenar técnica do bordado As Linhas de Brasília.

Cenas clássicas dos monumentos da cidade, recantos floridos, os ipês em florescência, as velhas estruturas de madeiras que serviram de moradia, hospitais, comércio, serviços públicos no início de Brasília, agora viram as musas inspiradoras de um grupo de quinze mulheres do Park Way. Mães, avós, tias, dindas que cantam em corais, ceramistas, dominam a arte dos mosaico, da ikebana e do cultivo de orquídeas. Gostam de boas leituras, música, cuidar do jardim e juntas descobriram a arte de bordar.

A pandemia atrasou os trabalhos em dois anos, mas cenas históricas da Capital Federal, antigas e importantes, já estão gravadas em telas de feltro, linho ou percal. São trinta peças que trazem também a diversidade da natureza local e a beleza dos recantos de Brasília.

Toda essa arte têxtil está agora à disposição do público que poderá apreciar a delicadeza, o resultado da combinação de linhas e pontos.

Alguns dão a impressão de que chuviscos caíram sobre a tela. Outras parecem transmitir ao toque a sensação do veludo. Não há uma padronização de técnica ou material. Cada bordadeira escolhe aquilo que melhor retratará seu objeto de confecção.

Além da grata homenagem à cidade que aniversaria, a empreitada propiciou a integração de mulheres, algumas solitárias em suas próprias casas, trazendo o prazer social da convivência social e da contribuição à documentação artística de uma cidade inovadora.

Dá técnica

As telas surgidas no projeto Nas Linhas de Brasília, demandaram técnica sofisticada, não só no bordar, mas também na definição do que bordar. Inicialmente, o objeto, a cena a ser bordada é fotografada. Estampada em papel a imagem orienta a forma do desenho, seus contornos e as cores que deverão nortear o caminhar das agulhas e a escolha dos tipos de linhas e tecidos. Podem ser linhas de algodão, seda, lã e até mesmo material vegetal, como fios retirados da casca da bananeira ou do sisal.

O bordado é uma arte milenar. Civilizações contaram histórias, registraram feitos, eternizaram romances, com o entre e sai das agulhas nos tecidos. Uma arte têxtil que atravessou séculos e civilizações. Nas linhas de Brasília comprova que mesmo na era pós-moderna, do mundo virtual, das telas digitais, ainda há espaço para as telas de pano. No lugar dos pixels, os pontos surgem com a delicadeza e a criatividade daquelas e daqueles que conseguem materializar no tecido as suas emoções.

Serviço:

Exposição: Nas linhas de Brasília
Local: Jardim Botânico de Brasilia
Período: 21 a 23/04
Horário: das 9h às 16h30