Houvera em Brasília espaços adequados, tanto as 63 obras apreendidas pela Polícia Federal, quanto esta formidável coleção de milhares de insetos, cientificamente catalogados, poderiam enriquecer o patrimônio científico cultural candango.

 

Por Chico Sant’Anna

 

Que Brasília está desprovida de espaços culturais públicos, isso não é novidade. O Teatro Nacional da Capital da República e o seu principal museu, o de Arte de Brasília, estão fechados há anos e sem previsão de reabertura.

O abandono também chega ao Museu Vivo da História Candanga, cujas instalações em madeira estão apodrecendo. O que as pessoas não percebem é que sem espaços culturais condignos, a cidade tem perdido oportunidades de aprimorar seus acervos.

Há alguns dias, no âmbito da Operação Circus Maximus – que apura um suposto esquema de corrupção no Banco de Brasília (BRB) – a Polícia Federal, cumprindo determinação judicial, apreendeu 63 quadros, pertencentes a Henrique Domingues Neto e Henrique Leite Domingues, respectivamente, pai e filho. Os dois estão entre os 17 denunciados à Justiça por envolvimento em um esquema de pagamento de propina a diretores do banco, para que liberassem recursos a projetos privados de sucesso duvidoso. As obras de artes requintadas seriam utilizadas para lavar e ocultar dinheiro sujo.

O acervo do biólogo Victor Stawiarski, uma coleção de mais de dois mil espécimes de borboletas e outros insetos, foi doado por seu filho, médico Luiz Cláudio Stawiarski, para o Museu Nacional do Rio de Janeiro. Foto de Marcelo Camargo-Agência Brasil.

Também foi noticiado que o acervo de mais de dois mil insetos, especialmente borboletas, libélulas, aranhas e besouros, abrigado no Distrito Federal foi doado para a Velha Capital, o Rio de Janeiro. O acervo reunido ao longo de 40 anos, totalmente catalogado pelo biólogo Victor Stawiarski, estava abrigado na casa de seu filho desde o falecimento do pesquisador. Agora, mesmo com o Museu Nacional em ruínas, devido ao incêndio, essa valorosa chusma de exemplares da biodiversidade nacional deixará o Planalto Central.

Na Operação Circus Maximus, 63 obras de arte foram apreendidas. Acervo poderia se disponibilizado à visitação pública.

Houvera em Brasília espaços adequados, tanto as 63 obras apreendidas pela Polícia Federal, quanto esta formidável coleção de insetos poderiam enriquecer o patrimônio científico cultural candango. Em 2015, no âmbito da Operação Lava Jato, a Justiça direcionou ao Museu Oscar Niemeyer de Curitiba 203 peças de artes apreendidas. Obras de Salvador Dalí, Claudio Tozzi e Aldemir Martins puderam ser apreciadas pela população em geral. Aqui no DF, os 63 quadros deverão ir para algum depósito, pois simplesmente não há espaço adequado para a sua exposição.

 A coleção foi construída e catalogada ao longo dos últimos 40 anos. O DF perde um acervo rico por falta de estrutura para abrigá-lo. Foto de Marcelo Camargo-Agência Brasil.

Para a professora da UnB, Rosangela Corrêa, gestora do embrionário Museu Arqueológico e Histórico do Planalto Central, o envio da coleção de Victor Stawiarski para fora do DF é uma perda muito importante. “Mas não temos um local adequado não só para recebê-lo, mas para mantê-lo, porque isso exigiria um orçamento que o GDF agora não aplica na Cultura do DF nem para atender aos seis museus sob a sua responsabilidade” – ressalta ela.

“O orçamento para museus no DF é mínimo e temos problemas sérios nas políticas públicas neste país, em que cada governo que entra não dá prioridade à manutenção do patrimônio local; falta não só investimentos, mas uma percepção de que conservar é importante. Os cuidados com os museus, bibliotecas e arquivos públicos são insuficientes e precários, não existe cuidado com o bem público, então, imagina deixar uma coleção com dois mil exemplares negligenciados pelo governo do DF?” – complementa.

Em Brasília, falta um Museu focado na história natural. No governo de João Figueiredo, o ministério de Minas e Energia cogitou em criar o Museu da Terra. O local designado foi o espaço entre o Teatro Nacional e a ala Norte da Esplanada dos Ministérios. As obras de terraplanagem começaram a ser feitas, mas do projeto do então ministro César Cals, só restou um grande buraco. Na Nova República, Darcy Ribeiro idealizou para o local o Museu do Homem Brasileiro. O espaço contaria a evolução da civilização brasileira. Um local que se hoje fora existente, poderia receber a coleção de insetos, reunidos ao longo de quatro décadas.

