Secretaria de Juventude e da Família do DF faz propaganda em defesa do estatuto do nascituro e gera reações contrárias dentre as lideranças sociais que defendem os direitos das mulheres. Proposta de lei pode impedir as raras possibilidades de uma mãe fazer o aborto legal, como por exemplo, nos casos de estupro de mulher menor de idade.

Por Chico Sant’Anna

O Governo do Distrito Federal, por meio da secretaria de Juventude e da Família, comandada pelo ex-distrital Rodrigo Delmasso (Republicanos), decidiu entrar na polêmica do estatuto do nascituro, em análise no Congresso Nacional. A lei é vista como uma tentativa de impedir as raras possibilidades de uma mãe fazer o aborto legal, como por exemplo, nos casos de estupro de mulher menor de idade.

A secretaria de Delmasso produziu e veiculou nas redes sociais material de promoção da 16ª edição da Marcha Nacional pela Vida, em Brasília. A propaganda, que também apareceu no portal da Arquidiocese de Brasília, traz a logomarca da gestão de Ibaneis Rocha (Ipê Amarelo) e a designação da secretaria. O evento é uma iniciativa da ong Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil Sem Aborto, presidida pela professora de Biologia, Lenise Garcia. No material, além da logo da entidade contra a atual legislação, há a defesa da aprovação do estatuto do nascituro.

Estatuto do nascituro

A proposta de se criar esse marco jurídico foi feita por meio do projeto de lei 478/07 e oficialmente visa propiciar a proteção integral ao feto e proíbe o aborto mesmo em casos de violência sexual. Já a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) o classifica como “estatuto do estuprador” e defende uma legislação que assegure os direitos das gestantes, sobre o desenvolvimento fetal e da garantia de sua saúde e da sua plenitude, sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres brasileiras. Posição semelhante tem a deputada Erika Kokai (PT-DF)

Para a também professora de Saúde Pública da Universidade de Santa Catarina, Clair Castilhos Coelho, o estatuto revela o que ela rotula de uma das mais profundas heranças misóginas de nossa sociedade patriarcal, capitalista, judaico-cristã. “Remete à tentativa milenar de dominar o corpo e a sexualidade das mulheres utilizando valores para o disciplinamento da vida das pessoas que são impostos através da culpa e do pecado” – escreveu ela em artigo, ressaltando que a ideia dessa legislação se equivale às proposições em favor da “cura gay”.

O PL aguarda votação na Comissão dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados. A aprovação dessa propositura pelo Congresso Nacional resultará na supressão das possibilidades legais de aborto, previstas no Código Penal, como em caso de risco de vida da mulher, da gravidez resultante de estupro e a antecipação terapêutica do parto no caso de anomalias graves (como anencefalia), medida já aprovada pelo Supremo Tribunal Federal.

Saúde Pública

A propaganda revoltou lideranças locais. Professora da Faculdade de Saúde da UnB, Fátima Sousa, condenou a postura do GDF. “Ao invés de tratar seriamente o acesso ao aborto seguro, a preservação da vida da mulher, como uma questão de Saúde Pública, organizando as redes de atenção à saúde, preparando equipes multiprofissionais para cuidar delas de forma empática, respeitosa e digna, alimenta essas ondas conservadoras, que trazem serias consequências para a saúde e vida das mulheres”.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da CLDF, Fábio Félix (Psol) não cabe a uma secretaria de estado se posicionar dessa forma, confrontando os direitos fundamentais das mulheres. “Hoje o aborto legal é uma conquista que protege a saúde e a dignidade das mulheres e é inaceitável que elas sejam confrontadas de forma tão violenta pelo próprio poder público. Isso é um desrespeito à lei e um crime contra os direitos humanos, a integridade e a saúde das mulheres” – concluiu.

Procurado por essa coluna para explicar se a produção e difusão da propaganda em prol do Estatuto do Nascituro seria uma posição institucional do governo Ibaneis, o secretário de Comunicação, Wellington Moraes, afirmou que “o GDF não tem posicionamento oficial sobre o assunto” e que estaria encaminhando o tema a Delmasso, “uma vez que a peça (publicitária) não teve a chancela da Secretaria de Comunicação.