Mecenas

“Onde estão nossos mecenas? Onde está o CNPQ?” – questiona o ambientalista Eugenio Giovernardi, lembrando que nem tudo precisa ser iniciativa do Poder Público. “Helsinque, na Finlândia, existe um museu privado que abriga uma soberba coleção de borboletas, inclusive espécimes colhidos no Brasil. Com uma infraestrutura adequada, ela pode ser conhecida pelos alunos de um país onde prevalece o gelo. A França tem, há em Paris no Jardin de Plantes, uma coleção de abelhas silvestres. São mais de 20 mil espécies de abelhas silvestres, das quais a França tem 2 mil vivas. É uma questão de sensibilidade para a ciência. Cadê os intelectuais e cientistas de Brasília, para compor aqui um Museu da Natureza com nossas vidas de 65 milhões de anos?” – conclui Giovernardi

Publicada originalmente na coluna BRASÍLIA, POR CHICO SANT’ANNA, no semanário Brasília Capital.

Iniciativas da sociedade existem, mas são obstaculizadas. Em 2014, a Faculdade de Educação da UnB em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional para o Distrito Federal (IPHAN-DF), fundou o Museu Arqueológico e Histórico do Planalto Central (MAHPC) no Casarão do Parque Três Meninas, em Samambaia Norte. Tão logo tomou posse, em 2015, segundo informa a Rosangela Corrêa, o então novo governador Rodrigo Rollemberg mandou fechá-lo, “sem nenhuma justificativa plausível”. Desde então, o local está fechado, sem nenhum uso para público.

O DF possui 50 sítios arqueológicos já identificados, mas só trinta foram catalogados. Além disso falta à cidade um centro de excelência para abrigar e promover a pesquisa científica dessa riqueza. Foto: Edilson Teixeira/Arquivo Pessoal.

Sítios arqueológicos

Essa não é a primeira vez que o Distrito Federal perde acervos importantes. Em 2009, por ocasião das obras do metrô, foram encontrados vestígios de civilizações antigas que habitaram o Planalto Central. O DF possui 50 sítios arqueológicos já identificados, mas só trinta foram catalogados.

“A capital é considerada uma mina de ouro arqueológica, que esconde muitos segredos sobre a pré-história brasileira. Temos um potencial enorme a explorar” – admitiu ao portal Metrópoles, Carlos Madson Reis, então superintendente do Iphan-DF.

Infelizmente, em muitos casos, como o do metrô, o acervo vai pra fora da Capital. Muito provavelmente, eles foram deixados por povos que viveram nos períodos Paleoíndio e Arcaico Inferior. São ancestrais dos indígenas que habitavam o Brasil antes da chegada dos portugueses. Em 2009, o beneficiário de toda essa riqueza foi o Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás. O Brasiliense, que hoje se desloca diariamente com a ajuda do metrô, desconhece a viagem histórica que faz. Nem mesmo estudantes tem acesso a esse rico material.

Empregos e saber

Quem tem a oportunidade de ir a outras capitais ou a outros países, sabe da importância de Museus e equipamentos científico- culturais também para a economia local. Mundo a fora, cidades desprovidas de praias e outros atrativos naturais, como Paris e Nova York, apostam nos espaços científicos culturais para potencializar o turismo e consequentemente a economia. Em 2017, só o Museu do Louvre, em Paris, recebeu mais turistas estrangeiros que todo o Brasil.

Espaços como esses fomentam empregos de qualidade e são menos onerosos do que as Disneylândias sonhadas por alguns arquitetos de factoides. Além de preservar a memoria e fomentar o turismo – fazendo com que visitantes permaneçam mais dias em Brasília – equipamentos desse porte preservam a memoria nacional. Ajudam a recuperar dados para reconstruir a história do homem brasileiro, abrigam profissionais e pesquisadores e elevaram a qualidade do ensino.

Fosse o atual governo preocupado com a cultura, a ciência e a história da Capital Federal, o GDF estaria ativamente agindo para que os dois acervos ficassem na guarda do Poder Público Local, em beneficio de todos os brasilienses. Mas a letargia oficial só se altera quando o Mickey e o Pateta ameaçam por aqui aparecer.